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ESTREIA

‘Brazyl - uma ópera tragicrônica’ articula teatro e pintura

Novo filme do cineasta baiano José Walter Lima reflete nosso absurdo tropical

Por Albenísio Fonseca

15/11/2024 - 5:00 h
‘Brazyl - uma ópera tragicrônica’
‘Brazyl - uma ópera tragicrônica’ -

Muito mais que uma crônica trágica da história moderna e contemporânea do país – uma ópera viva, estilhaçada; um manifesto. Sim, assim é Brazyl - uma ópera tragicrônica, de José Walter Lima: tão antropofágico quanto o de Oswald de Andrade, sob a égide épica do resgate da epopeia fílmica de Glauber Rocha, revisitada e ampliada.

Com pré-estreia no último dia 11, no Cinesystem Frei Caneca, em São Paulo, sob o ato político "Cinema contra o fascismo e a barbárie", o filme foi lançado em âmbito nacional hoje. Em Salvador, é exibido no Circuito SaladeArte, no Cinema do Museu Geológico, no Corredor da Vitória, às 19h.

Certo é que ninguém sai ileso dessa sessão de cinema em mescla com as linguagens teatral, musical e plástica a nos circunscrever sem o distanciamento brechtiano. A história de Brazyl - Uma Ópera Tragicrônica, narrada em imagens que nos atravessam a pele e eclodem as consciências, como diríamos de um certeiro soco no estômago de toda desapercebida ingenuidade e na nossa frágil cidadania a transitar no fio da navalha.

A um só tempo, é o corte, a ruptura e a sutura – enquanto conjunto de manobras realizadas para unir tecidos com a finalidade de restituir a anatomia funcional das mil e uma faces desses tantos brasis.

Isso a significar o quanto o sucesso do impacto dessa recomposição e desvelamento dos fatos e seus conflitos, envolve não apenas o aspecto estético visual, mas a funcionalidade da verdade escancarada da história, revolvida na superfície áspera da cicatriz exposta.

Sim, qual delírio recortado do imaginário e gravado nesse tecido social, finalmente suturado pelo cineasta e dramaturgo baiano José Walter Lima em sua mais recente investida cinematográfica. Uma abordagem sob o espírito da vanguarda, mobilizada contra o fascismo e a barbárie

Brazyl - Uma ópera tragicrônica, é mais provocativo do que se há de imaginar. É escaldante. É tórrido. Hilário. Sarcástico. Fulminante. Tal qual uma cacetada na moleira, é o desmantelo, na nossa cara. Eis a ópera brasiliana da decadência fulgurante.

O que se verá nas telas é um filme que reinventa a cena cinematográfica do Brazyl, significado em si, sobre a própria grafia ou sua nomenclatura. Com Z e Y. Experimental. De autor. Sob o hálito da "Boca do lixo". Para além do conceito do "Cinema Marginal".

Onde se busque estilo, José Walter Lima nos contempla com a denúncia, grave, de uma realidade em estilhaços e acrescido de um rap, ilustrado pela artista plástica Lílian Morais, enfatizado pelo refrão: "Sim, todos sabem o quanto a coisa é séria / nós sabemos quem são os causadores da nossa miséria".

Em tom radiofônico: o que trazemos até vocês, senhoras e senhores, é isto: Brazyl - Uma Ópera Tragicrônica. Desde já, recomendamos: apertem os cintos. O que vocês verão, conforme o próprio diretor, é "um filme-manifesto; "uma jogralesca política sobre os causadores da nossa miséria; um impactante tapa na cara da República dos Canalhas".

Carregado de "fragmentos nucleares sobre o império da corrupção e da bala perdida, um discurso delirante sobre o Brasil contemporâneo", como estipula o cineasta. Em meio ao luxo descabido, o lixo sem limites de uma sociedade degradada.

Realidade social e política

De acordo com José Walter Lima, o longa-metragem é uma mescla das linguagens ficcional, teatral e cinematográfica. "Reflete parte da nossa realidade social e política, refazendo e pontuando episódios importantes desde a década de 1930 do século XX até os dias atuais, num caminho que compreende a interrupção da democracia sob a ditadura militar (1964 - 1985) até o processo de redemocratização do país, notadamente os descalabros dos governos Temer e Bolsonaro”.

“A produção do filme durou dois anos e acompanhou o fim da pandemia e do governo do presidente Jair Bolsonaro. A ascensão da extrema direita no Brasil foi um estímulo para o argumento da obra", ressalta. O longa - segundo ele - é “uma panorâmica desse país que é dominado pela injustiça social e por uma elite colonizada que não abre mão de nada".

O diretor, em sua ampla atuação como cineasta e produtor cultural, conceitua Brazyl como "uma narrativa ficcional inspirada em fatos reais, através de um manifesto épico delirante sobre o Brasil contemporâneo, um zeitgeist – o espírito de uma época e suas raízes históricas – encharcado de coca-cola e hipocrisias".

Conforme Lima, em seu roteiro e adaptação do texto cênico Brazyl: Poema Anarco-tropicalista, montado, em 2019, no Teatro Oficina, em São Paulo, o filme, como a peça, "promove uma leitura fragmentada da antropofagia de Oswald de Andrade", a demonstrar a retórica do ódio predominante "em uma nação já espoliada pela classe dominante e pelo capital internacional".

José Walter Lima, além de cineasta e dramaturgo, é artista plástico e produtor cultural. Com inúmeros curtas e séries já produzidos, é dele, ainda, as direções de Rogério Duarte, o tropikaoslista, Antônio Conselheiro, o taumaturgo dos sertões, e a co-produção do longa-metragem Dawson Isla 10, dirigido pelo chileno Miguel Littin, em 2009, sobre a prisão dos ministros do governo Salvador Allende, do Chile, deposto por golpe de estado em 1973, entre suas produções mais recentes.

Brazyl - Uma Ópera Tragicrônica, integra o projeto Distribuição de Longas Bahia, da Abará Filmes, do também cineasta Vítor Rocha, e conta com apoio da Lei Paulo Gustavo, via Secretaria da Cultura do Estado da Bahia.

Brazyl – Uma Ópera Tragicrônica / Dir.: José Walter Lima / Com Clara Paixão, Clovys Torres, Lucas Valadares, Rosana Judkowitch, Vanessa Carvalho, Wagner Vaz / Salas e horários: cinema.atarde.com.br

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