MÚSICA
Celebrações pelos 50 anos do Ilê Aiyê prosseguem amanhã com arrastão
Festividade ainda é formada por ensaio especial na casa do bloco, a Senzala do Barro Preto
Por Maria Raquel Brito*
Quando o toque dos tambores e os trajes em amarelo, vermelho, branco e preto desfilam pelas ruas, não tem quem não reconheça o Mais Belo dos Belos. Ao longo das últimas cinco décadas, o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do mundo, se consolidou como um símbolo de resistência e beleza negra com seu perfil azeviche. No início deste mês, o Ilê completou 50 anos de reinado, e as comemorações estão a todo vapor. Amanhã, a festa é em casa: o bloco abrirá as portas da sua sede, a Senzala do Barro Preto, para um ensaio especial de aniversário, a partir das 21h.
Os ingressos podem ser adquiridos através do site Ticketmaker, com preços entre R$ 50 e R$ 200, e a renda será inteiramente revertida para manutenção das ações sociais e culturais da Associação Cultural Bloco Ilê Aiyê.
A celebração será ao som dos maiores sucessos do bloco, com participação de artistas que ajudaram a construir sua história. Na emblemática casa número 228 da Rua Direita do Curuzu, seu público fiel entoará hinos como Que bloco é esse?, Negrume da Noite, Deusa do Ébano e Depois que o Ilê passar ao lado da Band’Aiyê e convidados como o grupo de samba Orisun, Banda Didá e as alas de canto do Cortejo Afro e do Muzenza. “Nossas canções atingem diretamente a autoestima da comunidade negra, são canções que denunciam o racismo e empoderam as mulheres negras. Então, vamos fazer um repertório bem eclético, que trate de forma bem clara o que é esse legado de 50 anos de canções incríveis e ritmos do Ilê Aiyê. Vai ser uma noite de muita celebração, a música vai ser o carro-chefe da festa”, diz Mestre Mário Pam, maestro do Ilê.
As comemorações do quinquagenário do Ilê Aiyê vêm desde o início do ano, com grandes homenagens no Carnaval e um show apoteótico na Concha Acústica no dia 1º de novembro, que marcou o dia em que o bloco foi criado. Mas, como pede a tradição, não poderia faltar uma festa ao lado da comunidade, no Curuzu.
Por isso, os festejos deste sábado começam nas ruas da Liberdade antes mesmo do ensaio começar, com uma caminhada do Plano Inclinado da Liberdade até a Ladeira do Curuzu, embalada pelo ritmo da Band’Aiyê. A partir das 18h30, a energia contagiante dos batuques tomará as ruas e chamará todos que estiverem pelo caminho para se juntar à festa. A chegada na Senzala do Barro Preto é estimada às 20h30.
“Para estar junto com a comunidade, seria mais que justo fazer a nossa celebração dentro da nossa casa. Para a gente é muito especial [festejar] dentro da comunidade, trazer os convidados, receber os amigos que vêm de outras partes do mundo para dentro do Curuzu, a periferia do bairro. Movimenta o comércio do bairro, movimenta as pessoas que estão ali”, diz o maestro.
Além de uma sede
A tradição de abrir as portas de casa para as celebrações nasceu com Mãe Hilda Jitolu, ialorixá do Ilê Axé Jitolu e mãe de Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê. Logo que o Ilê Aiyê começou, ela permitiu que o terreiro, localizado no Curuzu, fosse a sede do bloco. De acordo com Valéria Lima, que é diretora-executiva do Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu, neta da mãe de santo e autora de sua biografia, foi Mãe Hilda quem deu toda a base para o Ilê acontecer.
“Se não fosse mãe Hilda, eu sempre digo que o Ilê não existiria, porque eram todos jovens, entre 19 e 22 anos, quando tiveram a ideia do bloco. Então, se não fosse ela, como a adulta responsável ali, abraçando a ideia, encorajando e dando essa base, o Ilê não existiria, de fato”, diz.
Em novembro de 2003, foi fundada a Senzala do Barro Preto, que passaria a ser a sede do Ilê, e o costume de levar os festejos para casa continuou. Desde então, todos os aniversários do bloco são comemorados lá. Este ano, o espetáculo na data oficial foi na Concha Acústica, para que mais pessoas pudessem participar. Mas tradição é tradição, e o local escolhido para o Ensaio Especial de 50 anos não poderia ser outro que não o lar do Mais Belo dos Belos.
A Senzala do Barro Preto é muito mais que uma sede social. Um dos maiores centros culturais afro do país, a associação tem capacidade para três mil pessoas e carrega memória, encontros e, claro, força política. “Foi construída para ser um espaço de cultura, mas também de política e de educação. É um espaço que contempla a Escola Band’Erê, a Escola Mãe Hilda, o estúdio de gravação, a nossa quadra de ensaios... Então, celebrar aqui dentro é muito especial, porque foi um projeto que a gente construiu para servir as pessoas, levando cultura, educação, política, embasamento e inclusão”, conta o maestro.
50 anos de resistência
Quando Vovô do Ilê e Apolônio de Jesus se juntaram para criar um bloco inteiramente negro, em plena ditadura militar, não imaginavam que se tornariam tamanha referência na cultura negra mundo afora.
Um dos fundadores e diretores do bloco, Vivaldo Benvindo tem orgulho de onde o Ilê Aiyê chegou com as mensagens e as músicas de resistência. “A nossa revolução foi uma revolução cultural, sem pegar em armas. Nós conseguimos fazer essa revolução e conseguimos ver o resultado do nosso trabalho. Não que a gente se sinta contemplado. Já houve um grande avanço, mas ainda tem muita coisa a ser conquistada, não só pelo Ilê, mas por toda a comunidade negra de todo o Brasil. Nós temos uma música que diz: ‘lindo é subir o Curuzu, difícil é chegar na cidade’. Chegar na cidade, para nós, é chegar ao poder nessa cidade e nesse país onde somos maioria”, defende.
Hoje, além do grupo musical, o Ilê Aiyê conta com ações sociais como escolas profissionalizantes e de percussão e o Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu, organização que luta para assegurar a acessibilidade de direitos para meninas e mulheres cis e transexuais negras.
Além de comemorar as cinco décadas de beleza e resistência, o show de amanhã é um aquecimento para o Carnaval de 2025 do Ilê. No ano que vem, o tema do bloco será o país africano Quênia. Os preparativos para o tradicional Festival de Música Negra do Ilê Aiyê, da percussão e da ala de canto para a folia momesca estão a todo vapor – com energia renovada para os próximos 50 anos. Afinal, nas palavras do Mestre Mário Pam, “enquanto existir cultura negra, a gente vai homenagear o bloco afro Ilê Aiyê”.
Ensaio dos 50 Anos / Amanhã, 21h / Senzala do Barro Preto, Curuzu / Concentração do Arrastão: 18h30, no Plano Inclinado da Liberdade / Chegada na sede: 20h30 / Pista: R$ 100 e R$ 50 / Camarote: R$ 200 e R$ 100
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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