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“A dança do ventre me resgatou", diz Angela Cheirosa

Dançarina baiana enfrenta preconceitos e quebra padrões

Publicado domingo, 03 de dezembro de 2023 às 06:00 h | Autor: Franciano Gomes
Angela Cheirosa é também idealizadora do movimento Bellyblack
Angela Cheirosa é também idealizadora do movimento Bellyblack -

 Muito além da área industrial e de um litoral com lindas praias, a cidade de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), traz grandes surpresas no cenário artístico. Parte importante de um estado onde o samba, o pagode, axé e o forró têm grande protagonismo, uma mulher negra, surge com um propósito diferente: “empoderar mulheres, promovendo autoestima, coragem e amor próprio, através da dança do ventre”. Foi assim que Angela Cheirosa criou o Projeto Flor de Lótus, em 2012.

Angela Maria é filha de Dona Dalva e Seu Miranda, mãe de Rafa, mulher preta e gorda, de 50 anos. Da relação carinhosa que tinha com o marido, falecido quando ela ainda tinha 30 anos de idade, ficou um apelido e hoje nome artístico “Cheirosa”.

“ ‘Cheiroso e Cheirosa’, o garoto era perfumado! O nome pegou. E eu amo! É uma forma de manter sua lembrança sempre comigo”, conta.

Professora, bailarina, coreógrafa, escritora, e palestrante, Angela Cheirosa é idealizadora do movimento Bellyblack, que promove o protagonismo de mulheres negras na dança do ventre. Atuante no movimento antirracista, ela luta por uma dança inclusiva e democrática. Suas ações e projetos são motivados pelos desafios que foram encontrados durante a sua trajetória.

“Mulher preta, gorda, nordestina. Atuante numa arte que, apesar de ser africana, é embranquecida e com padrões que criam distâncias de tudo que eu sou.  Eu estou aqui", reforça.

Muito se fala sobre a origem da dança do ventre. No entanto, o mas provável é que tenha derivado de um certo tipo de 'dança pélvica', que ainda pode ser encontrada em algumas regiões do Oriente Médio e do norte da África.

No Brasil, a arte ganhou visibilidade na virada do século XXI. Com o misto de feminilidade e de religiosidade, a dança conquistou muitas praticantes no país, principalmente após ganhar destaque na novela "O Clone", da Rede Globo de televisão.


Reviravolta

Quando começou a trabalhar com dança do ventre, Angela nem imaginava que um dia viveria e mudaria a vida de outras pessoas, através da modalidade.

“Estava num momento em que o luto tomava conta da minha vida. A dança do ventre me resgatou, me trouxe de volta. Esse processo curativo me fez entender a potência dessa arte. Como fui impactada pelos seus benefícios, tinha a responsabilidade de multiplicar".

Desse momento, surgiu o Projeto Flor de Lótus, que desde 2012 visa o empoderamento de mulheres através da dança, promovendo autoestima, coragem, amor próprio. A ideia parte do uso  de modalidades, a exemplo da dança do ventre, no combate combate ao racismo, além do enfrentamento das violências sofridas pelas mulheres, sendo um espaço de reflexão e cidadania.


O olhar de quem está perto

Amiga de Angela há muitos anos, a Instrutora de Massoterapia Profissional, Carolina Ribeiro expressa muito orgulho ao falar de Cheirosa, definindo a amiga como uma artista multifacetada, com um cérebro brilhante, um quadril cheio de malemolência e um coração de ouro.

“Ela representa pra mim a força, a beleza, a transparência, a humanidade de uma mulher que não teve uma vida fácil, mas que através da dança do ventre se reergueu. Ela juntou um exército de mulheres que asseavam por uma quebra de padrões e paradigmas, buscavam um lugar no mundo”.

Elas se conheceram através da filha de Carolina, Beatriz Ribeiro, que se matriculou nas aulas de dança do ventre por sempre estar por perto da filha e se envolvendo em suas atividades. A ‘mamãe coruja’ acabou participando de apresentações, shows e hoje faz parte de todo esse universo. Ela entrou para a produção para auxiliar Angela Cheirosa, enfrentando e superando desafios através dessa arte.

Carolina Ribeiro

expressa muito orgulho ao falar de Cheirosa
Carolina Ribeiro expressa muito orgulho ao falar de Cheirosa |  Foto: Divulgação
  

Eu sou portadora de Fibromialgia, mas a mobilidade reduzida não impediu a minha participação no Projeto Flor de Lotus.

“Uma mulher incrível, talentosa, inteligente, amorosa, engraçada, guerreira e, acima de tudo, corajosa”. Essas são as palavras da Administradora Executiva do Lar, Sheila de Souza, que enfatiza a coragem da amiga de defender e lutar por quem não tem forças ou meios de fazê-lo, de enfrentar o preconceito e o racismo, além de acreditar no potencial das pessoas, ainda que elas duvidem de si mesmas.

“Angela representa a força da mulher madura, preta e 'gorda', que derruba todos os tabus e requisitos estabelecidos por aqueles que acham que beleza é definida por um único padrão.
Ela possibilita que eu me veja de uma maneira melhor e mais bonita. Ela representa para mim a força que constantemente me diz: "Eu também posso”.

Sheila e Angela se conheceram através de um amigo em comum, que falou dela e das aulas de dança. A partir disso, fizeram contato por uma rede social. Desde julho de 2018, Sheila passou a ser sua aluna de dança.

Ela possibilita que eu me veja de uma maneira melhor e mais bonita
Ela possibilita que eu me veja de uma maneira melhor e mais bonita |  Foto: Divulgação
  

"Me identifico com Angela por termos um 'corpaço suculento'. Alguns dirão que somos gordas. Mas gordo é que tem gordura no fígado. E isso dá pra resolver. Somos mães de homens lindos. Somos jovens beirando os 50 anos. Somos mulheres fortes que enfrentam muitas lutas com resiliência e fé".

“Um propósito de vida”

Para Angela, depois de tantos anos, seu trabalho se tornou um propósito de vida. No começo ela nem imaginava o que estava fazendo e como isso poderia impactar na sua vida e de outras pessoas.

“Hoje eu sei e entendo o tamanho da minha responsabilidade. Ser inspiração, referência e uma figura que simboliza diversidade e a possibilidade de corpos como o meu serem felizes dançando. Além de ser uma honra, isso é uma missão. E espero estar cumprindo bem".

“Sozinha não seria possível”

A dançarina que já enfrentou muitos desafios e vem quebrando padrões, visa continuar impactando positivamente as pessoas que acessam sua história e continuar sendo relevante para elas. De planos para o futuro, espera envelhecer bem,  além de mostrar paras as pessoas que é possível ser feliz em qualquer idade e que a dança é pra todo mundo.

“Todo trabalho que tenho construído é fruto de esforços coletivos. É entender que todo um mercado é impactado pela minha presença. E isso é assustador, mas, ao mesmo tempo, tenho certeza que as transformações não aconteceriam se eu estivesse só. A revolução é um ato coletivo.”

Angela Cheirosa é autora do livro “Aposta nos básicos”. A publicação é uma metodologia do ensino da dança do ventre humanizado, possível para todos os corpos, que sistematiza e organiza a prática da dança do ventre.

“De forma simples e prática, da um norte para praticantes e professores organizarem seu processo de estudo e ensino. É incrível“.

Cheirosa acabou de encerrar um festival de dança nos dias 25 e 26 de novembro, na cidade de Camaçari. O III Camaçari Bellydance Festival reuniu praticantes e profissionais da Bahia, além de mais de 13 estados, em dois dias intensos de aulas, shows, mostra coreográfica, com troca de afetos e conhecimentos.

III Camaçari Bellydance Festival, reuniu praticantes e profissionais da Bahia e mais 13 estados
III Camaçari Bellydance Festival, reuniu praticantes e profissionais da Bahia e mais 13 estados |  Foto: Divulgação
  

“O festival se consolida no roteiro de grandes festivais do Brasil. Além de feliz, estou muito orgulhosa, por mim e por todas as pessoas que fizeram e fazem acontecer".

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