CULTURA
Baseado em livro do escritor argentino, Johhny Hooker lança 3º disco
São 13 faixas que desenham a narrativa de um tempo onde a perseguição às minorias encontrava eco nas forças políticas
Por Eugênio Afonso
“Com histórias e alusões à cópula, obriga o outro a manifestar suas pretensões eróticas. Nisto há uma prudência elementar e também delicadeza: não quer que ninguém proceda contra a vontade. Além disso, sai ganhando na estima do companheiro; dá-lhe a sensação de ser audaz, viril e dominador, qualidade que todo homem, mesmo instintivamente, deseja possuir”.
Esse é um pequeno trecho do romance-diário Orgia, do escritor argentino Tulio Carella (1912/1979), que se passa na cidade do Recife, nos anos de 1960, e narra uma série de aventuras sexuais vividas pelo autor nos ambientes do submundo da cidade portuária. Tulio era gay e foi inspirado nesse livro que o cantor e compositor pernambucano Johnny Hooker, 34, acaba de lançar ØRGIA, seu terceiro disco de estúdio, já disponível nos principais tocadores virtuais de música.
São 13 faixas que, assim como o livro homônimo de Carella, buscam desenhar a narrativa de um tempo onde a perseguição às minorias encontrava eco nas forças políticas vigentes. E assim como em um livro, o artista, que desde o início da carreira tem construído uma trajetória musical focada no homoerotismo, apresenta a história em três atos e um epílogo.
“Me deparei com este livro, que é um clássico LGBTQIA+, durante a pandemia, e senti uma identificação muito grande com os sentimentos do autor e com os tempos em que a gente vive no Brasil. É um disco intenso e diz muito sobre o contexto político e social brasileiro atual. Acho que é um tipo de trabalho que fica como um legado, uma forma de registro do tempo que a gente viveu. Quem ouvir o disco daqui a cinco décadas vai conseguir entender como é o cenário que vivemos agora”, acredita Hooker.
Com predominância de sons latinos, o álbum é composto pelas canções A Cidade do Desejo, Amante de Aluguel, Nos Braços de Um Estranho, Só Pra Ser Teu Homem, Cuba, Maré, Eu Te Desafio a Me Amar, Estandarte, Nossa Senhora da Encruzilhada, Abrigo, Larga Esse Boy, NHAC.
E finaliza, no epílogo, com uma versão em espanhol de Volta, do próprio Hooker, agora como Vuelve, adaptação de Julia Konrad. Algumas faixas chegam com participação: Jáder (Larga Esse Boy), Silva (Maré) e CHAMELEO (NHAC).
Dez são autorais, algumas em parceria, e três de outros compositores: Maré (Juliano Holanda), Larga Esse Boy (Jáder Cabral), NSRA das Encruzilhadas (Filipe Catto).
“É um disco bem segmentado que se conecta entre as faixas e conta uma história. É uma orgia de ritmos, mesmo, e une todas as minhas nuances. Passeia do brega ao forró, do samba ao flamenco e do pop à experimentação”, entrega o cantor.
Combate e frustração
Nascido John Donovan Maia e com um timbre vocal bem peculiar, Hooker se identifica com a obra de Tulio a partir do momento em que, assim como o escritor argentino, precisa lidar com forças políticas e sexuais opressoras, só que desta vez em pleno século 21.
O artista endossa que a ideia do disco é deixar um retrato desse tempo em que vivemos. “A arte e a música são transformadoras e deixam um legado do seu tempo. Essa é a minha ideia com esse disco. É um desabafo, um pedido de socorro, uma orgia de sentimentos e ritmos”.
O curioso é que no release de divulgação do disco tem mesmo um ‘pedido de socorro’. Diz assim: ØRGIA é talvez um disco de despedida. O artista alega que fala em desistir porque considera quase impossível competir com esquemas multimilionários que privilegiam outros nichos musicais.
“Como artista independente no Brasil, eu acho muito difícil encontrar uma saída nos dias de hoje. Principalmente, depois desses anos de pandemia, sinto que as poucas portas que haviam sido abertas anteriormente foram todas fechadas. A gente compete com esquemas e máquinas muito grandes e muito bem estruturadas. Tenho uma turnê na Europa, depois farei uma turnê no Brasil e tenho shows agendados até o ano que vem, mas talvez seja a hora de pensar em mudar um pouco o foco. Eu tenho experiência como ator, dirijo quase todos os meus clipes e a arte me atravessa de diversas formas. Amo compor e cantar, mas tem sido muito difícil”, desabafa Hooker.
E complementa dizendo que espera deixar uma marca positiva em quem o escuta. “Como disse anteriormente, espero poder deixar um legado. Que esse disco, assim como os outros, consiga ser um retrato do tempo em que foi produzido e lançado”, conclui o artista.
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