CULTURA
Caso emblemático do desrespeito
Por Cássia Candra, do A Tarde
Desenhista, arquiteto, fotógrafo, gravador, muralista, cenógrafo. Reconhecido pela “perfeição da técnica” e por ser “um dos primeiros artistas a se utilizar, na arte, do produto da natureza”, segundo a crítica de arte Matilde Mattos, da Associação Brasileira de Críticos de Arte – ABCA, Juarez Paraíso se diferencia nas artes plásticas pela versatilidade técnica.
É muito respeitado por todas as suas qualidades profissionais, no meio artístico, mas, ainda assim, protagoniza um dos casos mais emblemáticos de desrespeito aos direitos de criação intelectual, na Bahia. Ex-diretor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia e organizador da Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, mais de 50 anos dedicados à arte, Juarez viu várias de suas obras, instaladas em locais públicos, serem destruídas.
Das quatro perdas, a mais traumática aconteceu em 2000, quando a Igreja Evangélica Renascer em Cristo adquiriu os cines Art I e II, no Politeama, e demoliu a marretadas os dois belíssimos painéis que o artista havia criado nas paredes de ambos os espaços, imagens que muitos baianos de mais de 40 anos guardam na memória sem perder detalhes de formas e cores.
Uma das obras, titulada Nascimento de Oxumaré, uma alusão à entidade do candomblé, foi pichada com a inscrição “Deus é fiel”, antes do ataque de fúria patrocinado pela intolerância religiosa.
Processo - “A arte foi vítima do fanatismo”, conclui o artista, que resolveu processar os agressores, amparado pelos advogados José Borba Pedreira Lapa e Rodrigo Moraes. “Quando iniciamos o processo, eles disseram que aquele lugar não era a Capela Sistina e que Juarez Paraíso não era Miguel Ângelo”, conta. A argumentação fez com que o juiz lhe desse ganho de causa. O processo durou quatro anos e a igreja foi condenada a pagar uma indenização de 170 salários mínimos.
“A idéia era utilizar esse dinheiro na criação dos mesmos painéis em outros locais, mas a indenização foi paga em dez prestações e inviabilizou o projeto”, lembra. De acordo com Rodrigo Moraes, a Lei de Direito Autoral, de 1998, protegeria o artista, através da obtenção de uma liminar para impedir a destruição dos painéis. “A lei autoriza tais medidas de urgência, mas quando Juarez nos procurou, infelizmente, as obras já estavam completamente destruídas”, lamenta o advogado.
Em 1978, o trabalho de arte ambiental do painel do antigo Cine Tupi, que tinha um teto belíssimo, foi arrasado pela empresa multinacional CIC, quando comprou o espaço. “As peças eram parafusadas, não havia necessidade daquela barbaridade. O trabalho que levei oito meses para fazer foi destruído em 24 horas”, indigna-se Juarez.
Também em um dia foi desfeita a criação do artista para o extinto Cine Bahia, na Rua Carlos Gomes – um mural de 40 metros quadrados – pela Igreja Evangélica Universal, após adquirir o cinema. Depois, Juarez perdeu outra obra criada em área externa para o poder público: o calçadão da Praça da Sé. Todo em pedra portuguesa, com desenhos inspirados no altar-mor da antiga Sé de Salvador, foi trocado por um novo piso em granito.
Alerta - Juarez tenta compreender o que motivou a destruição das obras, porque, na sua cabeça, está bem claro que “quando a obra de arte é absorvida pela comunidade, passa a ser um bem público”. E se é assim, não há por que ser depredada. Ele confessa que também não entende “como o poder público não toma partido”, ainda lembrando que, em uma das situações que vivenciou, o próprio Estado foi seu algoz.
“Não existe a consciência de que o objeto cultural pode ser um bem cultural público”, conclui, observando casos como o do mural do artista plástico Carlos Bastos, no Comércio, que foi pintado de branco, e da instalação do artista goiano Siron Franco, no Dique do Tororó, que se desfaz a cada dia, “sem que as autoridades tomem qualquer providência para preservá-la”.
Após essas experiências, Juarez afirma que vem tentando se proteger do desrespeito ao direito autoral do artista plástico, “uma das categorias mais lesadas”, segundo o advogado Rodrigo Moraes.
“Tenho divulgado os meus casos o máximo possível, para servir de alerta para outros”. Ele acredita na união da categoria e por isso aposta no fortalecimento da Associação de Artistas Plásticos. “Me sinto mais preparado hoje que há dez anos”, conclui.
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