Bom gosto? Nova coleção inspirada na Disney da Arezzo
A coleção fun fashion da Arezzo, inspirada no universo da Disney e, mais especificamente, nos personagens do Mickey e da Minnie, nos confronta com a questão do gosto.
Como sabemos, pouco pensamos sobre o gosto, apenas declaramos que gostamos ou que não gostamos. E quase sempre complementamos a frase acima com esta outra: “O gosto é uma questão pessoal!” Será mesmo?
Alguns esforços em direção a sua compreensão nos levam a afirmar que o gosto é uma atividade não apenas racional, mas também desejante. O gosto é emoção, sentimento. O gosto está relacionado a experiência da modificação individual induzida pelo prazer, pela apreciação. É um sentimento que é também julgamento, uma vez que é através do gosto que se torna possível estabelecer distinções entre belo e feio, bom e mau, doce e amargo etc.
Em geral, justamente pela natureza escorregadia da questão, um viés mais comum de apreensão do tema do gosto é a tentativa de definição de alguns critérios que visam, em última instância a determinação do “bom gosto” em oposição ao “mau gosto” e todas as derivações que este pode suscitar. David Hume e seus “padrões de gosto” é, seguramente, o responsável por essa forma de abordagem, atualizada por autores mais contemporâneos que, inclusive, não vem da tradição da filosofia. No esforço de compreender a sociedade de consumo e a homogeneidade (vivificada através do processo de imitação) dos gostos da sociedade contemporânea, autores como Eco, Baudrillard, Dorfles, entre outros, vão se concentrar sobre a temática do gosto, mas sempre do “bom gosto” em oposição ao “mau gosto” ou mesmo o que se passou a denominar como kitsch.
O kitsch está atrelado a ideia de excesso, ou mesmo à ideia de clichê, como nos propõe Baudrillard, ou ainda, à acepção de algo que chama, necessariamente, a atenção para si, procurando intencionalmente surtir efeitos.
Nesse sentido, será que podemos dizer que a coleção da Arezzo, inspirada no universo da Disney, pode ser considerada de bom gosto?
A coleção foi lançada oficialmente no final de agosto, após uma negociação de 3 anos com a Walt Disney Company e conta com certa de 20 produtos, entre carteiras, sandálias, chinelos, bolsas, mochilas. Além desses acessórias habituais, a grife lançou também uma versão icônica dos personagens da Disney em couro, numa parceria com a organização social Orienta Vida, em que parte da venda será revertida para a instituição. A edição limitada dos bonecos tem 2000 unidades em couro – 1500 Mickeys e 500 Minnies.
Coleção brinca com imaginário infantil e flerta com o lúdico (Foto: Divulgação)
Ao mobilizar todo um imaginário infantil, flertando com o lúdico, as peças incitam às mulheres adultas que brinquem com o Mickey ou a Minnie. Será que não poderíamos reconhecer aqui uma forma de apelo, que chama a atenção para si justamente por deslocar o espaço, o contexto e o modo como a fantasia pode se manifestar? Nos muitos comentários veiculados na
mídia sobre a coleção, expressões como apelo fashion e simplesmente encantadora estavam presentes, mas o que, de fato, ressaltavam eram a alegria e a diversão suscitada pelas peças inusitadas da Arezzo. Numa única matéria, há uma referência a sensação de que parece que tem algo errado!, evidenciando, assim, esse estilema deslocado (quando elementos de uma obra são anexados a outra como referência excitante), como diz Eco, que nos aproxima do que reconhecemos como “mau gosto” ou kitsch.
Os produtos ofertados, de certo, trazem cores alegres e divertidas, em que os tons de preto, amarelo, vermelho e branco predominam e servem de fundo para a silhueta dos personagens. Espadrilles, bolsas - como a tiracolo com a orelhinhas removíveis e a shopping com a silhueta da personagem –, scarpins, sapatilhas, e claro, a clássica sandália ícone da Arezzo, a Isabelli, que recebe o gracioso detalhe das orelhinhas do Mickey. Além da linha Pop, a coleção traz produtos com a estampa monograma da Arezzo, com a silhueta do personagem Mickey integrado, nas bolsas e tênis da linha Jacquard.
Produtos da coleção trazem cores alegres e divertidas (Foto: Divulgação)
Diante desses acessórios que incorporam uma poética passível de questionamento e dessa estratégia mercadológica da grife que se associa ao exitoso universo Disney, outra questão nos inquieta, para além da polaridade entre o mau gosto e o bom gosto: A sugestão da infantilização do mundo adulto não será outro sintoma da crise contemporânea? Diante de tanta violência, de tanta corrupção, incertezas e desesperança será que o que nos resta é brincar de voltar a ser criança e nos sentir parte desse mundo mágico em que habitam felizes ratinhos simpáticos e charmosos como a Minnie e o Mickey? Será?
Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros títulos.