ENTREVISTA
“A gente precisa pensar a Cultura para além da gestão pública”, diz Bruno Monteiro
Bruno Monteiro fala sobre o que será discutido no G20 da Cultura
Por Chico Castro Jr.
Desde ontem, Salvador está no centro da gestão e do pensamento em cultura no mundo: é a reunião de Ministros de Cultura e do Grupo de Trabalho de Cultura do G20, que terá a participação de Ministros e Ministras da Cultura e delegações dos 20 países com as maiores economias do mundo, além de países convidados e mais de 20 organizações internacionais como UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Até sexta-feira, Salvador sediará importantes debates, divididos em quatro eixos temáticos: Diversidade Cultural e Inclusão Social; Direitos Autorais e Ambiente Digital; Economia Criativa e Desenvolvimento Sustentável; e Preservação, Salvaguarda e Promoção do Patrimônio Cultural e da Memória.
A programação conta também com o seminário internacional ‘Cultura e Mudanças Climáticas’, tema central do Encontro, além de reuniões técnicas e ministeriais. Tudo isto será depois resumido na Carta da Bahia, documento que deverá nortear as práticas de políticas culturais no mundo.
No encerramento, sexta-feira, a Orquestra Sinfônica da Bahia apresentará na Concha Acústica do TCA o concerto Terra Brasilis, com diversos convidados. Nesta entrevista exclusiva, o Secretário Estadual de Cultura, Bruno Monteiro, fala um pouco sobre o que será discutido no G20 da Cultura.
O que será discutido nesta reunião?
É importante entendermos que essa reunião integra um ciclo de reuniões do Grupo de Trabalho de Cultura do G20 que reunirá Ministros de Cultura de diversos países e antecede a reunião dos Líderes, que acontecerá, ainda esse mês, no Rio de Janeiro. Serão cinco dias de evento, durante os quais as equipes se dividirão em grupos de discussões estruturados em quatro eixos temáticos: Diversidade Cultural e Inclusão Social; Direitos Autorais e Ambiente Digital; Economia Criativa e Desenvolvimento Sustentável e Preservação, Salvaguarda e Promoção do Patrimônio Cultural e da Memória. As discussões serão, portanto, muito ricas e variadas, com ênfase na relação entre Cultura, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável. Uma oportunidade ímpar para o intercâmbio cultural e para a troca de experiências entre pesquisadores, intelectuais, autoridades políticas, ativistas do clima, nacionais e internacionais. Em suma, uma rica discussão em que a Cultura, em suas várias dimensões, estará no centro do debate a fim de avançarmos ainda mais nas discussões sobre o potencial do setor cultural no enfrentamento das mudanças do clima e na promoção de futuros mais cooperativos e justos.
Como tornar a cultura um vetor de fortalecimento da democracia e de crescimento econômico?
A gente precisa pensar a Cultura para além da gestão pública. Cultura tem a ver com práticas sociais, com visões de mundo (cosmologias), acúmulo de saberes e modos de existência. Está, portanto, impregnada nas pessoas. Torná-la um vetor de fortalecimento da democracia pressupõe, primeiro, reconhecer a pluralidade e a diversidade cultural que nos integra enquanto humanos, entendendo que a Cultura está em todos os territórios – Cultura é território! -; segundo, fortalecendo os mecanismos institucionais de participação e de deliberação para que os fazeres culturais diversos possam contar com estruturas sólidas de apoio para se reproduzir; e, por fim, apoiando ações culturais comprometidas com valores democráticos, de liberdade, e de respeito à diversidade humana. Se a gente reconhece a pluralidade cultural, desde a tradicional às mais contemporâneas; das mais populares às eruditas; e valorizamos as raízes das nossas matrizes identitárias, automaticamente nós estamos também tornando-as potentes vetores de desenvolvimento econômico. Porque a Cultura é uma grande mobilizadora de geração de emprego e de renda. Dados recentes apontam que ela já representa algo em torno de 3,11% do PIB nacional, sendo responsável, inclusive, por um tipo desenvolvimento que escapa às lógicas excludentes do mercado, porque promove um desenvolvimento inclusivo, mais equitativo e sustentável – o que é fundamental para a agenda política do século XXI, que é pensar num desenvolvimento e numa justiça econômica articulada com uma justiça socioambiental que possa assegurar a vida das atuais e das próximas gerações.
O que será discutido no seminário internacional Cultura e Mudanças Climáticas? Como essas duas coisas se relacionam?
Existe uma relação muito íntima entre Cultura e Mudanças Climáticas porque, embora a Cultura seja comumente associada aos símbolos e signos de que é feita a dança, a música, o teatro, os festejos religiosos e tradicionais, etc. Cultura é também tudo aquilo que integra a relação de povos e comunidades com os seus territórios, as suas tradições, as cosmologias, os modos de existência e de interação com a natureza. E a forma como determinados grupos e povos se relacionam com o natural, com o meio ambiente, é muito própria. Sendo muitas delas pautadas por uma relação de indistinção entre humanos e natureza. É o caso, por exemplo, dos povos indígenas, povos de terreiros, ribeirinhos, que conservam uma postura de vida que é diferenciada daquela que vem sendo implementada enquanto modelo hegemônico econômico avassalador, responsável pela destruição do meio ambiente e por mudanças climáticas drásticas. Eu costumo sempre dizer que a nossa política de consolidação da territorialização da Cultura, por exemplo, tem a ver com isso: com o reconhecimento dos saberes e dos fazeres que já existem nesse vasto e rico território que é o estado da Bahia. Reconhecer, valorizar e fomentar essa diversidade de modos de existências é, portanto, uma forma de proteger tradições, cosmovisões, e formas de interação com o ambiente que em muito tem a nos ensinar a como melhor cuidar da mãe-terra e retroagir nas alterações climáticas degradantes.
Entre os eixos temáticos de discussão, está Direitos Autorais e Ambiente Digital. Neste momento, IAs (Inteligências Artificiais) estão se alimentando do trabalho de artistas do mundo inteiro e criando outras obras a partir das que já existem. Duas perguntas: como proteger as obras dos artistas de carne e osso? Caso não seja possível proteger, como remunerar os artistas que tem suas obras utilizadas por IAs para dar lucro às empresas que as controlam? Em outras palavras: como fazer dessas ferramentas algo que trabalhe a favor do ser humano – e não contra?
Toda obra nasce da mente de alguém, ou seja, da mente humana. Em que pese o fato das IAs exercerem papel importante no que tange, sobretudo, a difusão do trabalho desses criadores, não podemos deixar que os lucros das empresas suplantem uma justa remuneração que reconheça essa dimensão humana da criação. Inclusive para que os criadores possam contar com os recursos necessários para continuar produzindo. Uma das frentes que entendemos como essencial para garantir uma divisão mais justa e equitativa do lucro que as obras geram, é avançar no âmbito legislativo de modo que haja um amparo legal que garanta o direito dos artistas criadores. Essa regulamentação precisa, portanto, contar com regras claras e objetivas de remuneração e transparência; e precisa estar alinhada com outras legislações internacionais já existentes, que guardam algum grau de experiência de aplicabilidade.
O eixo Economia Criativa e Desenvolvimento Sustentável é muito importante, até porque há muitos que ainda pensam que cultura não se relaciona com economia, quando na verdade é uma grande fonte de renda e trabalho para milhões de pessoas. Como fazer para enfatizar e fortalecer a Economia Criativa, gerando mais renda em um estado tão pleno de cultura como é a Bahia? Essa é uma questão que passa mais pelo estado ou um maior comprometimento do empresariado seria bem-vindo também?
Nós temos trabalhado, à frente da Secretaria de Cultura da Bahia, no sentido de alargar os espaços de realização da cidadania cultural dos baianos e baianas; seja através do reforço da auto estima e da valorização do sentimento de pertencimento; seja, também, através das potencialidades que o universo das manifestações artístico-culturais, com suas múltiplas possibilidades de inclusão socioeconômica, guarda. E o que nós temos percebido, a partir da retomada dos investimentos para o fomento, é que a realização dos projetos, em toda a sua variedade, requer profissionais cada vez mais qualificados. Por isso, nós, enquanto Governo do Estado, assumimos o desafio de investir em formação através de cursos técnicos e de formação na área da cultura e das artes, porque entendemos que cabe ao Estado fomentar a capacitação de profissionais para os arranjos produtivos das artes e da cultura, entendendo a Cultura como um instrumento inclusivo e sustentável de empregabilidade e de redistribuição de renda. Mas esse é também um desafio do setor privado, afinal, estamos falando de um novo e grande mercado de trabalhadores, que tendem a contribuir com o desenvolvimento econômico, de maneira mais ampla. Essa é uma das formas que entendemos de fortalecer a Economia Criativa.
O que estará dito na Carta da Bahia? Quais serão os principais pontos abordados?
A carta será construída de maneira coletiva e a partir das discussões que serão realizadas ao longo do encontro. Agora, é claro que a nossa expectativa é que ela possa apresentar proposições de ações concretas, que nos ajude a enfrentarmos as ameaças existenciais que atravessamos nesse momento. Ameaças atreladas, sobretudo, a degradação do meio ambiente e as consequentes alterações climáticas. Na nossa visão, o G20 pode e deve desempenhar um papel fundamental nesse direcionamento de ações concretas e a Bahia está aqui, aberta, como esse lugar de produção de saberes onde nós contamos com um conjunto de experiências concretas a compartilhar e que são produto da nossa riqueza e da nossa diversidade cultural.
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