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50 anos do Golpe: 2ª Bienal da Bahia foi fechada

Publicado quarta-feira, 19 de março de 2014 às 08:07 h | Atualizado em 19/03/2014, 08:07 | Autor: Marcos Dias
50 anos do golpe - Artes plásticas
50 anos do golpe - Artes plásticas -

"Linha-dura é um estado de espírito. É a linha correta e coerente de conduta. Nela se resume um antagonismo medular à corrupção e à subversão. Não gostamos de ladrões nem de subversivos. Esse estado de espírito é o mais válido, consciente e patriótico sentimento nacionalista. E onde nacionalismo autêntico é crime?".

A declaração do coronel Osnelli Martinelli, em 24 de março de 1968, publicado no jornal Diário de Notícias,  antecipava o arbítrio e violência que  se instalaria no País com a decretação do  AI-5, em 13 de dezembro do mesmo ano. Nas artes visuais, seu principal alvo foi a 2ª Bienal da Bahia.

Em 1966, mesmo com a ditadura já implantada desde 1º de abril de 1964, o governo baiano havia realizado a 1ª Bienal Nacional de Artes Plásticas, no Convento do Carmo.  

A instituição das bienais foi possível, pois havia uma cena artística  que começou a agitar a cidade nos anos 1930 e culminou nos anos 1950, com a criação da Universidade da Bahia e o Museu de Arte Moderna.

Organizada por Riolan Coutinho, Juarez Paraíso e Chico Liberato, a 1ª Bienal de Artes Plásticas da Bahia conseguiu trazer  a produção artística mais  importante do Brasil para Salvador. Ao mesmo tempo,  revelou a segunda geração de modernistas baianos.

"Fizemos um trabalho de internacionalização da arte moderna da Bahia. A Bienal descentralizou o que só havia no Rio e em São Paulo. O Nordeste era outro país, muito distante", lembra Juarez.

Vieram para este longínquo país artistas como  Helio Oiticica, Lygia Clark, Rubens Gerchman e Antonio Dias, entre outros, além da "fina flor" da crítica de arte, como os respeitados Mario Pedrosa e Mario Schenberg.

Feudo cultural

Mas não demorou para que fatores nada artísticos  se revelassem. Realizadores da Bienal Internacional de São Paulo tentaram negociar com o governo a ida da Bienal Nacional  para São Paulo, que sediava desde 1950 a Bienal Internacional.

Mas a 2ª Bienal também teve que lidar com quem se posicionou contrário à realização na Bahia. "Tinha um feudo cultural aqui na Bahia que era contra", afirma Juarez, referindo-se ao poder dos Diários Associados e "artistas oficiais".

Mesmo entre os artistas da chamada primeira geração de modernistas (que foram homenageados na edição de 1966), a Bienal teve apoio de Genaro de Carvalho e Rubem Valentim.

Mario Cravo Junior, por sua vez, publicou uma carta aberta ao governador, no Diário de Notícias,  dizendo ser contra a realização do evento e entregou seu cargo do Conselho de Cultura.

Argumentava  que "exposições competitivas tipo bienal" não se enquadravam "de nenhuma maneira" em sua "visão conceitual".

Mas  lá estava a 2ª Bienal, pronta para ser inaugurada, em dezembro de 1969, no Convento da Lapa. Dias antes, a  polícia do Exército já havia prendido um caminhão com obras panfletárias que haviam sido recusadas pelos organizadores.

Visitação

Sante Scaldaferri, que estava com outros artistas convidados no pátio do Convento da Lapa, ainda lembra. "Todos esperavam a qualquer momento a abertura, quando, após algumas palavras do governador Luis Viana, começaria a visitação. Neste intervalo, entrou no espaço da exposição um  funcionário do governo que minutos depois  saiu gritando: 'Governador, não entre porque tem obras subversivas!'".

O governador, que associou a arte à liberdade no seu discurso, decretou no dia seguinte o fechamento da Bienal. Um mês depois, foi reaberta com 10 das 1.005  obras a menos. 

O secretário geral Juarez Paraíso e o diretor do Departamento de Ensino Superior e Cultura, o historiador Luis Henrique Dias Tavares,  foram presos. 

"Sofremos muito. Jorge Amado foi a única pessoa que perguntou por que eu fui preso, no Jornal da Bahia. Ninguém tinha coragem de perguntar, porque ia preso também", lembra Juarez.

Para o artista visual e arquiteto Almandrade, da geração pós-AI-5 (a chamada Geração 70), se naquele momento Salvador era a "capital das artes", com o fechamento a Bahia perdeu o contato com a produção contemporânea. Começou a década de 1970 praticamente isolada, porque não tinha mais como se articular com o que acontecia fora.

"O Golpe bloqueou a possibilidade que veio no final dos anos 1960 de a Bahia estar articulada com a vanguarda artística do resto do País. Isso provocou um certo atraso na Bahia que nós estamos pagando até hoje e tentando recuperar  o que foi perdido".

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