Moda é arte?
O já conhecido questionamento se moda é arte? é atualizado com a recente parceria entre a consagrada marca francesa Louis Vuitton e o artista estadunidense Jeff Koons. A coleção de bolsas e outros acessórios intitulada Masters, que estará disponível a partir do dia 28 de abril, contará com desenhos do artista, cujo tema transita entre os grandes mestres da pintura como Da Vinci, Fragonnard, Rubens, Tiziano e Van Gogh. Mas será que essa pergunta ainda se mantém ou seria mais interessante tensionarmos esses campos e promover um deslocamento atentando para o seguinte fato: Não será mais importante saber como e quando certos artefatos podem ser considerados artísticos?
As reproduções virão em modelos conhecidos da Louis Vuitton como a Speedy, a Keepall e a Neverfull, todas devidamente identificadas com o nome do pintor representado em maiúsculas. Cada bolsa terá uma etiqueta em forma de coelho — imagem da marca de Koons — e uma biografia do pintor em questão no interior. As imagens escolhidas são: “Marte, Venus y Cupido”, de Tiziano, “Campo de Trigo com Corvos”, de Van Gogh, “Girl with a Dog”, de Jean-Honoré Fragonard, “The Tiger Hunt”, de Peter Paul Rubens e, claro, a “Mona Lisa”, de Leonardo Da Vinci.
A ideia tem como inspiração o projeto de Koons, “Gazing Balls“, uma instalação com quadros desses pintores clássicos aos quais o artista acrescenta uma bola espelhada, envolvendo o ambiente e o espectador na própria imagética da pintura. Agora, as telas estampam os acessórios da Louis Vuitton, associando dois grandes nomes da Moda e da Arte Contemporânea, e poderão desfilar nos corpos dos consumidores, que, por sua vez, as exibirão para o mundo em ambientes supostamente mais democráticos do que o espaço do museu, aliando passado e presente, consumo e contemplação.
Cabe constatar que nos últimos anos a Louis Vuitton tem desafiado vários artistas para colaborarem em coleções, como Takashi Murakami, Richard Prince, Yayoi Kusama, Stephen Sprouse, Cindy Sherman, James Turrell, Olafur Eliasson e Daniel Buren. Em 2014 a marca abriu ainda a sua própria Fundação em Paris, com um museu de arte desenhado por Frank Gehry. Tal necessidade parece revelar um sintoma da marca em legitimar essa associação entre a moda e a arte.
Diante de tal parceria, duas questões se colocam, além da principal delas, já anunciada no título dessa crítica: a) Por que toda vez que se afirma ou se pergunta se moda é arte?, automaticamente se toma de empréstimo a arte já consagrada como referência ou inspiração para uma produção de moda? Por que não pensar que o próprio fazer da moda pode ser em si mesmo criativo e, portanto, conter uma dimensão de artisticidade?; e b) Por que a marca consagrada de moda lança mão do expediente da reprodutibilidade, já acolhido por Koons na sua arte, para dinamizar a dinâmica criativa e mercadológica da Louis Vuitton, conhecida por sua tradição?
Talvez, mais uma vez, seja preciso afirmar que é possível comprar e consumir arte para além dos muros do museu, como já demonstrou a Pop Art. Além disso, mais que evidenciar que a moda é um produto de consumo, o interessante é compreender os processos contemporâneos de entrelaçamentos entre os vários artefatos de consumo, entre artefatos de natureza mais artística/contemplativa e artefatos funcionais.
Também é preciso reiterar que muitos empenhos produtivos da moda podem ser considerados artísticos para além de uma referência direta ao mundo consagrado das artes. Se concordamos com Luigi Pareyson, que reconhece que é ao produzir que o artista concebe seu modo de produzir, seu estilo, num diálogo constante com a matéria prima, entendemos que também na área da moda, sobretudo, vestimentar, muitos empreendimentos se aproximam da feitura e do resultado exigido por uma obra de arte. Muitos designers tem demonstrado seu modo de formar único e irrepetível em criações exitosas, capazes de promover verdadeiras experiências estéticas.
No jogo incessante entre arte, moda e consumo, tão presente na contemporaneidade, percebemos novas formas de explorar o mundo sensível, suas potencialidades formativas, seus processos poéticos e suas dinâmicas estéticas, ao tempo em que temos a oportunidade de explorar a nós mesmos e nossas possibilidades expressivas.
*Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros títulos.