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CULTURA

CAIXA Cultural abre exposição sobre 50 anos de carreira de Lita Cerqueira

Lita Cerqueira é fotógrafa baiana

Por Maria Raquel Brito*

21/10/2024 - 4:00 h
Jogo de capoeira Mestre Cebolinha
Jogo de capoeira Mestre Cebolinha -

Lita Cerqueira sabe que nasceu para a arte. Começou atuando, mas se afastou pouco tempo depois: “Tinha que esperar alguém chamar para trabalhar, e eu não tinha família rica”, conta. No início da década de 1970, uma amiga percebeu seu talento para a fotografia e lhe presenteou com uma câmera. Desse ponto em diante nunca mais parou: o mundo da fotografia passou a ser o seu mundo.

Dos 72 anos de vida, Lita dedicou os últimos 50 à fotografia, o que faz com que ela seja considerada a primeira fotógrafa negra da Bahia. Para celebrar sua carreira e sua obra, em que retrata a cultura e a vida do povo negro, a Caixa Cultural Salvador organizou a exposição O Povo Negro é o Meu Povo – Lita Cerqueira, 50 Anos de Fotografia. A abertura acontece nesta terça-feira, às 19h, e a visitação segue até 29 de dezembro, das 9h às 17h30, com entrada gratuita.

A mostra reúne as principais obras da artista, que, com uma câmera analógica nas mãos, registrou nas últimas cinco décadas o cotidiano, manifestações culturais e de ancestralidade como rodas de capoeira e a procissão de Santo Amaro, e também momentos intimistas de nomes como os Doces Bárbaros. Tudo isso resultou num acervo de mais de 50 mil imagens, com obras em preto e branco de uma das mais ecléticas produções fotográficas do fim do século XX e início do XXI. O desafio de selecionar as que entrariam na exposição ficou com a curadora Janaína Damaceno e a coordenadora-geral Lu Araújo.

“Não foi nada fácil fazer seleção das obras da Lita, porque ela tem um arquivo imenso e muito significativo. A gente tinha um universo absurdo de imagens para escolher pouco mais de 50. Mas a intenção era de alguma maneira mostrar um pouco do panorama do que a Lita produziu nessas últimas cinco décadas de fotografia, então dividimos a exposição em eixos que não esgotam, mas sim apresentam a obra dela para um público que ainda não conhece esse trabalho com profundidade”, compartilha Janaína.

A divisão resultou em sete eixos temáticos: no primeiro, “Andar com fé”, é retratado o sagrado afro-brasileiro. No segundo, “Para o mundo ficar Odara”, o destaque é a beleza negra. Em “Zum zum zum”, as fotos são das rodas de capoeira, enquanto “Vou fazer minha folia” tem o carnaval como tema. No quinto eixo, “Filhas de Oxum”, Lita captura a espiritualidade e ancestralidade das festas populares. Já em “Doces Bárbaros” e “Atraca que o Naná vem chegando”, estão os momentos intimistas em que a fotógrafa acompanhou grandes nomes da música popular brasileira.

Para Lu Araújo, as fotos são manifestações de alma. "Ela consegue capturar a essência de cada pessoa, cada momento, com uma sensibilidade única. Lita é uma guardiã da memória do nosso povo", afirma.

Sensibilidade e respeito são palavras-chave no trabalho de Lita. Ninguém que está ali é, para ela, apenas um personagem para a foto: é um processo de troca e intimidade. “Eu não sei fotografar pessoas que eu não conheço. Quando não conheço, passo a conhecer para fotografar. Eu converso antes, fico amiga”, diz a fotógrafa.

Para ela, nascida e criada em Salvador, a cidade mais negra fora do continente africano, registrar o cotidiano da população negra foi algo natural. “Somos 80% da população. Eu nunca precisei procurar, estava lá, na minha frente”, argumenta a artista.

Das imagens, resultaram momentos que ela não se esquece. Um deles foi com uma menina de cerca de oito anos, que, sempre que a via, pedia que Lita a fotografasse. Um dia, em 1976, a artista cedeu: registrou a garota sorridente na escadaria da Igreja do Carmo. A menina gostou tanto da foto que, mesmo mal tendo o que comer, encomendou as fotos para a mãe comprar. Quando soube disso, Lita deu as imagens de presente para ela. Anos depois, a menina, já mulher, foi com os filhos até uma loja onde a foto estava sendo vendida para mostrar aos filhos como ela era.

Em outra ocasião, no lançamento de uma exposição no Museu Afro-Brasileiro da Ufba, um rapaz se surpreendeu ao descobrir que havia uma foto dele, de 26 anos antes, entre as obras expostas. “Ele agradecia, falava como ele era bonito”, conta.

Dama da fotografia

Ao ouvir a pergunta sobre como passou a acompanhar Gil – com quem hoje nutre uma amizade muito bonita – e outros grandes artistas baianos, a resposta de Lita é simples: ia em todos os shows que podia. Lá, trabalhava e também aproveitava. “Eu era fã, tiete. Amo música e gostava de namorar músicos”, brinca.

A conversa, assim como o trabalho de Lita, tem tom de liberdade. Autodidata, ela é a primeira artista de sua família. Ainda jovem, desbravou um universo predominantemente branco e masculino e fez dele o seu próprio, evidenciando as histórias de quem não era visto nos retratos até então.

Em busca da independência, Lita Cerqueira saiu de casa muito cedo. Não aguentava mais conviver com tantos homens na família. Alugou um quarto na Barra, para ficar perto da praia. Depois, conheceu algumas pessoas de São Paulo e não pensou duas vezes antes de embarcar rumo à maior cidade do país, mas não gostou. De lá, o caminho ficou entre Salvador e o Rio de Janeiro, onde vive desde 1972.

A artista conta, em tom de orgulho, que nunca seguiu um padrão em sua fotografia e trabalha para si mesma desde o início. Aos vinte e poucos anos, já fotografava o que gostava, depois tentava vender as imagens para veículos de comunicação e para os próprios artistas. Uma de suas fotos se tornou a contracapa do álbum Cores e Nomes, de Caetano Veloso, lançado em 1982.

Foi também assistente de fotografia em um estúdio de lambe-lambe, e a partir disso começou a exercer com mais frequência a profissão. “Eu gosto muito de fotografar as festas populares, as feiras do interior, quem está ali vendendo, as crianças. E de repente a gente está fazendo uma denúncia sem saber, sobre trabalho infantil, por exemplo. Eu já fotografei crianças vendendo coisas na feira”, conta.

Com obras que transcendem o tempo, Lita já participou de exposições no Brasil, Itália, Alemanha e França, e tem fotos no Acervo da Biblioteca de Paris. Seu trabalho está também na da Pinacoteca de São Paulo e em exposição fixa no Museu Afro Brasil.

Atualmente, a artista participa da exposição Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, em Inhotim, parte integrante da mostra dedicada a Abdias Nascimento. Também está nas mostras Lélia em Nós, no Sesc Vila Mariana em São Paulo, Encruzilhadas da Arte Afro-brasileira no CCBB de Belo Horizonte e na exposição itinerante O que vem de dentro, de Diógenes Moura.

O Povo Negro é o Meu Povo – Lita Cerqueira, 50 Anos de Fotografia / Abertura amanhã (22), 19h / Visitação até 29 de dezembro, de terça-feira a domingo, das 9h às 17h30 / CAIXA Cultural Salvador (Rua Carlos Gomes 57, Centro) / Entrada gratuita / Classificação livre

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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