DINDO DE OUTRO MUNDO
‘Compadre de Ogum’ traz universo amadiano ao Espaço Cultural Barroquinha
Compadre de Ogum é uma adaptação do livro Os Pastores da Noite, de Jorge Amado
Por Gláucia Campos*
Um homem decide batizar seu filho na igreja Católica e o escolhido para apadrinhar a criança é ninguém menos que o Orixá Ogum. Esse evento – fiel ao sincretismo religioso da Bahia –, é a história do espetáculo Compadre de Ogum, que está celebrando seus 10 anos com uma nova temporada no Espaço Cultural Barroquinha. A peça vai estar em cartaz nos dias 11,12 e 13 de outubro, sempre às 19h.
Compadre de Ogum é uma adaptação do livro Os Pastores da Noite, de Jorge Amado, e conta com a direção de Edvard Passos. A narrativa mescla credos, tradições e uma celebração à cultura baiana girando em torno de Massu das Sete Portas, interpretado por Heraldo de Deus, um biscateiro que organiza o batizado de seu filho "galego" na igreja, tendo como padrinho o Orixá Ogum, interpretado por Everton Machado.
Segundo Edvard, uma das principais propostas da peça é celebrar a diversidade de crenças e tradições que coabitam Salvador. Para o diretor, que também é arquiteto, foi justamente por ser apaixonado pelo local e suas festividades que a ideia surgiu. “Compadre de Ogum nasceu para celebrar a cidade de Salvador e o momento em que eu me toquei que eu queria fazer o espetáculo, foi quando eu estava afastado da cidade. Tive um período afastado, tentando realizar um outro projeto no Rio de Janeiro e aí comecei a sentir muita falta de Salvador e das minhas amizades, então me veio na memória a imagem de uma minissérie da Rede Globo chamada Os Pastores da Noite.
A partir dessa lembrança, ele foi atrás do livro de Jorge Amado e decidiu que voltaria para Salvador e seu próximo projeto seria o espetáculo Compadre de Ogum. Em parceria com amigos e colegas, Edvard conseguiu, em 2014, lançar o espetáculo. Desde sua estreia, a peça já foi encenada 70 vezes e envolvendo mais de 50 artistas ao longo dos anos. “Esse espetáculo é um marco na minha carreira. Nele, eu consigo sintetizar todos os treinamentos que tive, desde a arquitetura até os estudos sobre o Carnaval e a cidade de Salvador”, afirma Passos.
Novos caminhos
A nova temporada, além de celebrar o marco de 10 anos, traz um enfoque ainda mais afrocentrado, algo que já era presente, mas agora ganha mais força. “O espetáculo sempre teve uma relação forte com o candomblé, especialmente com o Ilê Axé Tajinan, de onde vem Everton Machado, que interpreta Ogum. A cada nova temporada, pedimos a bênção e a proteção da Mãe Maria, do terreiro”, explica o diretor, ressaltando a importância da espiritualidade para o processo criativo.
A produção de 2024, realizada por Reni Barbosa, também reforça essa conexão com a ancestralidade afro-brasileira. “Reni é uma mulher de terreiro, e isso fortalece ainda mais a comunicação e a estética do espetáculo. Ela traz uma visão que enriquece o trabalho e o torna ainda mais comprometido com nossas raízes", completa o diretor.
O ator Everton Machado, que dá vida a Ogum desde a primeira temporada, destaca que, para ele, interpretar o orixá vai além de um papel teatral, é um compromisso espiritual. "Quando fui convidado para o projeto, antes de aceitar o papel, fui ao terreiro consultar minha mãe de santo. Ela me disse: 'Você tem que fazer, porque Ogum sabe que é o seu trabalho'. Isso me deu tranquilidade e me fez entender que minha participação na peça também era uma missão espiritual. Como filho de santo, tenho uma responsabilidade imensa com o que estou colocando em cena. Orixás não são personagens fictícios, eles fazem parte da nossa vivência religiosa e cultural", comentou o ator.
A preparação de Everton para interpretar Ogum não foi apenas emocional e espiritual, mas também física. O ator contou com o trabalho da coreógrafa e preparadora corporal Nildinha Fonseca, que desenvolveu movimentos que traduzem a energia e a força do orixá no palco.
“Foi um processo muito intenso, porque queríamos garantir que, ao trazer Ogum para a cena, estivéssemos respeitando toda a sua potência e importância dentro do Candomblé", afirma Everton.
O ator Heraldo de Deus, que interpreta Massu, também destaca como a preparação para o espetáculo foi guiada pelo respeito às tradições afro-brasileiras. "Massu é um personagem que me emociona muito. Ele é um homem simples, mas que carrega um senso de justiça profundo, algo que é muito presente na nossa cultura. A fé dele, o amor que tem pela família e o respeito que demonstra pelos outros são características que vejo todos os dias nas pessoas da nossa comunidade. É impossível não se conectar com esse personagem", reflete.
Heraldo entrou para o elenco em 2019, mas conta que antes disso já tinha assistido e gostava bastante do espetáculo. "Eu costumo dizer que participo da peça desde a primeira temporada, ainda que como plateia. Tive contato com a história adolescente, quando vi a versão de Pastores da Noite que a Globo fez, em que Lázaro Ramos interpretava Massu, depois descobri o livro na biblioteca da escola. Quando soube que O compadre de Ogum iria ser montado para o teatro, corri pra assistir e desde então tenho esse amor. Já era fã e quando o Edvard me convidou, fiquei emocionado por poder fazer parte de algo tão significativo”, relata.
Além de toda a preparação espiritual e física, os desafios da nova temporada também envolvem a expectativa de continuar tocando o público de maneira genuína. "O teatro é um espaço de troca, de energia. E, para nós, que estamos lidando com temas tão profundos e sagrados, é sempre uma responsabilidade enorme garantir que essa troca seja feita com muito respeito. O público que vem assistir Compadre de Ogum não está apenas vendo uma peça, está participando de uma celebração, de uma homenagem à nossa ancestralidade", acrescentou Everton.
Com uma trajetória de 10 anos e diversas temporadas de sucesso, Compadre de Ogum promete trazer ainda mais força e vitalidade para o palco representando diferentes elementos da cultura baiana.
Compadre de Ogum / De quinta-feira (11) até domingo (13), 19h / Domingo: sessão extra às 16h / Espaço Cultural Barroquinha (Centro) / R$ 30 e R$ 15
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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