CULTURA
Ciclo Vermelho promove lives sobre violência de gênero
Por Eduarda Uzêda
Um projeto que conecta mulheres por meio de cartas e contos de sabedoria ancestral para curar as dores das violências de gênero. Com esta ideia surgiu a obra Inventário Vermelho – Histórias de Mulheres e Contos de Tradição Oral, que tem concepção, organização e edição de Danielle Andrade.
A publicação, muito bem cuidada, traz 42 cartas que tanto revelam dores e traumas nas 21 cartas enviadas quanto traz 21 narrativas de tradição oral de diversas regiões do país, de escritoras e pesquisadoras da área que responderam às missivas com muito amor e empatia.
E é esta justamente a intenção: acolher, abraçar simbolicamente e servir de bálsamo para as feridas da alma dos relatos de seis autoras que escreveram sobre experiências pessoais, ou que presenciaram, foram relatadas ou estiveram no subconsciente. A obra já está disponível para venda no site inventariovermelho.com.br, por R$ 50 (valor inclui frete para todo o Brasil).
O projeto prossegue nesta terça-feira, 10, com discussões sobre violências física, psicológica, familiar sexual, política, além de outros tipo de abuso relacionados ao gênero. Às 19h30, acontece o primeiro encontro do Ciclo Vermelho, série de lives sob o comando da contadora de histórias Danielle Andrade. Marília Moreira, jornalista e coordenadora do PenhaS, projeto de enfrentamento à violência do Instituto AzMina, é a primeira convidada.
Os interessados nos debates podem acessar o Instagram @historiasdedanielleandrade. O evento acontecerá todas as terças-feiras deste mês com novas pesquisadoras.
“Ao fazer dos contos de tradição oral unguento para os machucados de agora, reverenciamos as conquistas do passado e as mulheres e histórias que nos forjaram; fortalecemos o presente de nossas irmãs e irmãos; e plantamos coragens, rebeldias e afeto no coração de meninas e meninos do futuro”, afirma Danielle na apresentação do livro que tem belas ilustrações de Tami Martins. A publicação também sinaliza, na lateral das cartas, os gatilhos emocionais que a leitura pode provocar.
Pandemia
Danielle recorda do aumento dos casos de violência durante a pandemia e informa que as correspondências, entre outros temas, abordam o abuso sexual, a violência doméstica e obstétrica, o abandono paterno e o racismo.
“Com nossas memórias acesas e nossas línguas afiadas e bentas de histórias, afirmamos aqui que, frente ao terror, às injustiças e à morte, não precisamos e não devemos nos calar (...)”, frisa Danielle no livro.
Jamira Muniz, uma das remetentes que é gestora cultural do Espaço Alagados (compartilhada com a Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe), afirma que uma das cartas que escreveu é sobre sua história pessoal. Somente com 7 anos, ela soube, através de uma professora da escola, seu verdadeiro nome.
O pai, que tinha outra filha nascida no mesmo tempo que ela, trocou os nomes e escondeu da mãe, que era analfabeta. Ainda assim, Jamira continuou sendo chamada pelo nome escolhido pela mãe e somente na adolescência, por meio do teatro, aceitou seu nome de registro, algo muito doloroso para a gestora no início.
“A gente não pode deixar morrer na gente as coisas que nos fazem sofrer” , pontua. Além de Jamira Muniz, são escritoras remetentes Aline Fátima, Cecília Carvalho, Danielle Andrade, Larissa Leão e Xan Marçall. Xan, inclusive, traz história que trata de transfobia, espancamento e abuso de poder.
Entre as pesquisadoras destinatárias que responderam as cartas está a contadora de história e professora de ioga Ângela Moreira (RJ). Ela escolheu um belo conto para uma história de cárcere privado, estupro e manipulação psicológica. Na sua opinião, “estamos vivendo uma nova onda do apoderar-se feminino”.
Descansos
A professora e contadora de história Elizabeth Pacheco respondeu a uma carta que tratou de vulnerabilidade social, miséria, violência urbana e abuso de drogas com uma edificante história de fé e superação, em Juazeiro do Norte, região do Cariri, Ceará. “O conto que escolhi fala de travessia, do Padre Cícero, de minhas raízes”, diz.
A obra, vale lembrar, faz uma homenagem às vítimas de violência no capítulo Descansos. O termo também é usado para denominar as cruzes de madeira de beira de estrada. Não falta no livro uma bibliografia de referência dos contos. A única lacuna é a ausência de uma minibiografia dos participantes. Em tempo de pandemia, entretanto, a publicação traz a valorização da escuta e importantes reflexões.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes