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Pensando Moda

Por Jornalista

ACERVO DA COLUNA
Publicado Friday, 30 de March de 2018 às 0:52 h • Atualizada em 30/03/2018 às 1:09 | Autor: Jornalista

Um plissado para chamar de meu: o Delphos de Fortuny

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A famosa criação de Fortuny: o vestido Delphos
A famosa criação de Fortuny: o vestido Delphos -

“De todos os vestidos que Madame Guermantes usava, o que parecia responder mais a uma certa intenção, e ter um significado especial, eram aqueles que Fortuny fazia a partir de antigos desenhos de Veneza. Antes de sonhar com este ou este, a mulher tinha que fazer uma escolha entre os vestidos mais ou menos semelhantes, mas profundamente individuais, cada um, aos quais se podia nomear” (Marcel Proust, A Prisioneira, 1923). Este trecho de Marcel Proust destaca a genialidade do costureiro Mariano Fortuny, espanhol de nascimento, mas Veneziano por adoção.

As peças de Fortuny, tão especialmente emblemáticas e únicas, capazes de serem nominadas, são as protagonistas da exposição "Fortuny, un Espagnol à Venise" (Fortuny, um espanhol em Veneza), que esteve em cartaz no Palais Galliera, Museu da Moda da Cidade de Paris, até o dia 07 de janeiro de 2018. A retrospectiva do trabalho do estilista apresentou cerca de 100 peças que revelam a diversidade de sua inspiração.

Entre os destaques da sua poética está a reinterpretação dos estilos e motivos da Grécia Antiga, da Idade Média e do Renascimento, criando peças atemporais, com traços simples, linhas suaves e retas e cortes concisos, apostando em silhuetas alongadas com uma modelagem que privilegia os movimentos do corpo. Liberto, o corpo de Fortuny é revestido por tecidos altamente trabalhados, a partir de técnicas de impressão. Entre suas criações mais celebradas, encontra-se o vestido Delphos, todo em seda plissada, cuja base se afunila no formato de uma corola. Criado no final da Primeira Grande Guerra, mais precisamente em 1907 (e patenteado em 1909), o estilo do vestido tem inspiração nas esculturas gregas, sobretudo a escultura helenística clássica do Auriga de Delfos. O plissado (dobras permanentes) inigualável envolve trabalho de calor, pressão e varas de cerâmica, técnicas que permanecem e tem sido retomadas por estilistas contemporâneos, a exemplo de Issey Miyake, Pierpaollo Piccioli e Maria Grazia Chiuri.

Imagem ilustrativa da imagem Um plissado para chamar de meu: o Delphos de Fortuny

Outros trabalhos reconhecidos do estilista são os quimonos, com estampas riquíssimas, que revestem e moldam suavemente as curvas do corpo, a exemplo do Kosat, de 1910. Também o seu cachecol, feito em seda, com motivos inspirados na cerâmica Kamares do período minoano é uma peça diferenciada, na qual se desvelam os traços poéticos de Fortuny.

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Artista e artesão a um só tempo, Mariano Fortuny reúne capacidade e conhecimentos técnicos, bem como inventividade e inspiração, o que garante a suas peças um estilo personalíssimo e irrepetível, um modo de formar todo seu. Ele conhece os processos, as exigências, os segredos do material que vai manipular e, ao mesmo tempo, consegue encontrar a solução pessoal no seu fazer, aquilo que, como diria Mario de Andrade, é a região do “talento” de cada um, “sutil e trágica, porque ao mesmo tempo imprescindível e inensinável”. O seu preciosismo se revela desde a preocupação na elaboração das tintas, até ao perfeccionismo da costura das pequenas pérolas de vidro trazidas de Murano, incorporadas no acabamento das roupas.

Imagem ilustrativa da imagem Um plissado para chamar de meu: o Delphos de Fortuny

A exposição "Fortuny, un Espagnol à Venise" (Fortuny, um espanhol em Veneza) permitiu ao espectador conhecer e admirar o refinamento técnico do estilista que se esmera em descortinar os mistérios dos arranjos cromáticos, importando pigmentos do Brasil, palha da Bretanha e índigo da Índia, entre outros dispositivos característicos do modo de formar do criador, como a minúcia com que tratava a urdidura interna dos têxteis que comparece na sua invenção do veludo brocado. Na modelagem, togas, caftans, túnicas, exalando inspirações gregas e orientais.

O plissado, marca do estilo de Fortuny, nos reenvia a própria noção de dobra que vai ser explorada por Foucault, como essa condição que explicita o que há entre, ou seja, a reversibilidade entre o fora e o dentro, o eu e o outrem. Nas palavras de Foucault: “a flexão do fora para criar um dentro”. Desse modo, podemos inferir que o estilista incorpora no seu próprio modo de formar, essa relação entre o já conhecido e familiar e aquilo que lhe é exterior, estranho, e é justamente dessa relação, desse entrecruzamento que encontra sua solução pessoal na arte de costurar.

A presença de Fortuny na obra de Proust revela esse desejo de ativação do belo, a partir, é verdade, de uma certa dessacralização da pintura renascentista que agora se materializava em objetos de uso cotidiano, como os tecidos e vestidos. Mas não só: Fortuny e suas vestes atemporais confrontam a provisoriedade da moda e a faz transpor o efêmero que a habita; além de atestar a importância da roupa e da moda enquanto artefato e campo em que a criatividade, a habilidade e a imaginação humanas nos presenteiam com formas exitosas e que atiçam nossa contemplação.

Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros.

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