CULTURA
“Antes havia as joias da Carmen Mayrink Veiga, agora são as da mulher do Sérgio Cabral”
Por Ronaldo Jacobina

Zózimo Barroso do Amaral (1941-1997) nasceu e cresceu nas altas rodas de um Rio de Janeiro carregado de glamour. Por acaso, virou colunista social de O Globo, onde assinou a coluna Swann. Mudou para o Jornal do Brasil, onde assumiu seu primeiro nome e revolucionou o colunismo social brasileiro abrindo mão das notícias dos grandes salões, onde sempre circulou, e inserindo noticias quentes das áreas de política, economia e negócios.
O feito rendeu-lhe duas prisões durante a ditadura militar. Considerado um dos homens mais elegantes e finos do Rio de Janeiro daquele período, Zózimo acaba de ganhar uma biografia assinada pelo jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos, seu antigo colaborador na coluna. Enquanto Houver Champanhe Há Esperança, uma das célebres frases do colunista, dá título à obra publicada pela editora Intrínseca. A seguir, entrevista exclusiva com o autor.
Eu tinha o Zózimo o tempo todo como referência. Acho que todo colunista tem. Ele escrevia com muita elegância e tinha uma curiosidade incrível sobre um leque muito grande de assuntos
Como foi o processo de construção do livro?
Eu levei um pouco mais de três anos para realizar a pesquisa e escrever o livro. Ouvi 150 pessoas ligadas ao Zózimo, entre amigos da noite, colegas de jornal, parentes e companheiros de sua infância pelas ruas do Jardim Botânico. Algumas dessas pessoas foram fundamentais, como a irmã de Zózimo, Izabel, que reconstituiu com carinho e emoção o relacionamento dos dois com seus pais, os tempos escolares, os primeiros namoros, etc. O empresário Paulo Marinho também me ajudou a organizar as cenas das últimas décadas de Zózimo. Em geral, todos os procurados foram muito generosos em cavucar a memória e tirar de lá as cenas, nomes e histórias que conseguissem. Zózimo era muito querido pelos que o conheceram, e estes perceberam que era uma oportunidade de voltar aos bons tempos do Rio, da boemia intelectual, das redações...
Você trabalhou com Zózimo e depois virou colunista de O Globo. O que desta convivência levou para sua coluna?
Eu levei muito da minha experiência como colunista do Globo para o livro. Afinal, o Zózimo, por quase 30 anos, teve aquele cotidiano. E, cá entre nós, é um trabalho bastante difícil. Ter uma página em branco para preencher, todos os dias, com assuntos inéditos, escritos de maneira interessante, é uma tarefa insana. O colunista concorre com todo o jornal, que tem uma equipe de 100 repórteres. Eu tinha o Zózimo o tempo todo como referência. Acho que todo colunista tem. Ele escrevia com muita elegância e tinha uma curiosidade incrível sobre um leque muito grande de assuntos. Eu fui um aluno esforçado dele. Deixei de lado a alta sociedade, como ele próprio já tinha deixado, e segui adiante ampliando o caldeirão de personagens. Privilegiei gente da rua, gente que não tinha assessoria de imprensa. O problema das colunas de notas é que elas ficaram reféns das assessorias. Essas mandam muitas notinhas irrelevantes para as redações – junto com presentinhos – e acabam pautando os colunistas. O Zózimo, embora muito educado, procurava manter uma distância das assessorias – e ia atrás das suas notas. Uma coluna é ao mesmo tempo a coisa mais difícil e mais fácil de fazer. Difícil se você for à luta, suar atrás da nota exclusiva, que fará a diferença na edição. Fácil se você simplesmente for completando a página com as notas de assessoria. Infelizmente, há muitas assim.
Na obra, você faz uma pesquisa cuidadosa da história do colunismo social carioca, citando inclusive os nomes que antecederam Zózimo. O que ele tinha de diferentes?
Zózimo tinha humor, essa palavrinha que faz toda a diferença. Tinha personalidade na escolha dos assuntos e era um jornalista sem preconceitos, que tanto gostava de futebol como de economia, de uma boa piada como de um furo político. O Zózimo foi uma delícia para os leitores, mas uma maldição para os editores. Todos vivem atrás do novo Zózimo. Mas ele foi único.
A quem você acha que interessa a história do colunista, já que ele era focado no Rio?
Acho que o meu livro é sobre a história do jornalismo, num dos seus capítulos mais curtidos pelos leitores, a coluna de notas, e o Zózimo fazia mais que coluna social, é uma jabuticaba jornalística brasileira, que só nós temos. É um jornal dentro do jornal. A coluna de notas é uma maneira rápida de o leitor ter acesso a notícias. Mas o colunista precisa ter estilo, personalidade. Caso contrário, fica uma coisa curta e chata.
O colunismo social ainda é praticado em alguns estados. É um modelo ultrapassado?
As colunas sociais só existem hoje em pequenos jornais de pequenos municípios do interior. Zózimo já tinha largado os grã-finos muito antes de morrer, certo de que noticiar casamentos e jantares passara a ser uma coisa cafona. Os grandes nomes da sociedade já não abriam seus salões, tinham percebido que ostentar é de mau gosto. Além disso, muitos não tinham mais o que ostentar. Antes havia as joias da Carmen Mayrink Veiga, agora são as da mulher do Sérgio Cabral, todas com dinheiro ilícito.
Que histórias foram mais relevantes para a biografia?
O livro tem quase 700 páginas, então é difícil escolher, mas o capítulo inicial é surpreendente. Zózimo foi preso duas vezes. Numa delas, em plena ditadura militar, por ter dado uma nota em que o ministro do exército aparece empurrado pela confusão de uma solenidade. Quando chegou na cela, em 1969, já estava lá uma multidão de presos políticos, estudantes, intelectuais e sindicalistas. Quando o chefe viu que o novo colega de cadeia era o colunista social do Jornal do Brasil, não se conteve e gritou: "Pessoal, os homens enlouqueceram. Estão prendendo a eles mesmos”.
É possível escrever uma biografia sem juízo de valor?
Tudo tem um juízo de valor, seja na escolha dos fatos ou na adjetivação. Eu acho que o Zózimo foi importante para o jornalismo brasileiro, acrescentou humor na informação do colunismo social, ampliou os limites de uma notícia, radicalizou com a observação pessoal, fez, com brilho, pequenas crônicas da cidade num número reduzido de linhas. O elogio a essas coisas não me deixou cego às inúmeras notas carregadas do preconceito que ele publicou. Muitas notas, mal apuradas, pela pressa da edição, também precisaram ser corrigidas no dia seguinte, prejudicando algumas pessoas e provocando um processo contra o jornal. Zózimo foi grande, mas não foi perfeito – e o livro está cheio do relato dessas imperfeições.
Você conviveu e trabalhou com ele. Isso o ajudou?
Quando eu fui para o Jornal do Brasil, em 1983, foi para ser repórter do Zózimo, que acumulava a preparação da coluna com a edição do Caderno B. Ele privilegiava a atenção à coluna, mas convivi muito com sua delicadeza e cultura. Um homem sempre bem-humorado e disposto a rir. Tinha classe, algo que lhe vinha de berço, mas que não o deixava impávido ou arrogante. Pelo contrário, ele era um gente boa.
Eu acho que o Zózimo foi importante para o jornalismo brasileiro, acrescentou humor na informação do colunismo social, ampliou os limites de uma notícia
Como Zózimo era visto pelos colegas de redação?
Jornalista de segundo caderno é visto como um profissional menor. Os grandes jornalistas, e vamos botar muitas aspas em todas essas definições, são os que se dedicam a hard news. Zózimo era colunista social, mas era o Zózimo, estava acima da manada. Ele ajudou a dar dignidade à operação desses assuntos considerados mais frívolos, porque tocava tudo com excelência. Lembro-me agora de um outro jornalista que deu dignidade a esses assuntos de cultura, de comportamento, de modismos, foi o Zuenir Ventura, outro craque com quem tive a sorte de trabalhar. Eu abriria meu currículo assim: trabalhou com Zózimo e Zuenir.
Que aprendizado ou lição o livro te deixou?
Biografia é pauleira, suor. Com os jornais digitalizados, inclusive os antigos, a operação ficou um pouco mais fácil. Eu li o Diário Carioca sentado no meu escritório, sem poeira, sem ter que ir à biblioteca. Mesmo assim, pedir que as pessoas acessem suas memórias e tirem de lá histórias verídicas e saborosas é um trabalho do qual pretendo ter um descanso.
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