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Pensando Moda

Por Renata Pitombo Cidreira*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 17 de fevereiro de 2018 às 9:03 h • Atualizada em 19/11/2021 às 8:43 | Autor: Renata Pitombo Cidreira*

A fantasia de cada um de nós: a roupa que nos liberta

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Aplaudimos a liberdade de escolha e a diversidade da fantasia
Aplaudimos a liberdade de escolha e a diversidade da fantasia -

Chegamos ao fim de mais um período carnavalesco. Expressamente libertário, o Carnaval é o momento da alegria e da experimentação: de ritmos, de sentimentos e de visualidades. Ao tentar se desvincular de padrões pré-estabelecidos, bem como se liberar dos controles e normas sociais, o Carnaval pretende ser uma intensa apologia da espontaneidade e é neste ambiente que vamos privilegiar as manifestações da aparência.

Muitos foram os trajes que revestiram os corpos predispostos e expostos aos olhares do outro. Passados os dias de folia, vale ressaltar algumas das fantasias femininas que mais se fizeram presentes durante a festa, essa que se proclama como uma das maiores festas de rua do planeta. Mas antes de refletirmos sobre as fantasias mais recorrentes, vamos tentar compreender de onde vem a força desses trajes. Etimologicamente, a palavra fantasia vem do latim phantasia que significa a faculdade humana de reproduzir, através de imagens mentais, acontecimentos passados ou mesmo eventos que não pertencem ao âmbito da realidade, desse modo, pode ser considerada como um grau superior da imaginação. Geralmente está relacionada a fascínio, encanto e até mesmo a utopia.

Quando associada ao universo vestimentar, fantasia é identificada como uma roupa que tanto pode representar um traje específico, de uma época ou de uma profissão, por exemplo, quanto um traje que represente um animal, uma figura ou um objeto. De todo modo, são peças de vestuário e acessórios que auxiliam na mudança da aparência de alguém de modo a esconder sua “verdadeira” identidade. Por isso mesmo, funciona, muitas vezes, como um disfarce.

E foi dessa maneira que a fantasia se introduziu no Carnaval, no início do século XV, em Veneza, quando ricos se fantasiavam e usavam máscaras, para se divertir junto ao povo, sem serem reconhecidos. No Brasil, o uso de fantasias começa ainda no final do século XIX, como uma aposta, sobretudo, de diversão. Associada ao mundo mágico que tem sua plenitude na infância, a fantasia aparece como uma grande aliada da brincadeira e da capacidade de imaginação transportada do universo infantil para o mundo adulto.

Percebemos, assim, que o uso da fantasia durante o período carnavalesco sugere uma atitude libertadora que permite que cada um de nós possa experimentar a dor e a delícia de ser outro. É nesse sentido que destacamos, dentre as visualidades exibidas na festa, duas delas que nos chamaram bastante atenção: a do anjinho e a da índia, é claro. Em ambas, parece aflorar o que Georg Simmel destaca como “o selo puro e autêntico da feminilidade”, ora relacionada à pureza e candura, ora associada a sensualidade e ousadia.

Além de ser composta por um vestuário simples, cujos acessórios são facilmente produzidos, apresentando-se, assim, como uma excelente alternativa para se travestir de outro durante a folia, a fantasia do anjo parece restaurar a pureza feminina. A auréola, principal artefato marcador da dimensão angelical, geralmente é feita de arame ou fio de cobre, no formato de círculo e deve ficar acima da cabeça, de boá de plumas branco ou dourado, remetendo a irradiação de luz espiritual. Além da auréola, pode-se incorporar as assas, que podem ser feitas de papelão recobertas de penas brancas artificiais. O vestido deve ser na cor branca, mas também pode variar, apostando nos tons pastéis, como o amarelo e o azul bebê. Evocação de uma relação com o sagrado, sobretudo, com a Virgem, quando usada por mulheres, a fantasia de anjo remete a alguém muito puro, imaculado. Desse modo, percebemos que seu uso no Carnaval recupera esse sentido do feminino associado a candura e distante dos pecados.

A outra fantasia que ganhou força neste Carnaval foi a de índia. Alvo de polêmicas, sobretudo a partir da imagem da atriz Paolla Oliveira, postada nas redes sociais, a fantasia também se apresenta como uma opção acessível economicamente, uma vez que requer poucas peças e acessórios: Basta um bíquini, um lindo cocar, uma bela maquiagem e pintura corporal, e eis a magia. Além disso, é extremamente confortável e faz uma referência ao corpo na sua acepção mais natural. No entanto, os críticos logo recriminaram o uso do traje, alegando que o uso por alguém que não é indígena, é uma apropriação cultural. Mas é preciso lembrar que a fantasia não é uma peça etnográfica. Ela é antes de tudo um exercício da imaginação, que se ancora numa dimensão lúdica, mas também pode servir como uma atitude de protesto, ou mesmo uma homenagem.

Se o Carnaval é o momento, por excelência, da espontaneidade e da liberdade, como querer definir as vestes e as imagens de si que podem circular e se exibir nesse período? Determinar fantasias possíveis é um modo de controle da aparência e do corpo do folião. Por isso mesmo, aplaudimos a liberdade de escolha e a diversidade da fantasia. Afinal, sua força e potência não está justamente em aludir a imaginação, e nos liberar das próprias amarras do nosso corpo e da nossa visualidade, muitas vezes, moldada socialmente?

*Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de "Os sentidos da moda" (2005), "A sagração da aparência" (2011) e "As formas da moda" (2013), entre outros.

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