CULTURA
"Acredito na renovação do rock", diz Marcelo Viegas

Por Chico Castro Jr.
Editor da Edições Ideal, primeira editora brasileira especializada em rock, Marcelo Viegas é formado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (SP) e tem MBA em Book Publishing pelo Instituto Singularidades. 100% roqueiro, já foi dono de loja na Galeria do Rock (Playstereo) e do selo independente Short Records, além de ter editado a revista CemporcentoSKATE entre 2006 e 2012. Na Ideal, é respondável pela composição e revisão de textos.
Não sei você, mas, hoje em dia, tenho a impressão que as pessoas preferem ler sobre rock, mais do que ouvir. É possível perceber que o rock é muito cultuado enquanto memória e enquanto estética. Camisetas de Beatles, Bowie e Ramones são vendidas às baciadas nas lojas de departamentos. Não é de hoje, a "estética roqueira" é apropriada por cantores sertanejos, grupos de pagode e cantoras de funk. Biografias de bandas de rock clássicas e roqueiros populares fazem sucesso (o que é ótimo, digase), enquanto as vendas de discos do gênero nunca foram tão baixas (pelo menos no no Brasil). Claro que o rock em si é um produto de origem ultrapopular, depois foi cooptado pela indústria cultural nunca foi "pouco amigável" ao povão, como a música erudita, por exemplo. Ao mesmo tempo, os grandes nomes que fizeram o rock ser o que é vão morrendo. Então cheguei aonde queria: a era do rock está, finalmente, acabando? Ou é só um período de entressafra? A memória da era do rock suplantou a música? Ainda há um futuro para o rock?
Marcelo Viegas: Acho que sou mais otimista (risos). Acredito na capacidade de renovação do rock - mesmo que seja muitas vezes a partir da apropriação de elementos sonoros e estéticos de outros períodos - combinada com essa tendência que você citou de cultuar o passado, seja ele glorioso ou não. Valorizar e preservar as raízes para seguir construindo essa história de música alta e inspiradora. Usando como exemplo o trabalho aqui da editora, nós buscamos exatamente essa mistura de épocas e estilos: tentamos ir do clássico (Jerry Lee Lewis, Hendrix) ao alternativo (Fugazi, Bikini Kill e todas as bandas retratadas no livro "Dance of Days: duas décadas de punk na capital dos EUA"), do punk (Ramones, DK) ao metal (Slayer, Pantera), do indie (The Cure, Joy Division) ao rock nacional (Pitty, Supla), do pop punk (Travis Barker) ao grunge (Alice in Chains), e acho que isso revela também a riqueza, a diversidade e a atualidade do rock. Posso dar mais um exemplo: estou editando neste momento um livro de entrevistas com bandas de metal alternativo que estão criando, experimentando e construindo suas respectivas trajetórias agora. Nomes como Labirinto (Brasil), Marriages (EUA), Metz (Canadá), Mars Red Sky (França) e Boris (Japão), para citar apenas alguns dos entrevistados no livro. E só podemos lançar um livro como este (estou falando do volume 2 do "Nós somos a tempestade", do jornalista Luiz Mazetto) porque existem pessoas produzindo essa música nova e outras tantas consumindo, indo aos shows, baixando os discos (ou ouvindo no Spotify), comprando as camisetas etc. E também buscando informações sobre esses artistas, seja em blogs, sites, zines, revistas ou... livros!!!
Como livreiro deste nicho tão específico no Brasil, como você avalia o interesse das pessoas pelo rock? As histórias fantásticas destas bandas e ídolos ficaram mais importantes do que sua música?
Marcelo Viegas: Em alguns poucos casos isso acontece sim. Por exemplo, no caso do Steven Adler, exbaterista do Guns N' Roses. Lançamos no Brasil a autobiografia dele, chamada "Meu apetite por destruição: sexo, drogas e Guns N' Roses". A música produzida pelo Steven pósGNR é insignificante se comparada ao seu legado com o GNR. Ele gravou o disco clássico da banda, Appetite for Destruction. Difícil competir com isso (risos). Todavia, também lançamos livros de artistas que continuam produzindo em alto nível e arrastando multidões mundo afora, como Dave Grohl, Slayer, Travis Barker e Pitty. Nesses casos, não acho que dá pra dizer que as histórias são maiores que a música; pelo contrário, a música continua ocupando papel central. Se os fãs buscam os livros para saber mais sobre os seus ídolos é porque a música segue inspirando, cativando e emocionando esses ouvintes/leitores.
Nos últimos anos, vimos surgir no Brasil uma onda de "roqueiros conservadores", entre nomes bem conhecidos (Lobão, Roger do Ultraje) e ilustres desconhecidos a buscar holofotes e surfar na onda da polêmica. Roqueiros de direita não são uma novidade: Ted Nugent é militante do NRA (National Rifle Association, que lidera o lobby da indústria armamentista) e até Neil Young já apoiou Ronald Reagan nos anos 1980. Sem fazer patrulha ideológica cada um é que sabe de sua consciência mas não chega a ser um contrasenso ser "do rock" e da direita conservadora ao mesmo tempo? Afinal, o rock não surgiu como um grito de liberdade dos quadris, das mentes, dos espíritos? Será esta guinada à direita mais um sinal da decadência da cultura roqueira? (Só para deixar claro, não sugiro aqui que o rock tenha a obrigação de assumir posição ideológica alguma, afinal, sabemos que tanto a direita quanto a esquerda, em seus espectros mais extremos, rejeitam a liberdade inerente à manifestação artística).
Marcelo Viegas: Tenho que admitir que também acho estranho essa coisa do "roqueiro conservador". Mas sei que não é um fenômeno recente, temos casos notórios no passado. Você citou Neil Young e Ted Nugent, e posso acrescentar também o Johnny Ramone nesse rol. Ainda mais estranho por ser no universo do punk rock. É bizarro, mas acontece... Entretanto, não sei se enxergo isso como um sinal da decadência da cultura roqueira, como você sugeriu. Creio que essa onda neoconservadora é um fenômeno muito mais amplo e que acaba respingando no universo do rock. Esse espectro neoconservador está em todos os lugares, saindo da escuridão e mostrando as garras, antes sorrateiramente, agora de modo mais descarado. Mas enxergo o rock mais como foco de resistência do que propriamente como um exemplo vigoroso desse processo. Noutras palavras, acho que esse avanço neoconservador está mais evidente em outros setores da sociedade do que entre as pessoas ligadas ao rock. É claro que existem certas tendências históricas (o metal tem uma conexão maior com a direita, o punk/hardcore tem mais conexão com a esquerda e uma tradição até mesmo anarquista), mas no geral acho que os roqueiros são menos conservadores do que a maioria da população.
O que comemoramos no "Dia do Rock"? A memória de um passado glorioso ou um futuro incerto? Ou o aqui agora?
Marcelo Viegas: Acho que comemoramos o passado, o presente e o futuro. Tudo junto e misturado. Você pode celebrar o Dia do Rock ouvindo um disco dos Stooges e na sequência o novo álbum do DIIV. O passado é glorioso, sim, mas também enxergo muita qualidade no presente. Como ouvinte e apaixonado pelo gênero, sigo sempre buscando novidades, sempre à procura da melodia perfeita. Não concordo com o discurso caduco de "na minha época era melhor". Temos que viver o presente e valorizar as bandas novas. Tem muita gente fazendo muita música boa por aí. Basta manter os ouvidos e a mente aberta.
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