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Visão de Jogo

Por Eliano Jorge

ACERVO DA COLUNA
Publicado sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015 às 0:00 h • Atualizada em 14/09/2015 às 20:53 | Autor: Eliano Jorge

O artilheiro e o policial

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Uma senhora dançava numa roda de amigos da sua faixa etária, cercada de sorrisos no Furdunço, domingo, em Ondina. De repente, acabou projetada para a frente, assustada. Demorou a entender que havia sido empurrada pelas costas. Não viu por quem.

Não foi Beijoca em momentos de fúria. Nem André Catimba afastando um marcador nem Ricky irrompendo para completar um cruzamento. Muito menos o refinado Cláudio Adão. A mulher foi repelida pelo primeiro integrante de uma fila de policiais militares que caminhavam na contramão do cortejo e da evolução humana.

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Minutos depois, mesmo sem ter testemunhado a cena, um autopropalado goleador do Nordeste de Amaralina recordava que antigamente era muito pior o tratamento desses funcionários públicos aos cidadãos que lhes pagam para protegê-los. "Quem estivesse sentado no meio-fio recebia chutes e ordem para levantar", atestou o quarentão.

Entre esse autointitulado brocador e os policiais, existem discordâncias básicas e infindáveis. Mas, a bem da verdade, não só ele como qualquer artilheiro deveria ser bem diferente de um oficial do aparelho de segurança do estado.

"É como um artilheiro frente ao gol, que tem que decidir em alguns segundos como é que ele tenta botar a bola dentro do gol", comparou as tarefas, com ressalvas, mas muito mau gosto, o governador da Bahia, Rui Costa, pouco após o assassinato de 12 homens considerados suspeitos pela Rondesp (Rondas Especiais da Polícia Militar) no Cabula, há uma semana.

Consagrado mundialmente, um apelido dos autores de muitos gols é "matador". Mas, como exemplo da série de diferenças, não se espera que um policial mate alguém. Pode acontecer, infelizmente, até porque sua vida também se coloca em risco durante seu trabalho. Porém, a pena de morte - que, aliás, mostrou-se ineficiente em outros países - não vigora nas leis do Brasil e, ainda que assim fosse, não caberia aos policiais executá-la.

Na prática, entretanto, como resquício da detestável ditadura militar, esse castigo letal foi ilegalmente instituído por forças de segurança públicas que realizam julgamentos sumários e arbitrários - como aqueles juízes que se acham Deus - em diligências.

Voltando à metáfora do governador, jogador que descumpre as regras é logo punido, sujeito até à exclusão do futebol.

Quando ainda não tinham vindo à tona diversas contradições da versão oficial dos 12 homicídios no Cabula, Rui Costa disse: "Não tem nenhum indício que leve a atuação fora da lei nesse caso". Agora, a investigação ficou mais complexa. Se ocorresse um inquérito sobre atacantes, seria mais fácil, com diversas câmeras e maior transparência para o público. Claro, os craques são acompanhados pela mídia, com direito à "participação do amigo internauta". Já nas investidas policiais, vale a versão dos protagonistas, e os espectadores das periferias não costumam ter voz.

Autoridades brasileiras permitem que populosos centros urbanos se tornem praças de guerra. Há quem considere normal e defenda que, a partir de um helicóptero, metralhem-se prédios, ruas e casas de uma zona residencial do Rio de Janeiro. A vida de ninguém vale. Muito menos se corresponder ao perfil da maioria dos suspeitos mortos por policiais: negro, pobre e jovem.

A alegoria do governador não funciona também porque, ao passo que a dupla Ba-Vi sofria com a irregularidade de seus artilheiros recentemente, manteve-se alta a média dos batalhões baianos - dos mais mortíferos do Brasil. A polícia vai muito melhor quando combate o crime com suas técnicas e ações de inteligência.

Vítimas de carrascos dos gramados são bem conhecidas: Marcelo Lomba, Rogério Ceni, Cássio, Cavalieri... Os alvos das artilharias urbanas são esquecidos: Davi Fiúza, Joel Conceição, Carlos Alberto Conceição dos Santos Júnior, Amarildo... Fora anônimos e desaparecidos.

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