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Pedro Menezes

Por Pedro Menezes*

ACERVO DA COLUNA
Publicado quarta-feira, 18 de setembro de 2024 às 17:40 h • Atualizada em 18/09/2024 às 18:23 | Autor: Pedro Menezes

Os novos e improváveis defensores de maconheiros

Legalização da maconha é defendida por ambos postulantes à presidência dos Estados Unidos

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Imagem ilustrativa da imagem Os novos e improváveis defensores de maconheiros

Em 1971, o então presidente americano Richard Nixon anunciou uma guerra contra o “inimigo público número 1 da América”: as drogas. A ideia ganhou o mundo, mas quem ganhou a guerra foram as drogas.

Neste setembro de 2024, 53 anos depois, dois ex-presidentes de direita ganharam holofotes por defender a legalização da maconha, a droga mais combatida por Nixon naquele primeiro momento da guerra.

Um dos ex-presidentes é Donald Trump, que vem subindo o tom em defesa dos usuários da erva. É um apoio surpreendente, mas banal se comparado ao outro.

Dá pra entender a postura de Trump. O contexto dos EUA mudou. Inimaginável mesmo foi o caso de Richard Nixon, que ganhou manchetes nesta semana por defender a descriminalização da erva.

A história saiu do armário

No fim dos anos 1960, hippies e pretos escandalizavam a América e protestavam contra a guerra no Vietnã. Em 1968, Richard Nixon foi eleito com um discurso de combate aos subversivos que contrariavam os valores da América.

John Ehrlichman, assessor de Nixon para assuntos domésticos, já tinha sido americanamente sincero ao admitir que, como não dava pra criminalizar todos os hippies e negros, o jeito foi combater a droga que muitos deles consumiam. Ele literalmente disse isso e você pode ler as aspas assustadoras clicando aqui.

Os novos áudios publicados pelo New York Times mostram que o próprio Nixon também pensava assim. Vou resumir o conteúdo neste texto, mas você pode ler o original clicando aqui.

O contexto

Em 1972, Richard Nixon foi reeleito com a maior goleada da história das eleições americanas. Parte central da estratégia de campanha foi associar o adversário George McGovern à esquerda radical e subversiva, aos pretos e hippies, a tudo que os bons cristãos americanos mais rejeitavam. Desde o anúncio da guerra às drogas no ano anterior, o presidente americano mantinha o mesmo discurso.

Entre o fim de 1973 e 1974, o público americano descobriu que Nixon fazia muito esforço pra ir pro inferno. Além de espionar meio mundo, o presidente espionava até a si mesmo, grampeava a própria sala e as próprias ligações. Esses autogrampos ficaram famosos e justificaram o impeachment de Nixon.

O conteúdo não foi disponibilizado ao público na época. Com ajuda de um pesquisador, o New York Times revelou trechos desses grampos que ainda não eram de conhecimento público.

Em privado, Nixon admitia a própria demagogia

O primeiro áudio é de uma ligação durante a eleição de 1972.

Pouco depois de dizer na TV que McGovern pretendia legalizar a maconha, Nixon ligou para o coordenador de sua campanha e perguntou qual era a verdadeira posição do adversário. O coordenador explicou que McGovern defendia apenas a redução de penas para usuários, mas ressaltou que o cidadão comum não sabia a diferença entre isso e a legalização. Nixon respondeu que concordava com as ideias de McGovern. A diferença é que ele dizia o oposto em público.

Ainda piores são os áudios de 1973. Num deles, Nixon comenta o caso de um pai que entregou o próprio filho à polícia porque descobriu que ele fumava maconha. O mesmo pai depois ficou indignado porque descobriu que o menino seria condenado a 30 anos de prisão.

Em conversas privadas sobre o caso, Nixon disse era um absurdo. Aquelas penas tão severas acabavam com a vida de muitos adolescentes, reconheceu o presidente americano, que continuou apoiando em público a prisão dos mesmos adolescentes.

Nas conversas de 1973, Nixon chega a dizer que a maconha não era uma droga tão perigosa para a sociedade, mas em seguida lamentava não poder defender isso em público. Os americanos dos anos 1970 jamais perdoariam um presidente defensor de maconheiros.

O jogo virou

Passados 52 anos, muita coisa mudou no ambiente político americano. Hoje, mais de 60% dos eleitores do país apoiam a legalização da maconha. A maioria dos americanos vivem em estados onde a erva pode ser comprada livremente para uso recreativo. Três quartos vive num estado que permite a compra de maconha para fins medicinais.

A maconha tem sido normalizada e criou um mercado bilionário. Ninguém quer ficar de fora. Estados mais progressistas foram os primeiros a legalizar, mas agora a população de estados mais conservadores também quer participar desse jogo lucrativo.

Na Flórida, as pesquisas indicam que a maioria dos eleitores apoia uma emenda que será votada em novembro e pretende legalizar a maconha no estado. O eleitor mais importante da Flórida já declarou apoio à emenda: trata-se de ninguém menos do que Donald Trump. O candidato republicano mora lá e deve vencer a eleição no estado pela terceira vez seguida.

Se a Flórida realmente for por esse caminho, muitos analistas consideram que a vitória será definitiva: dos quatros grandes estados americanos, Nova Iorque e Califórnia já legalizaram, e agora só faltam Flórida e Texas. A legalização na Flórida representaria um novo momento pra esse debate em âmbito nacional, o que pode levar uma legislação ainda mais amigável e estimular ainda mais o milionário mercado maconheiro.

Os defensores de maconheiros

Sei que a palavra maconheiro é incomum em textos desse tipo. Soa como algo sujo, como xingamento. Mas é disso que se trata.

O fato é que a maconha maconha não vai pra cadeia. Quem vai é o maconheiro. Nixon não defendeu a maconha nas conversas privadas que o New York Times publicou. Em público, Nixon tratou seu adversário como defensor de maconheiros nas eleições de 1972.

Quando Donald Trump fala sobre o assunto, o foco é o mesmo. Esse post do início de setembro é um bom exemplo: 'É hora de acabar com detenções e prisões de adultos que portam pequenas quantidades de maconha para uso pessoal. Precisamos implementar regulamentações inteligentes, garantindo o acesso a produtos seguros e testados. Como floridiano, votarei SIM na Emenda 3 em novembro”, tuítou o candidato republicano.

Hoje, Trump não ganharia votos dizendo que sua adversária apoia maconheiros subversivos. O mundo mudou. A maioria dos americanos apoia a legalização

O Brasil, infelizmente, não mudou tanto assim. Enquanto a direita americana apresenta seus novos e improváveis defensores da legalização, a esquerda brasileira tem medo de acabar como McGovern em 1972. Nos resta esperar o início do século 21 por aqui.

*Pedro Menezes é analista político do Grupo A TARDE

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