Os números de uma eleição que humilha Salvador
Levantamento mostra que a Cidade da Bahia é a pior capital do Brasil em diversos indicadores de competição eleitoral
Caríssimo público, a eleição já começou em Salvador? Na imprensa, sim. Nas ruas, a menos que um panfleto apareça, só se fala em outra coisa.
Os números explicam por que. Por diversos pontos de vista, os indicadores gritam um mesmo recado: o nível de competição eleitoral na Cidade da Bahia é tão baixo que chega a ser humilhante
Faltam candidatos
Salvador tem 6 candidatos à Prefeitura. São Paulo e BH tem 10, Rio e Fortaleza tem 9 candidatos.
E se olharmos para todas as capitais? Aí dá pra encontrar quatro capitais com menos candidatos do que Salvador - juntas, essas quatro capitais tem 2/3 da população soteropolitana; em média, cada uma tem 1/6 da população de Salvador.
Essas comparações com cidades menores subestimam (e muito!) a gravidade da situação. Quanto maior uma cidade, maior deve ser a competição eleitoral, ao menos na teoria. Por isso, a Cidade da Bahia deve ser comparada com seus pares. A situação fica ainda pior quando qualificamos a quantidade de candidatos
Salvador é a capital com menos candidatos de partidos fortes
A quantidade de candidatos não é tão boa para avaliar o nível de competição eleitoral. É preciso qualificar esse número, dar maior peso a alguns candidatos. Por exemplo: quantos candidatos são de partidos que tem um assento no Congresso Nacional? Para economizar palavras, vou chamar esse grupo de partidos fortes.
Em Belo Horizonte e Fortaleza, 7 candidatos são de partidos fortes. Em média, as 10 maiores capitais tem 5,7 candidatos com essa característica. Em Salvador, apenas 3 candidatos de partidos fortes disputam a Prefeitura.
Dentre as 26 capitais, só Maceió se iguala a Salvador. O problema é que Maceió tem menos de um milhão de habitantes e o buraco soteropolitano, infelizmente, é mais em baixo
Salvador e Teresina são as únicas capitais sem candidatos com experiência no Congresso Nacional
Por falar nas belas praias da capital alagoana, lá se encontra o único senador em exercício que disputa uma vaga de vice-prefeito em 2024. Em 17 das 26 capitais estaduais, algum deputado ou senador é candidato. Das 9 capitais restantes, 7 tem algum ex-deputado ou ex-senador como candidato. Só duas capitais não tem candidatos com experiência no Congresso Nacional: Salvador e Teresina.
Mais uma vez, a comparação com as maiores cidades é estarrecedora. Dentre todas as capitais com mais de um milhão de habitantes, só Salvador e Recife não tem candidatos que integram o Congresso atualmente. A capital pernambucana, porém, tem dois ex-deputados na disputa, um deles é o atual prefeito e líder das pesquisas
Salvador é a grande capital com menos candidatos relevantes
A situação piora ainda mais se considerarmos que nem todo candidato relevante está num partido que tem vaga no Congresso. Um caso notório é o de Pablo Marçal, candidato em SP. Há casos como o do ex-governador Roberto Requião, que tenta ser prefeito de Curitiba pelo MOBILIZA.
É preciso considerar outros critérios de relevância, como intenção de voto nas pesquisas ou a experiência em algum cargo eletivo.
Neste caso, Salvador continuaria com 3 candidatos relevantes. São Paulo teria 7 com a adição de Pablo Marçal, que pontua nas pesquisas, e Bebeto Haddad, que já foi deputado federal. O Rio também chegaria a 7 candidatos neste caso: além dos 6 com vaga no Congresso, há um (Cyro Garcia) que foi deputado federal. Fortaleza, Manaus e BH teriam 7 candidatos relevantes considerando todos os critérios. Curitiba chegaria a 8. Salvador destoa por todos os lados
Salvador tem candidatos muito menos experientes que outras grandes capitais
Já mencionei o caso de Maceió, que tem um senador candidato a vice. Lá, 3 candidatos já tiveram experiência em algum cargo público. Em Teresina, outra que apareceu mal em indicadores citados no texto, há dois candidatos que foram prefeitos e outro foi deputado estadual, além de dois vices que já assumiram cargo público. Em Recife, dois candidatos foram deputados federais de destaque, um foi ministro e há ainda uma deputada estadual na disputa.
Senadores em exercício disputam a Prefeitura em Belo Horizonte e Fortaleza. Em São Paulo, os ex-senadores Marta Suplicy e José Aníbal são candidatos a vice. No Rio, não há candidatos senadores, mas 5 candidatos são ou foram deputados federais. Salvador, porém, tem apenas 2 candidatos que já venceram uma eleição
como cabeça de chapa. Bruno Reis foi deputado estadual duas vezes e prefeito uma vez. Geraldo Júnior foi eleito vereador 3 vezes. Não consegui encontrar qualquer capital com tão pouca experiência entre os pretendentes à Prefeitura. Novamente, a comparação com as maiores capitais é ainda mais grave.
Não existe um contexto especial em Salvador
“Mas aqui o governo estadual é forte, a Prefeitura também…”
Infelizmente, os dados não permitem esse tipo de justificativa. Os rankings produzidos pela AtlasIntel mostram que Bruno Reis tem uma boa aprovação, mas está longe de ser o prefeito mais bem avaliado do Brasil. O governador da Bahia também passa longe de liderar o ranking nacional.
Outras capitais tem prefeitos bem avaliados que podem vencer no primeiro turno - dentre as citadas neste texto, é fácil citar os casos de Rio e Recife. Apesar disso, essas outras cidades não se destacam tanto em tantos indicadores.
O problema é profundo. Estamos num período de anormal pobreza política na Cidade da Bahia. Há pouca discussão sobre os problemas da cidade e poucos grupos políticos interessados em participar do debate. Não por acaso, um recém ex-governista é o principal candidato da oposição.
A população de Salvador precisa reconhecer a pobreza do debate e a gravidade do problema. A cada 4 anos, temos uma oportunidade para debates os 2 problemas da cidade e escolher novos líderes. Quando uma cidade tão grande abandona uma eleição sem ter resolvido seus problemas, é sinal de que algo muito errado acontece no sistema político.
Os soteropolitanos avaliam Bruno Reis como um bom prefeito, mas nada justifica o baixíssimo nível de competição da eleição de Salvador. Nem o governante perfeito mereceria uma reeleição tão fácil. Nem a maior cidade decadente do Brasil merece tamanha humilhação