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Baianos adeptos do poliamor falam sobre Dia dos Namorados

Publicado terça-feira, 12 de junho de 2018 às 15:40 h | Atualizado em 21/01/2021, 00:00 | Autor: Por Bianca Carneiro*
Namorados há 6 anos, a produtora cultural Verena e o estudante Orlando mantém um relacionamento poliamoroso
Namorados há 6 anos, a produtora cultural Verena e o estudante Orlando mantém um relacionamento poliamoroso -

Amor com liberdade e chance de escolhas. Essa é a proposta dos relacionamentos livres, onde, diferentemente das relações monogâmicas, o casal vive a experiência de poder se relacionar com outras pessoas. Denomina-se “poliamor” a possibilidade de estabelecer consensualmente vínculos amorosos e ou/sexuais com mais de uma pessoa, simultaneamente.

Assim, o casal pode até mesmo amar a outros que não sejam seus parceiros. Porém, quando o envolvimento com terceiros fica apenas no campo do sexo, mantendo o amor só para si, o casal vive então, um relacionamento aberto. Neste Dia dos Namorados, o A TARDE conversou com quatro casais baianos que vivem relações livres para entender um pouco mais dos seus sentimentos e intimidade.

Adeptos do poliamorismo, o cantor e compositor Jonga Lima, de 49 anos, e a professora de Educação Física, Mônica Jurberg, de 50, nunca tiveram um relacionamento monogâmico. Casados há 27 anos, Jonga e Mônica já conviveram com outras pessoas paralelamente. Isto resultou no nascimento de uma criança filha de outro parceiro de Mônica. Porém, hoje em dia, os dois só se relacionam entre si. “Ao longo da nossa relação, nós namoramos outras pessoas. Atualmente só namoro com Mônica, não por imposição ou regra. Mas se eu ou ela tivermos vontade e acontecer outro relacionamento, não seria traição, pois escolhemos amar assim”, explica Jonga.

A família tem quatro filhos: uma menina de 13 anos, e três homens de 27, 19 e 22 anos. Sobre os impactos que a adoção deste tipo de relacionamento causou nos filhos, o músico diz que o casal não opina nos relacionamentos amorosos deles. “Eles vivem o dia a dia conosco para tirar suas próprias conclusões. Já aconteceu de um deles falar que não tem obrigação de seguir nosso exemplo e eu concordo, pois para a gente, isso não é uma regra, é uma escolha. Falo apenas para que nas suas escolhas amorosas, eles sejam sinceros, verdadeiros e intensos. Essa é a receita da felicidade”, comenta Jonga.

Não é questão de ir só para pegar a pessoa. Nesse movimento, a gente troca ideia, conhecimento, carinho, apoio nos momentos difíceis.

Segundo a pesquisadora do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS) da Ufba, Mônica Barbosa, existem duas características principais no poliamor: a liberdade e a individualidade das pessoas implicadas. Porém, a especialista alerta que na prática, nem sempre se consegue atingir um ponto ideal.

“Às vezes, as pessoas carregam vícios da monogamia, como querer controlar as relações do outro. É importante ter em mente que quase ninguém chega pronto e acabado ao poliamor e que o equilíbrio é uma conquista conjunta e muito dialogada”, afirma. Mônica é também autora do livro "Poliamor e Relações Livres: do amor à militância contra a monogamia compulsória", que fala sobre as particularidades do poliamor e discute a monogamia.

Foi o que aconteceu com a estudante de 22 anos, Monalisa Oliveira. Ela e o namorado, o administrador Leandro Rios, 27 anos, mantém um relacionamento aberto. Ela conta que no início foi difícil se adaptar a uma união livre. “No começo do namoro, não era claro para mim as expectativas quanto ao nosso relacionamento, pois eu ainda estava vinculada a questão de apego. Em um certo momento, cheguei a pensar que queria um namoro padrão, mas isso só durou uma semana. Gosto de ser livre, de seguir meus desejos sem culpas, mas com respeito, claro”, diz.

O comportamento sexual e amoroso depende de diversos fatores como época, sociedade e região. A relação monogâmica está fortemente ligada a narrativa de amor romântico, onde se convenciona a existência de uma única pessoa “certa”. Para o sociólogo e pesquisador, Fábio Baldaia, as músicas sertanejas, o rock, o pagode romântico, e outras manifestações sociais, contribuem para reforçar o amor romântico.

“Tudo gira em torno dessa ideia de monogamia. Logo, o que vier fora disso, é considerado algo que foge do normal. O grande marco para a transição desse pensamento se dá a partir da década de 60, com o surgimento da pílula anticoncepcional e do feminismo, onde a partir desses movimentos, se começa a questionar a monogamia como padrão”, explica.

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O músico Jonga Lima e a professora Mônica Jurberg mantém um casamento com poliamor há 27 anos

Ciúmes com moderação

Apesar da premissa dos relacionamentos livres ser a da liberdade sexual e também afetiva, muitos casais ainda estão aprendendo a lidar com o ciúmes, que eventualmente acaba aparecendo geralmente quando o companheiro dá uma atenção maior aos outros ficantes. A produtora cultural Verena Guimarães, 26, vive um poliamor com o estudante de Física, Orlando Moura, 23.

Juntos há cerca de 6 anos, Orlando atualmente mantém um relacionamento fixo de um ano com outra estudante e diz que existe muito diálogo na relação dos três. “Se algo incomodar a ela ou a mim nos sentamos e discutimos sobre o que fazer”, explica. Verena, que também possuía uma outra relação por um ano, conta que o segredo para driblar o ciúme é não se comparar aos outros parceiros.

“A gente sente ciúmes um do outro, sim. Mas, entendemos que cada pessoa e sua relação é diferente uma da outra. Tentamos não comparar, pois cada pessoa com quem estamos é única”, fala. A produtora afirma ainda, que possui uma ótima relação com a ficante do seu namorado, e que as duas planejam escrever juntas em um blog. 

Para o também poliamorista Jonga, as dificuldades de um casal livre são as mesmas de um relacionamento monogâmico convencional. Ele conta sobre um dos episódios de ciúmes mais engraçados que o casal já viveu.

“Como moramos separados, certa vez, ela foi lá na minha casa, enquanto eu estava fora. Ao entrar no meu quarto, percebeu que eu havia namorado alguém. Ela ficou muito triste e enciumada e então, decidiu manifestar o que sentia. Foi num lugar, comprou um spray e pichou na parede do meu quarto: ‘te amo’. Quando cheguei em casa, achei aquilo muito bonito, o que seria uma demonstração de raiva, virou uma prova de amor”, admite aos risos.

Nesse sentido, a estudante de Serviço Social, Tallitha Mercês, de 25 anos, afirma que o ciúmes e outras dificuldades dos relacionamentos livres vêm de padrões da sociedade, que tentam ensinar maneiras corretas e erradas de amar e de viver uma relação. “Mesmo após 2 relacionamentos abertos, eu ainda me considero em processo de desconstrução desses conceitos”, fala.

Já me falaram que não podia haver amor nessa relação. Acredito no amor como cuidado, como respeito, e não como possessão, onde a pessoa fica só para mim

Thallitha atualmente mantém um namoro aberto com um outro estudante e é bissexual, ou seja, se relaciona com homens e mulheres, sem preferência de gênero. Ela também conta que não descarta voltar a monogamia. “Acho que o importante é entender e viver o que melhor funciona pra você, livre das convenções sociais do que é aceito como correto”.

É amor, sim!

Os casais insistem em afirmar: se relacionar em paralelo com outras pessoas, não exclui o amor que sentem por seus parceiros. Para Verena e Orlando, envolver terceiros no seu relacionamento não é feito meramente para suprir necessidades sexuais. “Nesse movimento não existe só uma troca sexual, existe sentimento, a gente troca ideia, conhecimento, carinho, apoio em momentos difíceis. Vimos que dava pra ficar apaixonado e ficar com outras pessoas.”, explica.

Jonga frisa que mesmo podendo estar conhecendo outras pessoas, sente muito amor por Mônica. “O que mais gosto na nossa relação é a cumplicidade. Somos muito amigos, e tem o sexo também, que é muito bom e importante (risos). Ninguém jamais amou Mônica como eu amei. Por isso que estou com ela até hoje”.

Julgam as relações abertas como relações onde o sentimento é inferior ao de uma relação monogâmica. Antes eu perdia bastante tempo e paciência (risos) tentando explicar que nada disso é verdade, mas hoje em dia eu prefiro ignorar certos comentários

“Já me falaram que não podia haver amor nessa relação. Acredito no amor como cuidado, como respeito, e não como possessão, onde a pessoa fica só para mim”, diz Monalisa. Ela conta ainda, que pretende, em um futuro próximo se casar com Leandro.

Mais amor, menos preconceito

Quando se fala em preconceito, praticamente todos os casais afirmam que são mal compreendidos na sua forma de amar, principalmente por sua família e amigos. “Acho que a nossa maior dificuldade é realmente fazer os mais próximos entenderem. Tem essa ideia de promiscuidade e DST’s. Além disso, as pessoas questionam meu sentimento por ele. Acham que nosso relacionamento é uma fase, que vai passar”, diz Verena.

No caso de Jonga, ele conta que no passado, alguns familiares pararam de falar com ele e com Mônica, e só se reaproximaram após o nascimento da sua filha caçula, Amora.

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A estudante Monalisa Oliveira vive um relacionamento aberto, mas não descarta a possibilidade de casar

E o que fazer diante do preconceito? Thalita optou por parar de responder. “Julgam as relações abertas como relações onde o sentimento é inferior ao de uma relação monogâmica. Antes eu perdia bastante tempo e paciência (risos) tentando explicar que nada disso é verdade, mas hoje em dia eu prefiro ignorar certos comentários”, admite.

Orlando conta também, que já ouviu diversos tipos de colocações sobre o seu namoro com Verena e explica que a sua forma de relacionar não deve ser vista como anormal . “O relacionamento livre é só mais um tipo de relacionamento, não significa que é melhor ou como já ouvi muitas vezes ‘mais evoluído’. Cada pessoa tem uma forma diferente de se relacionar segundo suas vivências”, fala.

Para a gente, todo dia é dia dos namorados. Temos que ser intensos todos os dias, pois a batalha pela conquista é diária

​Para a pesquisadora, a dificuldade em aceitar as particularidades de um relacionamento livre se baseia em um padrão de casal e romance ideal. “Vivemos numa sociedade que privilegia o modelo ‘casal heterossexual monogâmico cisgênero’. Cotidianamente, somos inundados pelas ​narrativas do amor romântico: novelas, músicas, filmes, estereótipos. Tudo leva as pessoas a acreditarem que há uma única forma de viver o amor e que todas as pessoas têm acesso irrestrito a ele”, explica.

Já o sociólogo acredita que a tendência para o futuro é que essas diversas modalidades de relacionamento, comecem a ser enxergadas como sendo possíveis. “Tudo isso é construção social, que vai se alterando com a politização da vida íntima, onde se debate a maneira de como você se porta nos relacionamentos. Há uma tendência de que essas ideias se disseminem, sejam consolidadas”, aposta Baldaia.

E o Dia dos Namorados?

Sobre os planos para o 12 de junho, a maioria afirma que não dá muita importância para a data, mas que passarão juntos. “A gente comemora o nosso tempo juntos a partir da data do primeiro beijo, pois ele não me pediu em namoro. No ano passado, saímos eu, Orlando e a ficante dele para comemorar a data (risos). Esse ano vamos trocar presentes e fazer algo em casa mesmo”, conta Verena.

*Sob a supervisão da editora Maiara Lopes

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Jonga, Mônica e seus quatro filhos

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