RESISTÊNCIA
Alma do Carnaval
Série realizada pela prefeitura dá voz às comunidades dos mais destacados blocos afros de Salvador
Por Eugênio Afonso
Carnaval de Salvador e bloco afro, uma relação de animosidade que se arrasta e ainda não é de todo amistosa. Desde sempre, há reivindicações, mais do que justas, por mais espaço e visibilidade para os blocos de população majoritariamente negra durante a festa que arrasta e atrai milhões de foliões todos os anos à capital baiana. Mas o impasse segue mal resolvido.
Na série Afros e Afoxés: A revolução do tambor, do programa Salvador Capital Afro, da prefeitura de Salvador, que estreou na última sexta, 25, no canal de TV Trace Brasil e no YouTube do Salvador Capital Afro – com ainda mais quatro episódios a serem exibidos – esta questão vem à tona.
O mote da série é justamente contar a história de resistência e o legado dos blocos Ilê Aiyê, Muzenza, Cortejo Afro, Didá, Malê Debalê, Olodum e do afoxé Filhos de Gandhy. Retratar a história, os bastidores e a contribuição de cada uma destas entidades para a resistência da herança ancestral no Carnaval, e a importância para a manutenção da cultura afro-brasileira.
O primeiro programa foi com o Cortejo Afro, Ilê Aiyê e a banda Didá. Os próximos serão no dia 1º de setembro e vai ter Muzenza e Filhos de Gandhy. Os últimos, no dia 08 de setembro, encerram com Olodum e Malê Debalê. São, ao todo, sete episódios exibidos no canal de TV Trace Brasil e no YouTube do Salvador Capital Afro, sempre às 19h.
Afroturismo
Com imagens de arquivo e registros do Carnaval de 2023, o projeto também tem um viés mercadológico e quer posicionar a capital baiana como referência no afroturismo nacional e do planeta. Quer criar uma linha de diálogo entre quem faz a cultura negra acontecer na cidade, e quem tem o poder de contratar e levar essas representações para outros lugares do país e do mundo.
Para Maylla Pita, diretora de cultura da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), a série tem como principal objetivo colocar em evidência a potência do discurso e da atuação dos blocos afros para além do Carnaval, nos seus respectivos territórios de atuação.
“Tivemos o cuidado de situar essas organizações como verdadeiras experiências de aquilombamento cultural. A série traz também como estratégia a relação dessas entidades como força política junto às suas respectivas comunidades”, pontua Maylla.
A ideia da prefeitura é, também, fortalecer essas entidades em sua atuação cotidiana. “Além disso, temos feito um esforço muito grande para visibilizar o legado dos blocos afros na manutenção da identidade negra da cidade de Salvador. A importância dessas agremiações é inegável, não somente para o Carnaval soteropolitano, mas para toda a trama da cidade”, reforça Pita.
A série quer apresentar ao público a força do tambor em dimensões sociais, educativas e estéticas. Mostrar que a potência destas entidades é estruturada por um trabalho anterior à festa de Momo, e que durante a maior festa popular do verão atinge o lugar de afirmação e expansão dos discursos de resistência.
Autoestima
Para Sandro Teles, produtor do Ilê Aiyê, essa série é muito importante, pois expõe uma cultura que, segundo ele, está sendo esquecida pelas novas gerações baianas.
“A música feita pelos blocos afros, além de entreter, educa. E essa série revela para o público a riqueza que essas entidades produzem ao longo do ano. A cultura dos blocos afros é de suma importância para o resgate da autoestima do povo preto do Brasil e a série mostra isso de forma precisa”, informa Teles.
Com relação a uma provável desvalorização dos blocos afros na festa de Momo, Teles acredita que não há interesse do poder público em mudar este quadro. “Somos a alma do Carnaval de Salvador, responsáveis pela revolução estética e musical que deu origem à música produzida na Bahia. Artistas de outros Estados tem mais ‘moral’ do que aqueles que vêm há quase 50 anos fazendo da cultura baiana o que ela é hoje”
Ele ainda defende a tese de que vir à Bahia para o Carnaval e não ver a saída do Ilê, do Olodum e dos Filhos de Gandhy não vale a pena. “Não dá para vir e ficar apenas no Carnaval de plástico, que é o dos camarotes da cidade. Isto não é o Carnaval da Bahia. Atualmente, você pode ver isso nos outros Estados. Aqui, a emoção se encontra nas manifestações culturais produzidas pelos blocos afros e afoxés, e eles não conseguem entender que é isso que está fazendo com que nosso Carnaval venha perdendo força ao longo dos últimos anos”.
Já para Luciana Neves, coordenadora de produção do Muzenza, esse documentário vem para potencializar e deixar registrada a importância da contribuição cultural e a relação de paixão e pertencimento das personagens, além da musicalidade e identidade específica que cada bloco afro tem a oferecer à cultura de Salvador e da Bahia.
“Na série, privilegiamos o que temos de mais autêntico e necessário para a realização do grande espetáculo a céu aberto que é ver a passagem do Muzenza na avenida do Carnaval”, conta Neves.
E assim como Sandro, a coordenadora acredita também que os blocos afros deveriam ter mais destaque na festa, com desfile em melhores horários, por exemplo.
“As barreiras são gigantes, mas, infelizmente, quem manda e quem paga não tem a nossa cor, por isso a importância dada a nós não é a mesma. Mas a gente não desiste, continua a falar sobre isso o ano inteiro, e não apenas no carnaval, como no documentário”, finaliza.
O Salvador Capital Afro é uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Salvador, através da Secretaria de Cultura e Turismo em parceria com a Secretaria da Reparação. O projeto tem financiamento do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e é mais uma ação implementada do Plano de Desenvolvimento do Turismo Afro em Salvador.
‘Afros e Afoxés: A Revolução do Tambor’ / 1° de setembro - Muzenza e Filhos de Gandhy; 8 de setembro - Olodum e Malê Debalê / 19h / TV Trace Brasil e Youtube salvadorcapitalafro
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