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30/07/2023 às 6:33 - há XX semanas | Autor: Rafael Carvalho | Crítico de cinema

CULTURA

Bressane relê ‘Dom Casmurro’ em Capitu e o Capítulo

Confira a analise feita pelo crítico de cinema Rafael Carvalho

Imagem ilustrativa da imagem Bressane relê ‘Dom Casmurro’ em Capitu e o Capítulo
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No Festival de Roterdã deste ano, Júlio Bressane apresentou seu mais recente trabalho: A Longa Viagem do Ônibus Amarelo, um filme de pouco mais de sete horas de duração que sintetiza sua longeva obra, com recortes de grande parte dos seus filmes, sem narração, sem explicação racional, apenas como evocação da força das imagens e dos sons que ele construiu ao longo da sua carreira.

É esse tipo de ímpeto audacioso que faz de Bressane um dos mais vigorosos cineastas em atividade hoje em dia no Brasil, ele que foi nome fundamental do chamado Cinema Marginal (ou Cinema de Invenção, como também passou a ser citado) ao lado de Rogério Sganzerla e Andrea Tonacci, ainda nos anos 1960.

Chega agora aos cinemas seu longa anterior, releitura livre sobre uma das personagens mais icônicas da literatura brasileira: Capitu, sobre quem recai a eterna dúvida sobre se teria traído ou não seu marido Bentinho, em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Mas o interesse de Bressane passa ao largo dessa interrogação, não só porque os tempos são outros, mas principalmente porque não se espera do cineasta uma abordagem tradicional sobre o que quer que seja.

Pois em Capitu e o Capítulo, os míticos personagens servem ao embaralhamento narrativo proposto por Bressane. Mariana Ximenes dá vida à protagonista, enquanto Vladimir Brichta vive Bentinho.

Há até mesmo uma representação do próprio Machado, interpretado por Enrique Diaz, como narrador (mas também interlocutor dos personagens em cena) a dar o tom de reformulação e teatralidade da coisa toda.

É muito fácil entender que um filme do diretor nunca seria uma adaptação fiel do livro, mas é interessante pensar em Capitu e o Capítulo como tributário de um enredo e de personagens icônicos que Bressane manipula aqui a dar-lhes uma vida e uma disposição outra. Não mais vivaz do que na obra machadiana, apenas em outro tom, mais farsesco e atrevido, além daquela postura e impostação barrocas, preservando a natureza dos seus personagens.

Capitu continua dúbia e abusada, Bentinho segue vacilante, Escobar (Saulo Rodrigues) se faz de desentendido na sua esperteza; a Sancha de Djin Sganzerla é a que mais surpreende como essa femme fatale a conquistar seu espaço – as mulheres no filme, aliás, são declaradamente impositivas, nada recatadas, com ares de pantera.

Literatura e teatro

A matriz para a composição do longa é a literatura, mas há de se pontuar a presença de uma teatralidade muito forte aqui, especialmente na marcação dos atores em cena e nos movimentos dos corpos, já que a maioria dos planos são filmados com câmera estática e em tempo estendido.

Em alguns momentos, os atores se posicionam no quadro como se reproduzissem uma pintura – a relação de Bressane com a arte pictórica é algo bastante notável neste e em demais filmes, dadas as muitas peças de arte que encontramos nos cenários –, quase como um tableau vivant de formas e gestos cuidadosamente estudados. Em outros casos, é o próprio movimento dos corpos que dá a energia da cena.

Quando Bentinho vê seu filho recém-nascido e o acha muito parecido com Escobar, a dúvida e o ciúme lhe corroem tanto que seu corpo treme, seu gestual se torna descontrolado, enquanto tudo ao redor segue na mais pura tranquilidade. Bressane trabalha com a impostação, com o gesto pronunciado, seja nas falas elaboradas (a presença de Machado de Assis acrescenta um tanto de força erudita ao conjunto da obra), seja na composição visual do filme ou na maneira de dispor os atores no quadro.

É a partir desse jogo de recomposições e referências muito caras a seu cinema que o diretor revira do avesso um clássico literário e constrói um saboroso estudo de personagens e de cena.

Capitu e o Capítulo é uma obra de maturidade do realizador, um prato cheio para um inventor de formas como o Bressane, que vive um momento muito frutífero e luminoso de sua carreira.

O cineasta é desses que envelhece – conta atualmente com 77 anos –, mas não perde o viço juvenil, a disposição criadora e o interesse no cinema como invenção. Desde o final dos anos 1960, ele vem fazendo filmes nada convencionais como Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), O Anjo Nasceu (1969) e Memórias de um Estrangulador de Loiras (1971). Já havia adaptado Machado de Assis em Brás Cubas (1985) – mais uma reinvenção de um mítico personagem machadiano – e em A Erva do Rato (2008).

Em Capitu e o Capítulo, ele dá mais um passo nessa trajetória fecunda de audácia criativa. Com uma montagem que engloba excertos de outras obras suas, quebrando a rota convencional da trama, e até mesmo com uma curiosa cena pós-crédito, Bressane mostra-se mais interessado no jogo de cena dos possíveis, entre o clássico e o moderno atualizado.

CAPITU E O CAPÍTULO / Dir.: Julio Bressane / Com Mariana Ximenes, Enrique Diaz, Vladimir Brichta, Djin Sganzerla, Saulo Rodrigues / Salas e horários: cinema.atarde.com.br

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