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CULTURA

Carlos Lyra lança CD ao vivo e autobiografia

Por LAURA DANTAS, do A TARDE

06/07/2008 - 12:20 h | Atualizada em 06/07/2008 - 13:49

Co-protagonista de um dos fenômenos culturais que mudaram a feição da música brasileira no século XX, Carlos Lyra traz à baila dois lançamentos para celebrar o cinqüentenário da Bossa Nova.

Além do CD 50 Anos de Música – uma compilação de sucessos da carreira retirados do DVD homônimo lançado em 2005 pela Biscoito Fino –, ele acaba de apresentar na Flip 2008 a controversa autobiografia Carlos Lyra, eu e a bossa. Em entrevista à repórter Laura Dantas, o autor não poupa nada nem ninguém ao contestar algumas versões oficiais que se espalharam sobre a Bossa Nova. Desmistifica, entre outras coisas, o fato de o gênero ter nascido no célebre apartamento de Nara Leão e diz que ela nunca foi musa, “é música”.

A TARDE | A partir de quando a Bossa Nova surgiu efetivamente?
CARLOS LYRA | A expressão bossa nova – e isso não é uma opinião é um fato – data de 1957, quando fizemos um show para estudantes no Rio de Janeiro, eu, Silvinha Teles, Roberto Menescal, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, e, quando chegamos lá, encontrei escrito num quadronegro ‘Hoje, Silvinha Teles e os Bossa Nova’. Até hoje estou procurando o cara que escreveu e que era o diretor social da Sociedade Hebraica do Rio. Já falei isso em entrevistas, mas ele não aparece.Me lembro bem, era um judeu baixinho, cabelo louro... A primeira vez que a expressão surgiu foi ali.

AT | Inspirada na canção doNoel que fala em ‘outras bossas’...
CL | É, mas, antes do Noel, Machado de Assis já falava nisso, já tinha usado no conto Helena, em que falava ‘tu tens a bossa conjugal e eu, a bossa viajante’... Mas as pessoas falam que a Bossa Nova começa com isso, com aquilo... pra mim, ela começa com o LP do João Gilberto [Chega de Saudade, 1959], porque ali tem todas as informações sobre a Bossa Nova, tem a dupla Tom e Vinicius, tem Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, tem o João interpretando Dorival Caymmi e Ary Barroso, então o marco é esse LP e não o da Elizeth, de 58, esse não é Bossa Nova, não tem nada a ver.

AT | E qual foi a real importância do famoso apartamento de Nara Leão, em Copacabana?
CL | Nenhuma. Para a Bossa Nova, nada. O Ronaldo Bôscoli, como era ex-namorado da Nara, dizia que a Bossa Nova nasceu na casa dela, mas tinha a casa do Bené Luz, do Lula Freire, do Tom, do Vinicius... Se você disser que os apartamentos e as casas da Zona Sul do Rio eram importantes, aí, sim, é verdade, mas Tom Jobim e Vinicius de Moraes jamais foram na casa de Nara. Então, como ali pode ter nascido a Bossa Nova, se Tom e Vinicius nunca estiveram lá? Uma fenômeno cultural dessa importância não nasce na casa de ninguém, nasceu, sim, no Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil.

AT | E aNara foi realmente musa da Bossa Nova?
CL | Eu não aceito esse negócio de musa, porque musa é uma figura estática que fica em cima de um pedestal enquanto uns idiotas ficam fazendo poemas e músicas para ela. Ela nunca esteve neste pedestal, foi uma menina que botava o violão no ombro e ia pra r ua com a gente, novinha, com 16 anos, então não é musa, é música. Ela tem uma importância como mulher para a Bossa Nova muito maior do que a de ser ‘musa’. Musa é uma coisa idiota.

AT | Por que você disseementrevista que o concerto da Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova Iorque, foi constrangedor?
CL | Porque a intenção do cara que produziu o concerto era gravar um disco, então encheu o palco do Carnegie Hall de microfones e deixou entrar quem quisesse. Quem estivesse em Nova Iorque e fosse brasileiro podia tocar e cantar, então tinha uma mulher tocando maraca, um cara tocando violão nas costas, um circo... E tinha também o Bonfá, eu, o João Gilberto, o Tom Jobim... Fiquei tão irritado com aquilo que fui nos bastidores e estava lá o Tom, também chateado, aí eu falei: ‘Você tá vendo isso? Vamos voltar para o Brasil’. E ele falou: ‘Carlinhos, a gente não pode fazer isso, não, aqui tem cadeira elétrica’ [risos]. As pessoas que foram assistir, o Stan Getz, o Gerry Mulligan, o Charles Byrd e outros, souberam separar o joio do trigo, mas que foi constrangedor, foi.

AT | Por que somente agora você resolveu expor isso em livro?
CL | Há dez anos estou escrevendo esse livro. Ele deveria terminar em 2000, na virada do milênio...Aquele negócio ‘2000 chegará’, ‘de 2000 não passará’... Eu dizia: ‘Vou escrever até a hora que vierem os anjos do apocalipse para acabar com o mundo’. Não aconteceu nada, e eu continuei escrevendo até 2005. Tinha muita coisa controversa, como essa história de que a Bossa Nova nasceu na casa da Nara, de que era um movimento. Não foi um movimento, nunca houve manifesto, então eu vinha juntando as idéias até que a editora Casa da Palavra resolveu publicá-las.

AT | Sobre o livro do Rui Castro [Chega de Saudade], o que mais você contesta ali?
CL | O livro do Rui Castro foi um ensejo para fazer o meu, porque ele me entrevistou durante uns 15 minutos para fazer aquele livro, mas o Ronaldo Bôscoli ele entrevistou por meses a fio. Praticamente tudo o que tem naquele livro vem de informações do Ronaldo Bôscoli. Tem uma série de equívocos e, sobretudo, nenhuma menção ao fenômeno político, social e econômico da Bossa Nova. Quando o Rui me perguntou ‘o que você achou do meu livro?’ Eu disse: ‘Muito bom, é um ponto de partida maravilhoso, abre espaço para a Bossa Nova, mas tem um defeito, você não faz, nem uma vez, menção ao fenômeno político, social e econômico...’ Aí ele disse: ‘E por que você não escreve outro?’ Eu perguntei: ‘Você faz o prefácio?’. Ele fez o prefácio e o livro está aí.

AT| Você achaqueos jornalistas, historiadores e artistas são os responsáveis por essa aura mítica em torno de João Gilberto?
CL | O JoãoGilbertotemumaimportância fundamental para a Bossa Nova. Se não fosse ele, talvez a gente não tivesse um intérprete, além dos compositores. A Bossa Nova foi cantada por mim, por Tom, pelo Baden, pelo Francis, mas a gente precisava de um bom intérprete e o João foi isso. Claro que sem os compositores ele não teria muita expressão, porque faltariam as composições para ele interpretar. Mas, como intérprete, teve uma importância muito grande. Agora, não é pai da Bossa Nova, isso não existe. A Bossa Nova está cheia de pais...

AT| LiumamatériadoDanielFaria, da Revista Wave, em que ele cita a tal cisão ideológica da Bossa Nova e diz que você, mesmo tendo uma aparente benevolência com o samba de morro, queria mesmo era elitizar a música popular.
CL | Tudo errado. Eu não tinha simpatia pelo samba de morro, eu era do Partido Comunista, era a favor do povo até a raiz do cabelo e ainda sou. Quando fundei o Centro Popular de Cultura junto com o Vianninha, o Ferreira Gullar, a minha idéia era exatamente trazer a música de morro para a classe média e levar a Bossa Nova para o povo.

Esse cara diz tudo errado porque não falou comigo, inventou da cabeça dele. Infelizmente, isso é o que acontece com os jornalistas, querem criar a história em vez de narrar. Muitos jornalistas – naturalmente existem as exceções – gostam de inventar, e o cara se deu mal por causa disso. Eu não tenho simpatia pela música do morro, eu sou louco pela música do Zé Ketti, do Cartola, do Nelson Cavaquinho e fui buscar a música do povo exatamente para enriquecer a Bossa Nova que estava muito na base do amor, do sorriso e da flor.

AT | Há quem diga hoje que a Bossa Nova poderia estar menos amarrada às formas do passado, às releituras, aos expoentes...
CL | Maselanãoestáamarrada.O que acontece é que neste país tudo o que é cultura sumiu, principalmente depois que esse presidente analfabeto entrou para governar o País – e o prefeito do Rio de Janeiro também é outro analfabeto, o CesarMaia –, então a cultura está inteiramente jogada às baratas e a educação também. Porque eu tenho feito músicas novas, que não têm nada a ver com a minha primeira fase da Bossa Nova. O Tom já tinha mostrado, antes de morrer, muitas coisas novas. Só quem estacionou na Bossa Nova, de uma maneira ou de outra, foi o João Gilber to.

AT | Entendo, mas me refiro especificamente às novas gerações. Não deixa de ser curioso ouvir hoje a sua canção Influência do Jazz e perceber que, mais do que bossanova, a juventude está interessada em samba tradicional.
CL | EucompusInfluência do Jazz em 1961, e ela reclamava da excessiva influência do jazz na música brasileira, que já tava perdendo as características de samba. Hoje não é preciso mais isso.

AT | O que você achou de o Cesar Maia declarar a Bossa Nova como um patrimônio carioca?
CL | Acho uma coisa meio hipócrita, porque ele não faz nada pela Bossa Nova. Se ele tivesse feito um templo da Bossa Nova no Rio de Janeiro, ou aberto um centro de Bossa Nova para turistas, seria muito bom, atrairia turista.Mas declarar que é patrimônio nacional não quer dizer nada...

AT | Na verdade, patrimônio carioca. Mas isso despreza alguns dados, até mesmo o fato de João Gilberto ser baiano, de ter sido influenciado por americanos, por Dorival Caymmi, outro baiano...
CL | E o João Donato é do Acre, Roberto Menescal é do Espírito Santo... A Bossa Nova nasceu no Rio porque essas pessoas moravam no Rio que era a capital do Brasil. Hoje não tem mais sentido fazer bairrismo com isso. A Bossa Nova é do mundo inteiro e é mais da classe média japonesa do que do povão brasileiro

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