ARTES CÊNICAS
Ariano Suassuna através de três peças de teatro
Universo sertanejo e seus personagens caricatos celebram a obra do dramaturgo paraibano
Por Eugênio Afonso
Desde o segundo semestre do ano passado, quando Salvador recebeu a exposição sobre a vertente cultural e artística conhecida como armorial, movimento criado e liderado por Ariano Suassuna (1927 - 2014), que o escritor e dramaturgo paraibano tem estado em evidência na capital baiana.
Até porque, além dos museus, os cinemas soteropolitanos também celebram Suasssuna com a exibição da continuação do filme O Auto da Compadecida, talvez a obra mais icônica do mestre. E agora é a vez do teatro também prestar sua homenagem com o Tríduo Ariano Suassuna, do grupo baiano Centro Cultural Ensaio.
Com direção e encenação de Fábio Tavares (Lenda das Yabás), três espetáculos – Auto da Compadecida, O Santo e a Porca e Farsa da Boa Preguiça – baseados em obras célebres do escritor paraibano, estarão em cartaz em Salvador a partir de hoje, revezando dias e horários, mas sempre no teatro Jorge Amado (Pituba), até o dia 2 de fevereiro.
Segundo Fábio, Suassuna foi um autor que exaltava o Brasil através de suas personagens e que deixou um legado em diversas áreas artísticas, sobretudo no teatro.
“Tenho muito interesse em falar, trazer à tona espetáculos que falem do Brasil, desse Brasil que mesmo na dificuldade leva tudo com um humor quase inocente, quase como uma válvula de escape para sobreviver à realidade de um país tão generoso e cruel com seu povo”, diz Fábio.
Ele detalha a escolha das três peças. “Auto da Compadecida certamente é um dos espetáculos que mais estão na memória emocional dos brasileiros, O Santo e a Porca e Farsa da Boa Preguiça são espetáculos que completam uma trilogia de exaltação à arte nordestina e, em comum, trazem humor e forte consciência política”.
Vivências nordestinas
Composto basicamente pelos mesmos artistas – com algumas variações de uma peça para outra –, o elenco é formado por Amanda Cambeses, Arthur Celis, Augusto Barbosa, Duda Lemos, Fábio Tavares, Juliana Costa, Lis Gabrieli, Lucas Teixeira, Luís Muniz, Maria Franco, Pablo de Carvalho, Ramon Almeida, Samuel Ferreira, Tarciso Ivo e Thales Moreira.
Para a baiana Juliana Costa, 29, que vive Severina de Aracaju (Auto da Compadecida), Margarida (O Santo e a Porca) e Andreza (Farsa da Boa Preguiça), fazer parte de um projeto como o tríduo é, além de uma imensa responsabilidade, uma grande honra.
“A obra de Suassuna perpassa a minha vida desde muito nova, quando aos 12 anos li O Auto da Compadecida e assisti ao filme. Muito me orgulha fazer parte da construção de um projeto que tanto valoriza, enaltece e preserva a cultura brasileira e nordestina, as raízes sertanejas de um povo que padece de fome e sede, mas jamais perde a poesia nas suas vivências”, ressalta a atriz.
Peripécias rocambolescas
Nesta temporada, o espetáculo Auto da Compadecida – sempre às sextas e sábados – ganhou uma pequena alteração na estrutura do roteiro, que agora inicia pelo fim, ou seja, os personagens já começam mortos, no céu, e a trama se desenrola contando como eles chegaram ali.
Isso permitiu uma dilatação no tempo e a criação de situações inusitadas, que estavam contidas no subtexto, e que agora dão mais vida e comicidade às peripécias dos dois anti-heróis, malandros e mentirosos, João Grilo e Chicó.
“Faço o João Grilo desde a nossa primeira montagem, em 2022, e é uma felicidade gigante fazer esse personagem tão marcante da nossa cultura, um nordestino, um herói, um sobrevivente, inteligente que permeia e move toda a história”, informa Thales Moreira, 27, que vive também Eudoro Vicente, um velho fazendeiro rico de O Santo e a Porca, e Quebrapedra, um dos três demônios de Farsa da boa Preguiça.
O texto é um clássico da dramaturgia nordestina que, com muito humor, expõe críticas sociais, reflexões de ordem moral, boas doses de sarcasmo e um astuto olhar sobre sérios problemas ainda encontrados nos dias atuais.
Críticas sociais
Já O Santo e a Porca, em cartaz aos domingos (dias 12 e 26 de janeiro), traz à tona as peripécias do avarento Euricão Árabe, devoto fervoroso de Santo Antônio, que guarda uma misteriosa porca de madeira, onde esconde seu dinheiro.
“Sou Eurico Árabe (Euricão Engole-Cobra), versão sertaneja de uma figura antológica no teatro ocidental: o avarento. Devoto de Santo Antônio, ele tem um segredo guardado em uma porquinha de madeira, o que gera muita confusão nessa história repleta de disfarces, enganação e personagens enamorados”, revela Augusto Barbosa, que também faz Padre João, em Auto da Compadecida, e Aderaldo Catacão, em Farsa da Boa Preguiça.
Inspirado na clássica obra de Plauto, O Santo e a Porca tem uma trama repleta de comicidade, romance e religiosidade costurada pela esperta Caroba, empregada doméstica que, com seus planos mirabolantes, irá ajudar a si mesma e às demais personagens a realizar seus sonhados casamentos. Para isso, precisará driblar Eurico Árabe, seu patrão sovina. Ariano subverte a tradicional figura do rico avarento, além de, mais uma vez, enaltecer a cultura sertaneja.
A terceira história, Farsa da Boa Preguiça – que também será aos domingos (19 de janeiro e 2 de fevereiro) –, originalmente escrita em 1960, é uma comédia que combina o lirismo da literatura de cordel com as críticas sociais típicas do teatro de Suassuna.
A peça narra, com humor e ironia, a história de Joaquim Simão, um poeta preguiçoso, mas de alma generosa, que vive no sertão nordestino com sua esposa sob o sedento olhar do rico casal Aderaldo e Clarabela Catacão. Entre intrigas, personagens caricatos e muitas reviravoltas, a peça explora temas como a valorização da cultura popular, a ganância e as contradições humanas.
Neste confronto entre ricos e pobres, fazendeiros e poetas, trabalho e preguiça, Suassuna faz uma ode ao ócio criativo em um texto com teor político muito forte. O discurso final do personagem Aderaldo Catacão pode ser considerado um marco poderoso da literatura brasileira.
Mais informações, com detalhes sobre dias e horários, podem ser encontradas no Instagram @autodacompadecidabr.
Auto da Compadecida / 10, 11, 17, 18, 24, 25, 31 de Jan e 1º de Fev / 20h / Entre R$ 40 e R$ 150 / O Santo e a Porca / 12 e 26 de Jan / 19h / R$ 40 e R$ 80 / Farsa da Boa Preguiça / 19 de Jan e 02 de Fev / 19h / R$ 40 e R$ 80 / Teatro Jorge Amado (Av. Manoel Dias da Silva, 2177, Pituba) / Vendas: Sympla
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