CULTURA
Alunos da Escola de Teatro da Ufba criam arte para clamar pela conclusão de prédio
Performance no pé da obra
Por Maria Raquel Brito*
![A-sombra-ação](https://cdn.atarde.com.br/img/Artigo-Destaque/1300000/1200x720/Alunos-da-Escola-de-Teatro-da-Ufba-criam-arte-para0130626200202502062022-ScaleDownProportional.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.atarde.com.br%2Fimg%2FArtigo-Destaque%2F1300000%2FAlunos-da-Escola-de-Teatro-da-Ufba-criam-arte-para0130626200202502062022.png%3Fxid%3D6547679%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1739302888&xid=6547679)
Há mais de uma década, estudantes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba) se veem nômades dentro da própria universidade. Desde 2012, quando foram anunciadas obras de ampliação que se prolongam até hoje, os artistas em formação sofrem com o abandono. Agora, essa demanda toma forma através da trilogia performativa A-sombra-ação, desenvolvida pelos alunos de Interpretação Teatral da Escola. A primeira parte da obra-denúncia será apresentada hoje, às 21h, no Casarão da Escola de Teatro, no bairro do Canela.
A performance é dividida em três diferentes momentos. A, a primeira etapa, reúne experimentos de som, máscaras e expressão corporal, apresentados nos arredores do casarão da Escola de Teatro, de forma a denunciar o abandono do prédio e a precarização do ensino. Depois, vem Sombra, fase em que o grupo apresenta uma instalação composta por projeções de vídeo-performance, luzes e poemas sonorizados. As projeções sobre tecidos brancos cercam simbolicamente o prédio abandonado, evocando sombras.
A trilogia se encerra com Ação, etapa que será apresentada no dia 14 de fevereiro, às 17h, em frente ao prédio da Reitoria da Ufba. Inspirada na estética do lambe-lambe, a ação combina colagens fotográficas de edifícios abandonados na universidade com frases impactantes.
A obra nasceu dentro da sala de aula, na disciplina Rito e Performance, através de um processo de criação coletiva com artistas em formação. Brenda Urbina, mestre e doutoranda em Artes Cênicas, coordenadora da trilogia e professora da disciplina, conta que a performance veio a partir do momento em que os estudantes entenderam e manifestaram seus desejos, poética e politicamente. Pôr a A-sombra-ação de pé, porém, foi um processo desafiador, pela exata razão de estarem protestando: a falta de estrutura para as necessidades diárias de ferramentas e aparatos didáticos.
“Por exemplo, eu disponibilizei e investi em equipamentos para dar aula durante todo o semestre, como projetor, caixa de som, computador, elementos de papelaria, figurinos, impressora, entre outros recursos, já que nosso acervo da escola de teatro está resguardado desde a reforma, e no PAF V, onde temos aulas, só emprestam equipamentos para alguns professores do IHAC [Instituto de Humanidades, Artes & Ciências Professor Milton Santos]. Dessa forma, temos o sentimento de que temos que lutar para permanecer, por continuar em um ‘não lugar’ que chamamos escola de teatro, feita por pessoas”, conta Urbina.
Georgenes Isaac, doutorando em Artes Cênicas, viu na performance uma oportunidade de lutar pelo local que foi sua casa na graduação. Decidiu colaborar com Brenda produzindo as coreografias. “Foi desafiador, porque estar naquele espaço da maneira que ele se encontra também me afeta. Junto com os artistas estudantes fomos compreendendo como coreografar o abandono. Nos perguntávamos: como coreografar o descaso? Como performar o vazio do espaço no corpo?”, conta. A resposta foi coletiva: juntos, formaram um grande corpo, que vaga e resiste pelas estruturas inacabadas.
Fundada em 1956, a Escola de Teatro da Ufba foi a primeira instituição de ensino superior dedicada ao teatro no Brasil e na América Latina. Hoje, sem um prédio para chamar de seu, as atividades da Escola de Teatro estão distribuídas pelos Pavilhões de Aulas da Ufba, no Campus Ondina. Ao longo do semestre, a casa temporária da disciplina Rito e Performance foi a sala 106, no PAF V. “Temos nos adaptado ao chão duro, à poeira na cara, a falar baixo, aos ventiladores barulhentos e segurados por cadeiras. (...) Nos adaptamos inclusive a deambular como fantasmas na frente das faculdades, do RU, Farmácia, Geografía, FACOM, no vão da biblioteca… Nós temos nos adaptado a tudo, o que acho interessante é como a universidade não se adapta a nós”.
Artistas-fantasma
Entre as referências, estão a multiartista Padmateo, cujo trabalho se debruça sobre poéticas fantasmagóricas, e a artista e ativista feminista Marcinha Baobá, sobretudo a performance Mãe Preta, em que ela questiona quem tem o direito de narrar e o que é narrado socialmente. Assim, os estudantes se apropriaram dessas ideias para potencializar a sua própria performance de resistência. “Surgiu a necessidade de performar nossa dor para exigir nosso território, que não se resume a um prédio, mas também a nossa identidade enquanto comunidade teatral. Também desafiamos nossa própria condição de fantasmas – nós, a comunidade teatral, que não somos apenas vulneráveis por sermos invisibilizados, mas também insubmissos. Somos uma identidade coletiva espectral, que carrega em si o potencial para agir e protestar”, diz Urbina.
As ideias de poética fantasmagórica de Padmateo estão presentes em todo o momento nas performances, como uma forma de confrontar as instituições que têm negligenciado as responsabilidades em relação ao abandono da cultura em Salvador. Como exemplo, Urbina cita o desabamento de parte do teto da Igreja e Convento de São Francisco na tarde de anteontem, que resultou na morte de uma pessoa. “Não é alheio a nós esse contexto de abandono, basta ver as residências estudantis, os prédios de arte mal terminados, parece uma estratégia fantasmagórica de apagamento da cultura. A universidade, a cultura, estão desabando, mas por culpa de quem? Do governo? Da prefeitura? De Deus? É tudo muito fantasmagórico. O abandono, o descaso, a negligência não tem identidade, a falta de nossa escola fica na nossa memória neuromuscular, então nos perguntamos: como vamos performar o abandono, o descaso, a falta de espaço? Por isso é importante a performance, porque não dá para representar a dor quando ela está presente no nosso corpo a toda hora”.
Para Urbina, assim como os outros 18 artistas envolvidos nas performances, a arte é a maior arma de denúncia. Uma denúncia que eles torcem para que crie ecos e respostas. “A Escola de Teatro da UFBA tem abrigado ícones da cultura brasileira. Por esses caminhos hoje demolidos, passaram pessoas que celebramos até hoje: Maria Bethânia, Nilda Spencer, Martim Gonçalves, Vladimir Brichta, entre outros. (...) Esses escombros são nossos corpos, precisam estruturar nossa casa, nosso prédio. Até agora só temos a caixa do esqueleto, sem base, nem coluna, um corpo precisa de músculos, circulações, veias, oxigênio, cérebro, para acolher e ter caixas de memórias, sistema cardiovascular, que são os discentes que dão vida a um Campus, pele que nos cubra e nos permita, com dignidade, mostrar nossa face artística”, declara.
Trilogia "A-sombra-ação" / Hoje, 21h (primeira parte) e dia 14 de fevereiro, 17h (terceira parte) / Casarão da Escola de Teatro (primeira parte) e em frente à Reitoria da UFBA (terceira parte) / Gratuito
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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