Moda e tecnologia: Sempre Issey Miyake
Um dos mais prestigiados estilistas japonesas, Issey Miyake, sempre priorizou a relação entre a moda e a tecnologia. E sua marca continua reverenciado com afinco essa parceria de sucesso. No recente desfile na Semana Internacional Primavera/Verão de Moda de Paris, dia 30 de setembro, mais uma vez assistimos ao rigor e requinte das suas peças, sob o comando do estilista Yoshiyuki Miyamae, que lidera a equipe de criadores desde 2011.
O que vimos foi uma passarela colorida, com vestidos que traziam bolsos de tonalidades cambiantes, manipulados através de um recurso eletrônico. Além disso, as peças exibiam uma elegância incomum para trajes esportivos e casuais em função do sucesso de uma nova aposta tecnológica do estúdio Miyake: um tipo de tecido misto que se contrai em estruturas rígidas quando exposto ao vapor, chamado 3D Steam Stretch. Um software de computador é usado para calcular a diferente composição de algodão e poliéster no tecido, que reage com o vapor e transforma-se em padrões tridimensionais que são primeiro testados como protótipos de papel. O efeito visual é de um origami, só que dobrado a vapor e tudo é realizado a partir de fios no tecido. No desfile, outro destaque foram as estampas tribais, como um belo exemplo do trabalho com dobras, adquirindo um ritmo visual extremamente envolvente.
Bolsos de tonalidade cambiantes no desfile da Issey Miyake (Foto: Reprodução)
Trabalho de dobras cria efeito de estampas tribais (Foto: Reprodução)
A excepcionalidade do trabalho de pesquisa de Miyake, sobretudo na composição das formas e texturas, arrebata não só pelo preciosismo e refinamento tecnológico, mas sobretudo pela usabilidade das peças, numa preocupação constante entre o corpo e a roupa, sempre criando e recriando tecidos inspirados na tradicional arte japonesa do origami mas com um design futurista. Tal legado do criador, continua reverberando sob a batuta do diretor criativo Yoshiyuki Miyamae, que tem trazido um frescor para as coleções, sem perder de vista o estilo fundamental da marca.
Como sabemos, a roupa é já uma tecnologia, logo nada mais natural que ela tenha a capacidade de incorporar outras tecnologias e ir se aprimorando com o tempo, adaptando-se as novas necessidades humanas, sobretudo aquelas que dizem respeito a essa relação tão crucial entre roupa, corpo e meio ambiente. Quando na década de sessenta, Marshall McLuhan nos falava de uma segunda pele ao pensar no vestuário, evidenciava essa fantástica simbiose entre o corpo humano e os artefatos que ele mesmo cria, num fluxo de incorporações, estímulos e alterações permanentes.
A roupa, enquanto extensão mais direta da superfície externa do nosso corpo, prolonga-o, alarga-o, flexibiliza-o, aquece-o... Modela e transfigura, a um só tempo, nossas capacidades sensório-motoras, influenciando nossos hábitos perceptivos. E desde o aparecimento da eletricidade, como já apontava McLuhan, a roupa se pronuncia a favor do tato, da participação, do envolvimento, numa riqueza de texturas e colorações. Em pleno século XXI, as pesquisas em torno das suas possibilidades plásticas se renovam e acentuam cada vez mais a necessidade de integração entre o corpo e a vestimenta.
E, sem dúvida, é isso que Issey Miyake faz: o objetivo do designer é continuar pesquisando em busca de meios que tornem possível transformar ideias em realidade, para que alguém possa usá-las. Assim, sua marca continua investindo naquilo que lhe legou sua respeitabilidade e reconhecimento no mundo da moda: a interseção entre inovação e tradição; natureza e tecnologia; beleza e conforto.
Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros.