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Pensando Moda

Por Renata Pitombo Cidreira

ACERVO DA COLUNA
Publicado Saturday, 15 de July de 2017 às 10:00 h • Atualizada em 15/07/2017 às 10:32 | Autor: Renata Pitombo Cidreira

Moda e imaginação: a nova coleção de Viktor & Rolf

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Desfile da coleção Viktor & Rolf
Desfile da coleção Viktor & Rolf -

No limite entre o insólito e o maravilhoso encontramos o fantástico. Essa é a sensação que experimentamos, de imediato, ao nos depararmos com as imagens do recente desfile da dupla holandesa Viktor & Rolf, na Semana de Moda de Paris outono/inverno 2017/2018. O sonho, a ilusão dos sentidos e o gosto pelo excepcional sempre estiveram presentes nas coleções da marca e, dessa vez, o mundo da fantasia, dos contos de fadas, parece ter sido a grande inspiração da coleção desses dois artistas das vestes.

Pelo menos do ponto de vista do efeito, o que as imagens nos provocam é esse mergulho no universo da fantasia que promove a confusão possível entre o real e o imaginário e nos conduz a uma abertura interpretativa, no jogo de incertezas. É esse fantástico, essencialmente ambíguo, que Viktor & Rolf querem nos apresentar, nos confrontando com nossas certezas. Ao iniciar o desfile com modelos portando grandes cabeças de bonecas, os estilistas nos convidam a habitar o universo da imaginação dos jogos infantis.

Imagem ilustrativa da imagem Moda e imaginação: a nova coleção de Viktor & Rolf
| Foto: Divulgação

Momento do desfile dos estilistas Viktor & Rolf (Foto: Divulgação)

Assim, a marca nos convoca a duas atitudes possíveis: por um lado, mergulhar no jogo e na brincadeira, e procurar se divertir; e, por outro, nos confrontar com o que nos provoca incômodo, o estranho, uma vez que apresenta corpos travestidos de cabeças de brinquedo. “Achamos que a realidade está tão estranha no momento, por que não mostrar o lado surreal dessa realidade?”, pergunta Rolf Snoeren. Já Viktor Horsting pondera que o recurso das bonecas simboliza, de forma irônica, a busca por um mundo melhor, sonhado, imaginado. Seja como for, o fato é que a dupla conseguiu mais uma vez impactar.

Na passarela, até a metade do desfile, esses corpos brincantes apareceram com cabeças diferenciadas, nos cortes e cor dos cabelos, dos olhos e da pele. Nos looks, tecido high tech com aspecto brilhante, numa modelagem oversize, repletos de babados e laços, em tons de verde militar, azul, amarelo, laranja, beterraba e lilás. Do meio para o fim do desfile, as modelos retiraram as cabeças gigantes e começaram a abrir as grandes vestes, revelando as roupas da coleção, cujos destaques foram o jeans e o patchwork e modelagens mais ajustadas ao corpo, em shapes mais casuais, streetwear, apresentando shorts, camisetas e calças. Vale ressaltar o trabalho feito à mão do patchwork, numa produção cuidadosa e divertida, cheia de esmero, estranhamento e diversão.

O patchwork, grande estrela da coleção, nos reenvia ao universo do lúdico, em que a combinatória possível se faz presente e nos faz lembrar também da própria bricolagem enquanto dispositivo técnico de composição de formas. Aqui, fragmentos de vários tecidos vão compor um único tecido, num empenho retórico, segundo os estilistas, de união das diferenças. Lembrando as reflexões de Lévi-Strauss, podemos dizer que Viktor & Rolf atuam como verdadeiros bricoleurs, acionando elementos casuais e, aparentemente, aleatórios, em composições formais bem-sucedidas e instigantes.

O recurso ao fantástico tem sido uma marca da grife, criada em 1993, que imprime com coerência e vigor uma poética própria em suas roupas. Sem atender aos ciclos das tendências do universo fashion, os estilistas vêm produzindo peças impactantes, conceituais, que flertam com o surrealismo, em que proporções distorcidas e formas esculturais se fazem presentes. Nesta coleção, reafirmam uma poética surreal em suas vestimentas, que transitam para além das formas do corpo e da funcionalidade, e revelam seu potencial de artisticidade e de uma beleza divertida, confirmando o estilo da marca.

A imaginação, enquanto representação sensível, e especialmente visual, como assinala Voltaire, é concebida como essa capacidade de produção de imagens e, como tal, teria um poder evocador de experiências visuais precedentes. Sem dúvida, as imagens apresentadas por Viktor & Rolf nos permitem estabelecer associações, evocando visualidades da nossa infância, ou mesmo de uma infância imaginada. De todo modo, o que parece promover uma experiência estética neste desfile, em particular, é o compartilhamento de um mundo fantástico, em que jogo e contentamento se apresentam como refúgio para cada um de nós, frente a uma realidade previsível e desestimulante.

Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros.

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