O universo de Menchari: a força das vitrinas de moda
Incorporadas ao cenário das ruas das grandes cidades, as vitrinas constituem o mosaico de imagens que se configuram diante do olhar de cada um de nós, no nosso cotidiano. Mais que meros expositores de produtos, elas acabam dando espaço para a construção de cenas nas quais, muitas vezes, nos projetamos e nos deixamos envolver pela narrativa proposta. É desse dispositivo comum e, ao mesmo tempo, extraordinário, que vamos nos ocupar nas próximas linhas, selecionando o trabalho de uma vitrinista em particular: Leila Menchari.
Recentemente, algumas das suas vitrinas foram reproduzidas numa das galerias do Grand Palais, em Paris, na exposição intitulada Hermès à tire-d’aile – Les mondes de Leïla Menchari (Hermès em um relance – Os mundos de Leïla Menchari ). Seu trabalho como vitrinista também pode ser conferido no livro “Leila Menchari, La Reine Mage”, com 360 páginas e 147 ilustrações, escrito por Michele Gazier, numa coedição Actes Sud.
A artista plástica tunisiana atuou na reconhecida marca francesa Hermès entre 1978 e 2013, criando em torno de 150 vitrinas espetaculares. Espetacular é, de fato, o adjetivo que melhor define os espaços vislumbrados por Menchari pois, ao passar por eles, impossível ficar indiferente... cada um, a sua maneira, foi capaz de chamar a atenção dos transeuntes que circulavam na rua Faubourg Saint-Honoré, em Paris. Durante o período em que trabalhou na Hermès, a vitrinista contribuiu para a consolidação da marca no mundo do luxo, sempre promovendo, com suas criações, o envolvimento dos consumidores e espectadores com o universo da grife, associado ao luxo e ao glamour.
Suas criações são verdadeiras instalações artísticas repletas de referências históricas, sociais, geográficas e oníricas. Menchari consegue combinar de maneira extremamente habilidosa os produtos da marca, entre os quais se destacam as bolsas, as malas e os lenços de seda, sem esquecer, obviamente, das selas de cavalo, numa referência ao início da marca. Dispostos de forma inteligente e sensível, os produtos se integram ao espaço, conformando juntamente com ele uma plasticidade que seduz o olhar pela beleza, ineditismo, grandiosidade e muito luxo.
A autonomia dos espaços criados por Menchari é impressionante. Eles deixam de ser uma espécie de representação do mundo, mas se constituem em um mundo em si mesmos. Exigem do espectador uma percepção a partir das indicações silenciosas de todas as partes que nos são fornecidas pela disposição dos objetos naquele espaço, constituindo um todo, cujas partes se integram de forma impositiva, nos dando a sensação que não poderiam estar dispostas de outra forma. Nada nos parece arbitrário, e cada objeto parece estar no lugar que lhe é próprio.
Fascinada por histórias, Leila Menchari foi capaz de criar narrativas intensas e surpreendentes com suas vitrinas, fazendo o consumidor e espectador mergulhar em cada um desses universos. Os produtos da Hermès assumiam, a cada narrativa, personagens que se distribuíam entre protagonistas e coadjuvantes numa composição do enredo adequado para cada circunstância e coleção. Ora numa floresta tropical ou numa savana africana, recriando referências geográficas; ou mesmo como parte integrante de um palácio indiano ou de uma casa turca, as bolsas, lenços, selas, sapatos e até mesmo os perfumes da marca, iam atuando de modo preciso e eloquente.
A partir dos espaços de Menchari reavivamos a força das vitrinas enquanto dispositivos de exibição dos produtos de moda e janelas de sonhos na configuração das grandes cidades. Como nos chama atenção Georg Simmel, nelas (as grandes cidades), há uma proliferação de imagens que solicitam necessidades específicas de sensibilidade e comportamento, nas quais se destacam as vitrinas. Ambiente de deleite e transposição imaginária do sujeito, cada vitrina pela qual passamos e paramos para um minuto de contemplação, nos convida a experiência do belo e nos envolve numa intensa viagem.
Além disso, cada vitrina nos incita a reconhecer a afirmação imagética de uma cultura e nos ajuda a tentar compreender os elos receptivos que podemos identificar na comunidade de espectadores da moda, em um dos seus diversos modos de manifestação.