CÊNICAS
Aos 56 anos e em seu melhor momento, Edvana Carvalho reestreia espetáculo solo
Edvana Carvalho ainda fala sobre conquistas ao longo da carreira
Por Maria Raquel Brito*
As luzes se acendem. No centro do palco, apenas uma poltrona, duas mesinhas e um suporte de vela aguardam. Os poucos objetos são suficientes para a grandiosidade que toma conta da sala de teatro quando Edvana Carvalho entra com seu black power, saltos altos e o carisma inconfundível para apresentar Aos 50, quem me aguenta?. Nos 60 minutos seguintes, trará com humor e emoção reflexões sobre a maturidade da mulher negra e as questões que a cercam, do racismo à busca desenfreada pela juventude, passando por relacionamentos e filhos.
Escrita e apresentada por Edvana, e com direção de Marcelo Praddo, a peça estreou em 2019 e percorreu o Brasil, passando por Salvador em temporadas curtas e apresentações únicas desde então. Na noite de hoje, volta aos palcos soteropolitanos, onde segue em cartaz em todas as sexta-feiras de outubro, no Teatro Módulo, sempre às 20h.
Para a atriz, escritora e educadora, que nasceu e foi criada em Salvador, trazer o espetáculo para casa é sempre especial. “A gente pode se dar bem em qualquer lugar do mundo, mas voltar para os meus, voltar para o cheiro da maresia de Salvador e para o tempero baiano, é sempre muito bom”, diz.
Aos 50, quem me aguenta? é uma celebração de resistência dos artistas de teatro e das mulheres negras, desenvolvido com base em vivências de Edvana e em homenagem aos seus 50 anos de idade e 35 anos de carreira. A ideia tomou forma a partir da inquietude de Edvana em entender sua própria voz como artista. Escrever e estrelar sua própria dramaturgia, enquanto mulher preta, foi uma maneira de fincar o pé e mostrar que pode ocupar qualquer palco.
“Eu trouxe para o palco a escrevivência cunhada pela professora Conceição Evaristo e a necessidade de estarmos em lugares que estruturalmente sempre nos disseram que não era nosso: a dramaturgia, a literatura e poder fazer um solo. Uma mulher preta sozinha fazendo solo e as pessoas pagando para ir assistir, olha que maravilha”, celebra.
Apresentado com bom humor e num tom que pende para a comédia, o texto, em formato inspirado pelos ‘Ted Talks’, surgiu em um momento turbulento na vida de Edvana. Havia adoecido em sala de aula e as alterações hormonais da menopausa começavam a se manifestar – uma mudança de fase conturbada. “Eu estava indo para um lugar, talvez pensando no coletivo, não grato, de pessoa que vai para a maturidade, ficando velha. Então, eram muitas questões na minha cabeça”, conta.
Hoje, ela percebe que muitas das questões trazidas no texto de cinco anos atrás continuam pertinentes. O etarismo, a discriminação racial e a fixação pela juventude permeiam a sociedade como nunca. Mas, assim como a protagonista, a peça se mantém em constante renovação.
“Eu sempre vou ajustando o texto a determinadas plateias, quando alguém diz: ‘olha, eu sou isso, quero ser representada assim’, ou ‘faltou você falar isso’. Então eu estou sempre equalizando, vendo se preciso mudar alguma coisa, porque uma plateia me ensinou uma coisa, outra plateia me ensinou outra. Aprendo muito com os espectadores”, diz.
Sempre em movimento
Edvana ainda era menina quando percebeu a paixão que nutria pela arte de contar histórias. Seu primeiro contato com o teatro foi na escola onde estudava, no bairro de São Caetano. Daí, nunca mais largou: passou pelo Grupo de Teatro do SESC/SENAC e integrou a primeira formação do Bando de Teatro Olodum. Desde então, além do teatro, brilhou em filmes Ó Paí Ó, Guerra de Algodão e na novela “Renascer”, em que deu vida de forma potente e bonita à Inácia, interpretada por Chica Xavier na versão original.
Dar adeus à novela, que acabou em setembro, é um processo lento. O carinho perceptível que Edvana sente pela personagem se reflete nas ruas: por onde passa, alguém segura em seu braço, fala sobre Inácia e se emociona – e ela, claro, se emociona junto.
“Eu acho que é um personagem que causou grande comoção mesmo para o povo brasileiro. Eu não falo isso de uma forma nem esnobe e nem metida, mas eu sinto na rua, por pessoas de diversos segmentos, idades, cores, tamanhos, questão social, racial. Elas vêm falar comigo com emoção. Eu acho que ela ainda está mexendo com o coração e a cabeça das pessoas, e me sinto muito grata por representar a ancestralidade de uma forma tão digna e de não envergonhar a Dona Chica Xavier”, conta.
Seguindo o ano de merecido reconhecimento, Edvana recebeu no último mês um Kikito no Festival de Cinema de Gramado. O prêmio de melhor atriz foi o primeiro de sua carreira, conquistado pela interpretação no curta-metragem Fenda, de Lis Paim. A obra também marca o primeiro curta em que atuou até hoje.
“Meu primeiro prêmio foi um Kikito, sinto muito por vocês”, brinca.
“Fenda é um curta muito profundo que fala sobre relações de mulheres, de mulheres pretas que tiveram que deixar seus filhos para que outras criassem porque a vida não estava sendo fácil. Eu acho um filme incrível. Agora vai estar no Festival de Cinema do Rio de Janeiro e espero que abocanhe vários prêmios”, diz.
Dedicada às artes, Edvana tem também longa experiência em sala de aula e traz em seu currículo uma Pós-Graduação em Psicopedagogia. Imparável, só reafirma em Aos 50, quem me aguenta? que tem mais gás do que nunca.
Se pensa em descansar? “Só quando morrer, né? Às vezes a gente tem umas paradas estratégicas para o corpo não pifar, mas descansar mesmo não, ainda mais agora, embalando uma coisa atrás da outra, aos 56 anos. Para uma mulher preta, as conquistas chegam muito tarde, e aí é que a gente não pode parar”, conclui a artista.
Aos 50 – Quem me Aguenta? / Hoje e às sextas-feiras de outubro (dias 11, 18 e 25), 20h / Teatro Módulo (Av. Prof. Magalhães Neto, 1177 - Pituba) / R$ 80 e R$ 40 / Vendas: Sympla e bilheteria do teatro
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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