CULTURA
Álbum da lendária The Dead Billies é relançado
Há muito tempo atrás, rock baiano importava; Agora, arqueólogo paulista desenterrou registros
Dizem que não se deve mexer com os mortos – felizmente, ninguém avisou o Neves, lá de Santa Bárbara d’Oeste, interior paulista, que resolveu relançar – em um LP de vinil gloriosamente roxo – o primeiro álbum da lendária banda baiana de rock The Dead Billies (os caipiras mortos, em bom português).
Don’t Mess With... The Dead Billies, lançado originalmente apenas em CD, no longínquo ano de 1996, é mais um daqueles registros inestimáveis de uma cena muito marcante na música baiana, a do rock dos anos 1990.
Possivelmente a última geração brilhante do rock baiano, a cena dos anos 1990 foi anunciada já em 1991, pela Úteros em Fúria. Na sequência, surgiram The Dead Billies, Dr. Cascadura (a mais longeva, e que depois abdicaria do “doutor” no nome), brincando de deus e Mütter Marie, que revelou Ronei Jorge.
Havia diversas outras, mas basicamente, essas foram a ponta de lança. E entre essas, é bem provável que os Dead Billies faziam os shows mais selvagens de todos.
O som era um psychobilly infernal, capaz de levantar os mortos da tumba (olha eles aí de novo).
(Para quem não sabe, psychobilly é uma radicalização do rockabilly, o rock ‘n’ roll primordial original, como o que Elvis Presley praticava antes de se alistar no exército).
Muito influenciados pela banda norte-americana The Cramps, precursora do psychobilly, os Dead Billies botavam qualquer casa em que se apresentassem abaixo, graças à combinação poderosa que Moska (voz), Morotó Slim (guitarra), Joe Tromondo (baixo) e Rex Crotus (bateria) eram capazes de invocar ao tocar juntos, resultado que soava maior que a soma dos quatro.
Para encurtar: a banda lançou apenas dois álbuns: o que acaba de ser relançado e The Heartfelt Sessions (1999), antes de sucumbir às inevitáveis “diferenças criativas”. Morotó, Joe e Rex seguiram juntos como Retrofoguetes – hoje, apenas com o baterista como último membro original. Glauber Guimarães, o ex-Moskabilly, assumiu o projeto Teclas Pretas.
Negociando com a major
Para Neves, o que importa mesmo é que ele está muito feliz em relançar um álbum de uma banda que ele já era fã há décadas: “Com certeza (sou fã), conheço a banda desde que o CD apareceu aqui no interior de SP, provavelmente em 1997. Os principais motivos para ter sido relançado são: 1 - O disco é ótimo; 2 - Esse (entre outros títulos do rock BR e suas vertentes) merecem ser resgatados (e não ficar apenas nas plataformas digitais); 3 - O estilo da banda tem tudo a ver com o catálogo do meu selo”, enumera o empresário.
Gravado nos míticos Estúdios WR, de Salvador, o álbum foi vendido pelo então selo WR Discos à major Universal, em um pacote. Sabedor disso, Neves negociou com a gravadora: “Lidar com as grandes gravadoras é algo beeeem cansativo. Por exemplo, esse disco mesmo, depois que descobri que os direitos estão com eles, comecei a negociar – isso em 2019 e o disco ‘nasceu’ em 2023. Pelo que entendi (mas tem que ver caso a caso), todo o catálogo da WR foi parar lá”, conta Neves.
Como a fita master não existe mais, o áudio foi extraído direto do CD: “A fita foi apagada e reaproveitada para outra gravação. O áudio foi tirado do meu CD, enviado para um estudo especializado (@estudiofuzza) que sempre faz todo o trabalho de remasterização e adequação de frequências que as fábricas pedem para prensagem em vinil”, detalha.
Neves teve permissão para prensar apenas 300 cópias do álbum em vinil – as vendas, iniciadas há menos de um mês, vão bem: cerca de metade já voou para diversas cidades do Brasil: “Provavelmente a prensagem não vai durar até o fim de outubro. Para reprensagem, tenho que entrar em contato com a Universal e negociar novamente, ou seja, compre agora ou terá que esperar um bom tempo” avisa.
Zero arrependimentos
Um dos pais da criança, o guitarrista Morotó Slim está muito feliz com o resultado que ele ouviu no seu toca-discos: “Foi uma ótima surpresa, não esperava mais, de maneira alguma, que um dia, o sonho de ter o nosso primeiro disco relançado pudesse ser realizado. E ainda teve um plus, que foi o melhor de tudo, um vinil roxo, com capa dupla linda, impressão de alta qualidade. Foi muito melhor do que um dia eu teria pensado”, derrete-se.
“E o som está muito foda, com uma excelente qualidade, e esse é o feedback de vários amigos e fãs que já estão com o seu vinil, não é uma opinião de um babão coruja”, ri.
Hoje cinquentão, Morotas, como é chamado pelos amigos, olha para trás e percebe o tamanho do que realizou com seus companheiros de banda: “Não existe um dia que alguém não me pare ou não me mande uma mensagem e fale do Dead Billies, é algo impressionante, naturalmente eu sei o tamanho que essa banda chegou, e a importância para o público, formadores de opinião, jornalistas e artistas, fizemos algo que ainda não tinha sido feito dentro desse estilo aqui no Brasil”, nota.
“Creio que o nosso isolamento, no começo da banda aqui em Salvador, nos deu algo a mais, imaginávamos que quando chegássemos no Sudeste (onde a banda tocou algumas vezes), seríamos engolidos pelas bandas de lá, mas aconteceu o contrário, as pessoas de lá deram uma pirada no som da gente, foi incrível. Acho que as únicas pessoas que não perceberam potencial da banda foram os produtores e donos das grandes gravadoras do mainstream, talvez pelo fato das músicas serem cantadas em inglês”, reflete.
Nas plateias que enlouqueciam a cada show, esse fato não fazia a menor diferença. Inclusive, havia diversos fãs que começaram a se vestir – e se pentear, com enormes topetes – como os Billies.
“Era só observar, por exemplo, a Concha Acústica do Teatro Castro Alves lotada, o povo cantando aos berros as nossas músicas, mas vai ver que foi por isso que foi bom para caralho. Temos muito orgulho da nossa banda e do que fizemos, não nos arrependemos de nada”, conclui Morotó.
Nem todo morto quer paz.
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