VISUAIS
Carioca Geraldo Marcolini abre hoje a mostra Olho D’água
Mostra tem elemento água como ponto focal de uma investigação do ato de pintar
Por Chico Castro Jr.
Como a mão humana pode retratar a água em uma tela? Como reproduzir, apenas usando tinta e pincel, o efeito da luz se derramando sobre um igarapé? E a vegetação em volta, majestosamente refletida no espelho d’água, como deve surgir na tela? E o silêncio, quebrado apenas pelo canto dos pássaros e pelo som da marola que banha a beira de um lago, é possível de ser captado em uma pintura? Essas e outras questões surgem à mente quando se observa as obras do artista visual carioca Geraldo Marcolini, que abre hoje a exposição Olho D’água, às 19h30, na Alban Galeria.
A mostra segue em cartaz até o dia 16 de novembro, com visitação de segunda-feira a sábado. A mostra reúne 14 obras em pequenos, médios e grandes formatos.
São trabalhos realizados por Marcolini nos últimos quatro anos, entre eles paisagens aquáticas e algumas cenas de banhistas, que tratam dos efeitos de luz, transparências, reflexos e refrações.
“Essa é minha primeira exposição no Nordeste, então estou super feliz de poder explorar essa terra tão maravilhosa – e a minha relação com a Bahia em especial é de grande admirador da sua cultura e da sua arte, que é tão potente, tão importante historicamente em nosso país”, afirmou Marcolini ao jornal A TARDE.
Mesmo não sendo marinhas, Marcolini acredita que suas paisagens tem grande potencial de tocar o coração encharcado de maresia – seja esta da Baía de Todos os Santos, seja do mar aberto – dos soteropolitanos: “Acho que as pinturas, embora não façam referência direta a qualquer lugar específico, como são paisagens aquáticas, de vegetação nativa, eu acho que guarda sim, uma relação com a Bahia, com Salvador em especial, que é essa cidade linda rodeada por águas, pelo mar, embora minhas paisagens sejam essencialmente fluviais, com rios, igarapés, brejos, locais anônimos”.
“Mas esse elemento está sempre lá, a água, que é o que me interessa trabalhar, a partir justamente desses reflexos da paisagem na água, o movimento que isso ocasiona, a situação pictórica muito plástica, que são esses lençóis d'água, esses afloramentos de água que são tão típicos também, de nossa paisagem no Brasil. Então acho que guarda relação com diversos locais, não só com Salvador”, observa Marcolini.
Permeabilidade das cores
As paisagens que Marcolini mostra em seus quadros não são fruto de sua imaginação: ele reproduz imagens vistas em fotografias das mais diversas origens, inclusive capturadas pela internet.
“Desde o início da minha carreira, a fotografia tem servido de ponto de partida para as pinturas. Busco uma transposição das imagens para a tela que priorize os aspectos inerentes à pintura, como a fatura, as camadas e a fluidez do meio”, justifica o artista.
E é aí, justamente nessa interseção entre fotografia e pintura, que Marcolini faz sua investigação do próprio ato da pintura, de reproduzir em tela o que o olho humano vê na paisagem: “Busco partir de cenas quase sempre anônimas e despovoadas, lugares quaisquer, sem apelo à narrativa, para destacar o que realmente me interessa, que são os processos e procedimentos da pintura”, afirma.
Com mostras individuais e coletivas no Brasil e exterior, passando por cidades como Berlim, Estocolmo, Lisboa e Genebra, Marcolini tem seu trabalho avaliado pela curadora sênior, professora e doutora em História da Arte pela Universidade de São Paulo (Usp), Fernanda Pitta.
“Ainda que quase sempre tenha se dedicado ao gênero que chamamos de paisagem, tampouco lhe preocupa explorar a história ou ideologia visual do gênero em si, tomando-o como um campo que lhe permite uma liberdade de experimentação para além de aspectos discursivos da representação”, observa
Isso tanto é verdade, que, raramente, Marcolini inclui uma figura humana em suas paisagens, para evitar o que se chama de narrativas ou simbolismos.
“Naquelas em que a figura humana aparece, na qualidade de banhistas – outro tema histórico da pintura – sua atenção à fenomenologia das imagens, à permeabilidade das formas e cores, é capaz de colocar em dúvida o condicionamento que nos faz separar seres humanos dos outros seres do mundo. A aparência não contradiz a realidade, ao contrário. Na superfície desses olhos d’água aflora a profundeza do estar no mundo”, conclui a curadora.
Olho D’água – Geraldo Marcolini / Abertura: hoje, 19h30 / Em cartaz até 16/11 / Visitação: segunda a sexta-feira, das 10h às 13h; e das 14h às 19h, - sábados, das 10h às 13h / Alban Galeria (Rua Senta Pua, 53 - Ondina)
artes cênicas Grupo baiano Coletivo DUO comemora 14 anos de estrada com exibição de três espetáculos da trupe, de hoje a domingo, na Sala do Coro do TCA
Atentos ao sonho
Eugênio afonso
Dos 11 espetáculos que compõem o repertório do Coletivo DUO, três – todos eles baseados em obras literárias – foram selecionados para marcar a mostra dos 14 anos do grupo baiano.
De hoje até domingo (13), na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, serão exibidos Memórias do Fogo, hoje, às 20h, O Avô e o Rio, amanhã (11), também às 20h, e o infantojuvenil Em Busca da Ilha Desconhecida, que será encenado nos dias 12 e 13, às 16h.
Para o ator, diretor, dramaturgo e fundador do DUO, Saulus Castro, 38, ressaltar o trabalho do grupo é de extrema importância. “Não só pra gente, mas pro contexto cultural da cidade. O que a gente tem observado nos últimos tempos é o esfacelamento de diversos grupos que eram referência pra nós”.
Castro reconhece que o balanço dos 14 anos é bastante positivo “como grupo de teatro, dado todo o contexto ao meu redor, mesmo com todas as idas e vindas. Pela quantidade de projeto que a gente trouxe e de público que a gente encontrou. Ano que vem fazemos 15 anos e estamos planejando uma grande comemoração”, frisa o baiano de Castro Alves.
Solo duplo
A primeira peça a ser apresentada estreou em 2019 e é um solo do próprio Saulus. Ele mesmo dirige e assina a dramaturgia de Memórias do Fogo. Trata-se de uma fábula lírica que expõe as estruturas de poder e a exploração de terras no percurso sócio-histórico das Américas.
O espetáculo é uma montagem inspirada nas obras As veias abertas da América Latina e na trilogia Memória do fogo, do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, e é também o mote da pesquisa de mestrado de Saulus Castro pela Universidade Federal da Bahia.
“A encenação traz para a discussão as estruturas de poder. Temos uma dramaturgia literária não linear. É tudo abordado de modo muito lírico. Nesta fábula, as figuras ficam brincando sobre a exploração, da natureza e humana, feita pelos colonizadores portugueses”, ressalta Castro.
“Desta vez, não trabalho com personagens, mas com figuras. Durante o espetáculo, vão perpassar diversas figuras que contam essa história. O poder, o jaguar, o tempo, pachamama. Elas vão relatando os acontecimentos”, explica o ator.
Amanhã é a vez de assistir ao solo O Avô e o Rio, de 2018, com o ator soteropolitano Israel Barreto, 40. Indicado ao prêmio Braskem de Teatro 2019 nas categorias Melhor espetáculo e Melhor Ator, a encenação trata de temas que envolvem a interferência do homem na natureza.
Baseado no conto homônimo do escritor ilheense, o imortal Aleilton Fonseca, a peça fala da transposição e do desmatamento das vegetações às margens dos rios – impactando no ecossistema – e da subsistência das populações ribeirinhas.
“O Avô e o Rio traz a história de vida de um avô e seu neto que resolvem morar em cima de um rio aterrado. Faço o avô e o neto em várias fases. Este desafio me rendeu uma indicação ao prêmio Braskem de Teatro”, conta Israel.
Imaginário e desejo
Enquanto os dois primeiros espetáculos trazem um único ator em cena, o infantojuvenil Em Busca da Ilha Desconhecida, que será exibido sábado e domingo à tarde, tem um elenco formado por quatro artistas: dois atores – Saulus e Israel – e duas atrizes – Nina Andrade e Letícia Mello.
Com dramaturgia, encenação e trilha sonora original de Saulus Castro, a peça é uma adaptação do livro O conto da Ilha Desconhecida, do escritor português José Saramago, e aborda a história de dois jovens que desejam encontrar uma ilha até então inédita.
“O grande mote filosófico é a busca pelo sonho, pela possibilidade de tornar o sonho realidade. As duas figuras centrais partem em busca de uma ilha desconhecida. Esta é a grande questão: existem ainda ilhas por se conhecer?”, indaga Saulus.
Para Nina, 26, Em Busca da Ilha Desconhecida ensina a enxergar algo maior do que aquilo que a realidade impõe. “Nos ensina sobre o poder da imaginação, dos sonhos, das relações humanas, e também discute a relação de poder entre o povo e os representantes do estado”.
“A peça nos inspira a acreditar no imaginar e no fazer, a ter coragem de, mesmo estando numa realidade que cessa nossa criatividade, não deixar que nos proíbam de sonhar”, alinhava a atriz soteropolitana.
Ela conta que interpreta a mulher que trabalha dentro do palácio do rei e é responsável pela faxina. “É titulada como mulher da limpeza, mas há um acúmulo de funções pra ela, pois além de limpar um palácio imenso sozinha, ainda tem que costurar as roupas da corte. É uma personagem que descobre que também tem o direito de sonhar e tomar as rédeas da própria vida. Por isso, cria coragem e decide mudar o rumo da sua história”.
Além de ser um dos narradores de Em Busca..., Israel conta que também encena o capitão do porto. “Personagem que dialoga com o personagem principal na busca de uma caravela e de um dos maroleiros, personagem ilusório que atormenta o sonho do homem aventureiro. Além disso, toco, canto e faço manipulação de bonecos”, detalha Israel.
Também no elenco, a paulista de Praia Grande, Letícia Mello, 25, faz os papéis do rei, do maroleiro, e ainda é narradora. Ela comenta que o espetáculo conta a saga de pessoas com sonhos e vontades distintas que, ao se encontrarem nessa busca, resolvem pegar o mesmo barco.
“A história acompanha a trajetória do personagem ‘homem’ que, ao encontrar muitas dificuldades para conseguir seu barco, conhece a mulher da limpeza. Esse encontro desperta novas vontades na mulher e ela decide também viver uma aventura em busca do desconhecido”, detalha a atriz.
Ainda segundo Letícia, a peça expõe e critica figuras de poder e escancara as dificuldades de diálogo entre as classes sociais. “Tudo isso a partir do mecanismo da comédia, onde a crítica se instala através da comicidade. A história convida o público, através da metáfora da ilha desconhecida, a acreditar e persistir na busca das vontades e sonhos particulares”, conclui.
Minibio
Fundado em 2010 por Saulus Castro e Jonatan Amorim, o Coletivo DUO produz solos, espetáculos coletivos, musicais, seminários, além de atividades formativas e projetos sobre economia criativa.
Traz, em suas montagens, estéticas teatrais que se aproximam do fantástico, permeadas pelo exercício do imaginário, buscando sempre por fabulações que convirjam à musicalidade e ao lirismo, e que toquem em temáticas políticas e sociais, flertando com a comédia e o drama.
Deriva (2014); À Flor da Pele (2017); Em Busca da Ilha Desconhecida (2016); Arturo Ui - uma Parábola (2017); Arraial (2018); O Barão nas Árvores (2018); O Avô e o Rio (2019); Memórias do Fogo (2019); Jonas: Dentro do Grande Peixe (2021); O Caminho dos Mascates (2022); MacbethRicardoIII - Um Tratado de Vilania (2023) são espetáculos criados e produzidos pelo Coletivo DUO nesta caminhada de 14 anos.
Mostra Coletivo DUO - 14 anos / 10 a 13 de outubro - Memórias do Fogo (10, às 20h), O Avô e o Rio (11, às 20h) e Em Busca da Ilha Desconhecida (12 e 13, às 16h) / Sala do Coro do Teatro Castro Alves / R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia) / Vendas pelo Sympla ou na bilheteria do TCA
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