O ativismo na moda ou a moda do ativismo?
A atitude geral dos ativistas é bem refratária ao mundo do consumo. Posturas e ações politicamente engajadas pressupõe um distanciamento das mercadorias e da indústria cultural. No entanto, sabemos que na vida prática essas instâncias se mesclam, se associam e, muitas vezes, até se fortalecem uma com a outra. Na atualidade, o que mais observamos é uma apologia ao ativismo, nas suas múltiplas formas. E, ao mesmo tempo, talvez nunca tenha se consumido tanto, uma vez que consumimos desde artefatos mais banais, como uma lata de sopa, até livros acadêmicos e imagens de nós mesmos, através dos inúmeros selfies diários que circulam nas plataformas digitais.
A interconexão e potencialização do consumo e do ativismo é o que mobiliza as autoras do livro "Consumo de ativismo", Ana Paula de Miranda e Izabela Domingues, num trabalho de fôlego que nos instiga a pensar nas novas configurações do consumo contemporâneo e, obviamente, nos provoca o desejo de refletir sobre esse consumo na esfera da moda, uma vez que este é, em última instância, um consumo privilegiado, uma vez que nos possibilita a remodelação de nós mesmos. A publicação tem o selo da Editora Estação das Letras e Cores.
O consumo de ativismo, de acordo com as autoras, é aquele em que se verifica uma “adesão ao discurso ativista como valor simbólico de interação social que não implica em prática de ação ativista, mas que também não a exclui”. O ativismo, como sabemos, solicita uma prática efetiva de transformação da realidade ou, pelo menos, uma postura que reivindica essa prática. Nesse sentido, quando pensamos num consumo de ativismo este implica num enquadramento prévio de adesão a uma perspectiva engajada, nem que este engajamento seja apenas simbólico. Aliás talvez aí resida sua maior força: na capacidade de acionar e fazer circular sentidos.
Desde as observações de Baudrillard sobre os objetos-signos, tematizando sobre o valor simbólico dos produtos, compreendemos que o consumo está associado a sua significação social para além da sua utilidade funcional. No mundo da moda essa premissa é facilmente comprovada: compramos roupas novas pelo sentido que elas expressam, confirmando pertencimentos, aludindo a novas possibilidades de adesão, atestando laços de identificação ou permitindo a experiência de novas formas expressivas do nosso eu no mundo. Não só os produtos reforçam identidades, como diria Solomon, mas também, defendemos, promovem a constituição de novas configurações identificatórias.
Se concordamos com o argumento de Edgar Morin de que o consumo dos produtos se torna autoconsumo da vida individual e autorealização, o que podemos pensar sobre esse consumo que se desdobra na possibilidade de uma nova apresentação de si mesmo? Diferentemente do que os outros produtos possam oferecer, estando em torno dos indivíduos, a compra de um produto de moda (sobretudo do campo do vestuário) implica, necessariamente, na possibilidade de uma alteração, de uma mudança, de uma renovação mesmo, na dinâmica, na performance da aparição do homem.
E sobretudo quando esse autoconsumo se associa a valores que procuram transformar o entorno, isso também sugere uma alteração de si mesmo, já que somos modelados pelas interações sociais. No cenário contemporâneo urdido pelas tramas da imagem e da circulação e consumo da imagem de si nas redes e na mais nova extensão do homem, o aparelho celular, parece evidente que mesmo o consumo do ativismo é também ele ostentatório, como defendem as autoras, na mediada em que é algo que procura ser visibilizado. “Ser um consumidor de ativismo é, talvez, hoje, uma ideia em si mesma a ser ostentada, visto que, na sociedade de consumo do século XXI, em plena era do acesso e da economia compartilhada no mundo pós-industrial, onde a produção de bens imateriais se intensifica, o consumo de ativismo parece ser um símbolo com grande valor a ser ostentado”.
Nesse sentido, nada mais oportuno do que se debruçar mais detidamente sobre estas e outras questões correlatas, algumas insinuadas, e outras tantas bastante detalhadas no livro "Consumo de Ativismo". Afinal, o ativismo parece mesmo estar na Moda.
Desejamos a todos uma boa leitura!
* Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de "Os sentidos da moda" (2005), "A sagração da aparência" (2011) e "As formas da moda" (2013), entre outros títulos.