LITERATURA
Aos Que Morrem em Silêncio: livro marca estreia de Carluce Couto
Livro de estreia da atriz e, agora, escritora, Carluce Couto, ilustra sensações oriundas da morte
Por João Paulo Barreto, especial para A TARDE
Existe uma dificuldade em se sentir como pertencendo a algum lugar que apenas a maturidade oriunda não somente da idade, mas da perda, seja ela de entes para a morte, ou seja ela de sentimentos para o tempo, consegue suplantar. Mas o lugar aqui não é somente geográfico, mas, também, afetivo. Mas, claro, o senso de pertencimento geográfico por muitas vezes se mescla ao mesmo sentimento oriundo de um afeto, de um cheiro que se confunde como casa, de um ambiente que se confunde com um abraço.
Aos Que Morrem em Silêncio, livro de estreia da escritora baiana Carluce Couto, traz ao seu leitor esse tipo de sensação pelos olhos de Bebel, advogada que decide assumir, em São Paulo,a administração de um sebo que lhe foi herdado após a morte de sua tia.
Mas não é unicamente sobre as adaptações de uma jovem diante do desafio de revisitar memórias afetivas de seu avô e de sua tia naquele ambiente literário que se baseia seu livro. Seria uma armadilha fácil de se cair abordar uma história que tivesse um sebo como pano de fundo e usar todos os possíveis artifícios de captar a atenção dos leitores a partir desse lugar tão querido por todos que ainda abrem livros, e não somente deslizam dedos em telas.
Não. Não é somente sobre morte. A citada sensação de pertencimento de sua protagonista rege a narrativa de Aos Que Morrem em Silêncio a partir dos choques de uma maturidade que Bebel experimenta em alguns momentos chave de sua vida. Apesar de seu título remeter ao final definitivo, o que chama a atenção inicial de quem mergulha naquelas linhas é a vida. É o surgimento da mesma justamente durante um dos momentos de maior energia a representar esse viver, o Carnaval, quando Carluce nos conta sobre a chegada de um rebento de forma a nos fazer ouvir o som do trio elétrico em frente à Casa d'Italia durante o desespero de um parto prematuro e inesperado que ocorre nos dias de folia.
Sua narrativa nos faz sentir o cheiro de suor, o desespero e a adrenalina dos pais de sua protagonista que, ainda aos cinco anos de idade, sagaz e precoce com pensamentos à frente de sua idade, percebe a chegada de seu irmão como forma de encarar essa maturidade que lhe invade do mesmo modo que o som retumbante dos caixas acústicas da carreta musical faz tremer seu corpo diminuto ao ponto de lhe causar dor de barriga.
Vida como algo a mais
A mesma origem de sensações, anos depois, percorre o corpo da mulher Bebel não mais a lhe causar qualquer ímpeto de desconforto intestinal, mas, sim, lhe ativando sensações libidinosas. Em diferentes momentos da vida daquela mulher, o pertencimento a um lugar como Salvador lhe surge como um arrebatamento.
A morte como rima temática e contrastante de dois momentos distintos lhe é apresentada, também, em um carnaval anos depois daquele que representou a chegada de seu irmão. Aquela outra festa de momo, porém, mudará sua vida de uma forma diferente daquela que representara a vinda prematura de seu irmão.
Na chegada da notícia fúnebre, a pressa "para sofrer tudo logo de vez" é uma das definições que o texto de Carluce traz de maneira precisa, a encontrar palavras materiais em sensações que não conseguimos definir em vernáculo. E quando lemos, a percepção é algo a nos surpreender por conseguir definir com exatidão o que antes parecia perdido em pensamentos.
Mas é a partir dessa pressa em se curar que a personagem central de Aos Que Morrem em Silêncio encontrará sua forma de sair da inércia para seguir em frente em uma vida que buscava para além de sua profissão do Direito. Naquele momento de morte, foi sua vida que passou a mudar. Na passagem de sua Salvador natal e a São Paulo pela qual se reencontra nas memórias de seu avô e tia, quando reconhece o ambiente do sebo lhe é tão familiar (cheiro e lugar como sensação de pertencimento, lembra?), uma mudança de vida se apresenta a Bebel como uma maneira de reforçar aquela citada sensação. Dos processos e leis soteropolitanos, às prateleiras de livros em caracol de São Paulo, chegando ao tablado e às mudanças definitivas de sua vida.
Para Bebel, quando pertencer e se perceber como parte confortável de um todo, seja ele afetivo como um abraço ou somente geográfico (quando muitos lugares nos trazem essa sensação em aromas e toques, eles se tornam mais do que apenas isso), a vida passa a ser algo a mais. Algo que, sim, terminará em silêncio, mas não sem antes ribombar em sons musicais e de prazer.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes