ESPAÇO DE SALVADOR
Circo Picolino tem futuro definido em nova orla de Salvador
Marco cultural da capital baiana fortalece o setor e ganhará novo espaço até 2025
Por Luiz Almeida
Quem passa pela Orla Marítima de Salvador há décadas não se depara apenas com as belezas naturais da cidade, mas também com um colorido especial em um dos seus trechos: o Circo Picolino. No entanto, nos últimos anos, o espaço cultural passou a enfrentar dificuldades em função da pandemia da Covid-19, da perda de figuras importantes para o seu funcionamento e das obras que ocorrem na região de Pituaçu, bairro em que o circo está localizado.
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Fundado em 1985, o Circo Picolino se consolidou como um marco cultural da cidade. Mais do que um espaço de entretenimento, é uma escola de formação artística que há décadas promove inclusão e educação através das artes circenses.
Ao longo dos quase 40 anos, segundo Luana Serrat, uma das responsáveis pela gestão do circo, a resistência sempre fez parte da história do Picolino. “Enfrentamos uma obra grande nos últimos meses, foi praticamente uma batalha. Com o apoio de diversos órgãos, conseguimos manter a estrutura mínima do espaço, mas também tivemos que realizar eventos fora daqui. Foi um período complicado", relembra a filha dos criadores do espaço, ao Portal A TARDE.
O Circo Picolino, que está com a sua nova lona chapéu de bruxa rosa, nasceu em 1985, a partir dos artistas Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki, que estavam no grupo Tapete Mágico.
Luana Serrat explica que seus pais se conheceram no grupo em São Paulo, que veio para Salvador para apresentações em um shopping, mas acabou ficando na cidade. O casal montou a escola, inicialmente como Circo Troca de Segredos, em Ondina, em seguida no Espaço Xisto, até chegar a um espaço no Aeroclube. Após sete anos nesta região, o Picolino firmou a sua base na orla de Pituaçu.
Mesmo com as dificuldades, o circo nunca parou de funcionar, mantendo a sua programação cultural ativa e buscando maneiras de continuar atuando na formação de jovens artistas. A dúvida de muita gente está em relação à posse do terreno onde está instalado.
“Estamos em diálogo com a prefeitura para a requalificação do Picolino. Há propostas para que nos mudemos para um local próximo, mas seguimos cuidando deste espaço como se fosse nosso para sempre. A ideia é transformar o Picolino em um centro cultural ainda mais vibrante”, afirma a gestora.
A gestora revela que a conversa com a Prefeitura de Salvador é para que o Circo Picolino passe a ocupar um outro espaço de Pituaçu, mais próximo a uma passarela elevada para pedestres que foi construída para ligar o Parque de Pituaçu à orla Atlântica.
Circo Picolino deverá ir para nova área até o final de 2025
Ao Portal A TARDE, a presidente da Fundação Mário Leal Ferreira, Tânia Maria Scofield, responsável pelo projeto da orla, confirma a informação de que o circo continuará em Pituaçu, "com muita mais visibilidade agora com a requalificação".
"Nos temos o compromisso com o circo e estamos elaborando o projeto do novo circo que deve ficar muito bonito", destaca Scofield. A Fundação garante ainda que trecho de Pituaçu já está pronto, faltando alguns detalhes. "Está em obra o trecho de Jaguaribe".
Com exclusividade à reportagem, a Fundação Mário Leal Ferreira, porém, afirma que o projeto envolvendo o destino do Picolino ainda está em criação e em total discussão com a gestão do grupo. A projeção de Scofield é para entregar o local no final de 2025.
À medida que as conversas sobre a requalificação do espaço avançam, o Picolino se prepara para um futuro que promete ser tão vibrante quanto seu passado.
Circo como espaço de transformação
Para além dos espetáculos, o Picolino se destaca pelo trabalho formativo. Desde sua criação, o circo tem sido um lugar onde jovens de Salvador, muitos vindos de escolas públicas, podem aprender as artes circenses e encontrar oportunidades que vão além do entretenimento. Nos últimos anos, essa vertente educativa tem se fortalecido, com o circo ampliando suas atividades de formação. “A escola do Picolino começou pequena, mas hoje já acolhe uma grande quantidade de alunos. Nosso objetivo é criar um ambiente onde as pessoas possam não apenas aprender a técnica circense, mas também desenvolver a cidadania através da arte”, explica Luana.
Um exemplo dessa transformação é Binho Souza, que chegou ao circo ainda menino e hoje é um dos colaboradores do espaço cultural. “Eu era menino na rua, e o Projeto Axé me trouxe para cá. Quando vi o circo, meu sonho era assistir a um show e aprender a arte. Isso foi tudo para mim na época, que tinha apenas 11 anos. Decidi que o circo era o meu caminho. Hoje, estou aqui há 33 anos”, conta o técnico de segurança.
Binho ressaltou a importância do circo Picolino em sua vida. “Aqui, eu consegui entrar na escola, consegui verba para comprar minha casa e criar minha filha. É minha casa, meu porto seguro. Não consigo me ver fora daqui, é tudo para mim.”
Gabriela Brentan, uma artista circense que está utilizando o espaço do Picolino para se preparar para suas apresentações, também destaca a importância do circo em sua vida. “Eu tenho apenas dois anos de circo, mas tem sido um período transformador na minha vida. Entrei na escola nacional do circo no Rio de Janeiro e estou me apresentando em vários lugares. O circo reacendeu a chama no meu coração que eu tinha perdido quando larguei a ginástica. É incrível ver o brilho nos olhos do público durante as minhas apresentações”, afirma Gabriela.
Ela observa que, apesar da falta de costume da população em frequentar circos, ainda há aqueles que apreciam profundamente o espetáculo. “Infelizmente, as pessoas aqui em Salvador não costumam ir ao circo, e isso é triste. Mas quando vejo aqueles poucos que estão ali apreciando, é incrível. Eu gostaria que mais pessoas pudessem ter essa experiência”, completa a jovem, de 29 anos, que se apresentará em breve na Alemanha.
Além das atividades formativas, o circo tem promovido residências artísticas e se aberto para ocupações. Recentemente, grupos de fora da Bahia participaram de audições e começaram a desenvolver projetos dentro do Picolino. “Estamos com novas direções e perspectivas, mas mantendo os princípios que herdamos. O Picolino é um espaço para todos, e estamos prontos para receber artistas e criar juntos”, destaca Serrat.
Mesmo com os obstáculos enfrentados, o futuro do Picolino é visto com otimismo. A renovação da direção e o fortalecimento da escola circense são indícios de que o espaço continuará sendo um dos pilares da cultura em Salvador. A equipe está focada em expandir o alcance do circo, seja com novas parcerias, novas propostas artísticas ou através da requalificação de seu espaço físico.
“O circo sempre foi um espaço de resistência. Nós passamos por momentos difíceis, mas sempre encontramos um jeito de continuar. O que queremos agora é seguir em frente, crescer e garantir que o Picolino continue sendo um lugar onde arte e educação se encontrem e floresçam”, conclui Luana.
O cenário circense em Salvador
O Circo Picolino não está isolado em sua luta. Salvador possui uma rica tradição circense que se mistura com a cultura local, mas o setor, assim como em outras partes do Brasil, precisa cada vez mais de apoio institucional. Muitos artistas circenses dependem de projetos independentes ou parcerias esporádicas para sobreviver.
A coordenadora de Artes Circenses da Funceb, Laisa Ferreira, analisa o cenário das artes circenses na cidade: "Ele é formado, sobretudo, por trupes e coletivos, que são grupos de circenses que possuem residência fixa e se relacionam com o Estado por meio da transferência direta de recurso realizada através dos editais de fomento".
O órgão salienta que, no âmbito da execução dos recursos oriundos da Lei Paulo Gustavo, nas premiações do edital Nilda Spencer, por exemplo, foram reconhecidas as trajetórias de Luana Tamaoki Serrat e Nina Porto Carneiro, artistas de grande relevância no âmbito circense do nosso estado. Quanto ao edital Lia da Silveira, foram selecionados cinco projetos, totalizando recursos de R$ 325 mil.
"A cidade de Salvador tem espaços ocupados pelas artes circenses, com quem a Fundação mantém diálogo aberto e frequente. Sendo o mais antigo a Escola Picolino de Artes do Circo, com quem historicamente já foram realizadas uma série de parcerias e novas vem sendo acordadas", garante Ferreira, que aponta ainda a ocupação de Circo no Forte do Barbalho, no espaço da Bahia Criativa, da Secretaria de Cultura (SECULT-BA).
A gestora completa abordando a importância para que as artes circenses tenham a relevância para as políticas públicas para a área: "Estamos atentos e convictos de que é nosso papel lutar pelo fortalecimento do circo em Salvador e em todo o estado. É uma linguagem que forma, que capacita, que transforma a infância, a juventude e profissionaliza agentes culturais, pilares fundamentais pra manter nossa cultura viva nos picadeiros, nas lonas, nos palcos".
Apesar disso, o circo continua sendo uma das formas de arte mais acessíveis e consumidas pelo público. "Muitas vezes o circo é visto como a 'prima pobre das artes', mas na verdade ele é a terceira arte mais consumida no Brasil, só atrás do cinema e da música. O que queremos aqui no Picolino é continuar sendo um ponto de encontro para todos, trazendo linguagens artísticas diversas e criando um espaço de acolhimento e experimentação", diz Luana Serrat.
Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor
Os amantes do circo podem curtir até 15 de dezembro o Maximus. O circo está montado em estacionamento do shopping no bairro de São Cristóvão e o público soteropolitano pode conferir apresentações que estimulam o lúdico e a fantasia de crianças e adultos com palhaços, malabaristas, equilibristas, contorcionistas e o esperado globo da morte, com cinco motoqueiros.
A atração funciona de terça a sexta, às 20h; sábados e domingos, com três sessões: às 16h, 18h e 20h. Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria e, até o fim do mês de outubro, tem promoção: o adulto que adquirir um ingresso (inteira a partir de R$ 40) tem direito a levar uma criança de até 12 anos gratuitamente.
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