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ACERVO DA COLUNA
Publicado Saturday, 12 de November de 2016 às 10:00 h | Autor: .

Moda ou política?

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Desfile de Ronaldo Fraga na SPFW
Desfile de Ronaldo Fraga na SPFW -

Ronaldo Fraga, mais uma vez, chamou atenção na São Paulo Fashion Week (SPFW). Na sua 42ª edição, a Semana de Moda mais festejada do país privilegiou a temática “TRANS”, referindo-se especialmente à mobilidade, ao trânsito e a ocupação. Desse modo, várias marcas se apresentaram em outros pontos da cidade de São Paulo, como o Masp, a Pinacoteca e o Teatro Oficina, além do Parque do Ibirapuera, sede do evento. O estilista não só adotou essa perspectiva, que o sufixo “TRANS” sugere, realizando seu desfile no Teatro São Pedro, como também foi além e aderiu a outras conotações a que “TRANS” pode se associar: abraçou a causa dos transexuais e os colocou na passarela, denunciando, assim, a transfobia reinante...

Imagem ilustrativa da imagem Moda ou política?
| Foto: Agência Fotosite | Divulgação

Fotos: Agência Fotosite | Divulgação

Num momento em que a mídia divulga que o Brasil é o país com maior número de assassinatos de transgêneros em todo o mundo, Ronaldo Fraga usou sua plataforma, que é a moda, para fazer uma denúncia e, não vamos esquecer, criar um grande efeito de marketing político para sua marca, como ele bem sabe fazer. Adotou, assim, como nos sugere a curadora de arte Ginger Gregg Duggan, a forma do desfile de Afirmação, em que se faz presente uma contestação social, um protesto. Mas também soube se apropriar de outro formato de desfile, o desfile Espetáculo, quando adotou o palco do Teatro São Pedro, no dia 26/10, às 14h30, como sua grande passarela, recriando uma ambiência de casas de dança de salão dos anos 30 e 40, com cenário de Renan Santos e trilha sonora com versão instrumental de She, de Charles Aznavou.

Nos corpos, o que vimos foram apenas vestidos, única peça da coleção intitulada El Día Que Me Quieras, numa homenagem à loja do estilista baiano Ney Galvão, que na década de 70 era espaço de referência para travestis. Os vestidos apareceram em corte reto e ampla variação de estampas, ressaltando o universo feminino dos anos 20, 30 e 40, com desenhos simulando contornos de vestidos, com seus bolsos, botões, laços, zípers e babados, num jogo de duplicidade e de autorepresentação da peça, evocando a técnica artística do trompe-l’oeil, com truques de perspectiva que criam ilusão de óptica. As peças também fazem alusão ao primeiro vestido usado por um transgênero, num ato libertador de si, do seu corpo, do seu desejo. Na paleta de cores, muito vermelho, preto, branco, amarelo, laranja e cinza.

Mas algumas perguntam ficam no ar: Por que apenas vestidos? As saias também libertam. Como foi feita a modelagem dessas peças, uma vez que foram vestidas por corpos com uma estrutura masculina? Encontraremos na loja de Ronaldo Fraga, peças para corpos femininos? Houve uma pesquisa mais profunda sobre estamparia? Por que a imprensa não mencionou quase absolutamente nada sobre as peças e se dedicou com intensidade aos corpos que as exibiram? Talvez porque o próprio estilista tenha antecipado essa postura, afirmando no início do desfile: “A história dessa coleção não está nas roupas e, sim, em quem as veste”. Trata-se de moda ou de política?

Para o estilista, que apareceu emocionado no final do desfile, a coleção celebra a vida, a liberdade e, acima de tudo, a diversidade do ser humano; é também um ato de denúncia do preconceito, quando exibe 28 transgêneros na passarela. Vale destacar que esse não é, necessariamente, um ato totalmente inovador, pois o próprio Fraga já colocou nas passarelas mulheres idosas, costureiras, placas de madeira, substituindo corpos humanos. Mas esta também não é uma atitude apenas do estilista mineiro. Na mesma SPFW, a marca LAB, do rapper Emicida, com parceria do estilista João Pimenta, trouxe para a passarela um casting bem diversificado. Também já na década de 60, Yves Saint Laurent colocou em cena mulheres “fora” dos ditos padrões corporais para as modelos, num gesto libertador para a moda.

Imagem ilustrativa da imagem Moda ou política?
| Foto: Agência Fotosite | Divulgação

O desfile de Ronaldo Fraga explora de forma inteligente uma pauta que atende aos anseios do público e, ao mesmo tempo, o surpreende na forma com que a apresenta. Ao apostar no hibridismo denúncia–espetáculo, o que podemos constatar é que, uma vez mais, o estilista conseguiu emocionar o público e consolidar sua marca, afirmando de modo incisivo o lugar da diversidade e da performance como ingredientes que permeiam o mundo da moda, que exibe sua potência a cada coleção. Mas também provocou uma outra indagação: Será mesmo que a moda se sustenta sem a roupa?

Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros títulos.

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