CULTURA
Centenário de Nilda Spencer é celebrado com livro de Marcos Uzel
Atriz baiana tem sua história contada mais uma vez pelo jornalista em 'Nilda é 100!'
Por Morena Melo
Memórias póstumas de Brás Cubas, Dona Flor e seus dois maridos, SuperOutro, Eu, tu, eles. Quando pensamos em Nilda Spencer, a lista de filmes é grande.
Mas foi nos palcos de teatro que a atriz baiana consolidou uma história que deixou marcas perenes para as artes cênicas e o cenário cultural de Salvador. Em 2023, comemora-se o centenário de nascimento da atriz (1923-2008) que será marcado pelo lançamento do livro Nilda é 100! escrito pelo jornalista e professor Marcos Uzel.
A obra chega às livrarias no segundo semestre, pela editora Caramurê, e traz um exercício ficcional sobre Nilda sem abrir mão de alguns detalhes biográficos da artista. Em formato teatral, o texto revela experimentações criativas de Uzel, somadas ao seu vasto conhecimento sobre a atriz.
Isso porque, além de Nilda é 100!, o autor também assina o livro biográfico Nilda: a dama e o tempo (Edufba), lançado em 2021, que narra todo o percurso da atriz a partir dos seus espetáculos.
"Eu comecei a imaginar como seria transpor para a ficção toda essa história. Então, Nilda é 100! é uma obra dramatúrgica que mescla elementos de ficção com elementos documentais que constam na biografia. Tem uma licença poética pra brincar com essa história e mostrar também que, apesar do jeito baiano de falar 'fulano é 10', Nilda é mais que 10, Nilda é 100", conta Marcos.
Como pesquisador, Uzel explica que sempre se interessou pelos artistas pioneiros que abriram os caminhos para as novas gerações. Por isso, dedicou a sua pesquisa de mestrado e doutorado ao teatro, esta última voltada para a trajetória de Spencer na relação com as construções sociais da mulher e a maneira como a atriz disputava esses lugares.
Precursora, Nilda subiu ao palco pela primeira vez em 1958, época em que as mulheres não podiam sequer ter conta bancária e trabalhar sem a autorização do pai ou marido.
Com sua atitude libertária e ao mesmo tempo um modo de ser afetuoso, Spencer transitava por contextos diversos e foi construindo, com o passar dos anos, uma imagem mítica pela qual pessoas diversas nutriam admiração, sentimento que permanece vivo, como conta o presidente da Fundação Gregório de Matos, Fernando Guerreiro.
"Além de ser uma atriz talentosíssima, ela foi também uma pessoa adorável. Se dava bem com todo mundo, tinha um círculo de amizades maravilhoso e muito diverso. Além disso, Nilda sempre foi uma mulher muito à frente do seu tempo. Em plena década de 1950, desafiou a sociedade e se transformou numa grande referência como atriz", conta Guerreiro.
Para o fundador do Bando de Teatro Olodum (1990) e coordenador do Teatro Vila Velha, Marcio Meirelles, que trabalhou com Nilda Spencer nos espetáculos Seis personagens à procura de um autor e A mais forte, este último assinando a direção, o teatro é uma arte efêmera pela qual Nilda conseguiu se projetar para além das temporalidades.
"No teatro, os monumentos são preservados através do outro. Reconhecemos em novos atores e atrizes o DNA dos anteriores. Isso aparece na fala, no gesto, no modo com que carrega um personagem sobre o palco, com que dialoga com o encenador, com o outro ator, com o cenário, o figurino e com o público. Isso aparece também em como habita e deixa o camarim. Nilda está por onde passou e o seu legado é imenso em muitas atrizes que tiveram a sorte de contracenar com ela", explica Marcio.
50 peças de teatro
Nilda Spencer começou a carreira de atriz aos 33 anos com a peça Auto da Cananeia, de Gil Vicente. Formou-se na primeira turma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, em 1956.
Do início da carreira até 2008, quando faleceu, Nilda atuou em 50 peças de teatro, deixando sua marca em um trabalho vasto que se mistura à história do teatro na Bahia.
"Ela deixou uma história extensa nas artes cênicas, que representa quase 50 anos de memória do teatro na Bahia" explica Uzel.
Em sua trajetória, a dama do teatro baiano, como ficou conhecida, também gravou o audiolivro Boca do Inferno, de Gregório de Matos. Na ocasião, o escritor Jorge Amado falou que Nilda era "uma das personalidades mais marcantes da vida artística da Bahia. Sua presença criativa, apresenta de forma eficiente e profunda nossa trajetória cultural".
Mulher à frente de seu tempo, a atriz deixou um legado no cenário cultural baiano, nos filmes e peças em que atuou, nas relações que construiu e nos ensinamentos que deixou.
"Nilda nos ensinou que uma lady é sempre uma tramp. O que significa não se levar muito a sério, viver a vida e o tempo e, na hora precisa deixar o palco tendo feito seu papel", conclui Marcio Meirelles.
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