ARTE VISUAL
Jean Wyllys lança sua exposição de arte “Desexílios” em Salvador
Ativista político escolheu a capital baiana como ponto de partida para a exposição
Por Lula Bonfim
Ativista político, jornalista e, agora, artista visual. Esse é Jean Wyllys, ex-deputado federal, que lança nesta segunda-feira, 8, às 18h15, sua exposição “Desexílios: Passado Presente”, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Bahia, no bairro da Graça, em Salvador. A mostra dialoga com o retorno do ex-parlamentar ao Brasil, após quatro anos de exílio durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em entrevista ao portal A TARDE, Jean afirmou que sua entrada no campo das artes visuais é mais um dos braços de seu ativismo político, voltado para transformar a realidade das pessoas.
“Eu sou um intelectual público que também se expressa através das artes visuais. Esse trabalho é um desdobramento do meu ativismo político. Antes de me eleger para um cargo eletivo, eu era um ativista. E o meu trabalho como jornalista, inclusive aqui em Salvador, premiado, estava sempre em consonância com esse meu ativismo”, explicou.
Segundo Jean, o desenho e a pintura estão presentes em sua vida desde a primeira infância e o exílio, vivido por quatro anos, foi fundamental para motivá-lo a apostar nas artes visuais.
“Minha primeira expressão, antes da fala, foi o desenho. Mas eu passei a pensar nisso depois. Foi o exílio que me fez pensar. Em função do próprio exílio, a pintura e o desenho foram os lugares do refúgio e da cura. E o que começou dessa maneira virou, de forma pensada, uma forma de intervenção na esfera pública através da arte, da pintura, não apenas do texto”, avaliou Jean.
A exposição, composta por desenhos, pinturas e colagens, tem a marca da arte contemporânea, contestando os padrões artísticos estabelecidos e muitas vezes abdicando das tradicionais telas como plataformas para as obras, substituindo-as por sacolas de papel, blocos de vidro, jornais antigos, entre outras coisas, às vezes encontradas em lixeiras de Barcelona.
“Muito raramente eu uso tela. Telas são caras. A arte visual, em si, é cara. As tintas são caras. Eu já gastava uma grana comprando esse material. E, por conta dessa precariedade material e existencial na vida em exílio, nasceu essa estética. Eu uso outros suportes. Quando eu falo de economia, de desigualdade, eu uso sacolas de papel, que eu usava para comprar pão”, justificou Jean.
“Eu achei dois blocos de vidro no lixo em Barcelona e eu fiz um trabalho, com o Batman e o Coringa, que as crianças gostaram muito. Sempre que eu passava no caminho da Universidade de Barcelona para a minha casa, eu achava nesse lixo urbano diversas coisas. Uma vez, encontrei um exemplar de La Vanguardia de 13 de maio de 1968. Original, de um ano de movimento estudantis, de contracultura”, contou o artista.
Inicialmente, a exposição se chamaria “Desexílio”, no singular. Mas, por sugestão de seus curadores, Jean decidiu ampliar o tema de sua mostra para além do exílio político que viveu nos últimos anos, lembrando as barreiras sociais impostas por sua sexualidade. Nascido em Alagoinhas, ele lembra da importância que foi ter se mudado para Salvador no início da vida adulta, para que superasse parte dos julgamentos que enfrentava no interior.
“A exposição era Desexílio, mas passou a ser Dexesílios, por causa das minhas múltiplas experiências como exilado. Eu sou um homem gay, então, desde sempre, eu estive exilado da heteronormatividade, essa ordem cultural. Eu tive que sair para um centro maior, Salvador, para ser eu mesmo. No anonimato dos centros urbanos, nós, gays, conseguimos ser nós mesmos, mais do que nas cidades do interior. Além disso, ser gay é ser desertor do patriarcado. Somos exilados do patriarcado também. E teve, é claro, o meu exílio político”, enumerou.
Recado político
Nada da exposição Desexílios é por acaso. A data, 8 de janeiro, e a cidade, capital de seu estado natal, foram escolhidas intencionalmente para o lançamento do projeto no Brasil. Jean queria passar um recado político, exatamente no dia em que se completa um ano dos ataques golpistas contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
“Minha exposição vai ser a antítese do 8 de janeiro, que foi um ato de terrorismo, com destruição de obra de arte, um ataque à arte moderna, com tentativa de destruição da memória. A minha exposição é o contrário: é a memória do Brasil e quer contrapor com beleza todo aquele horror que teve em Brasília. Ao mesmo tempo, é para levar às pessoas a pensar, fazer o contrário daquilo que aconteceu no 8 de janeiro”, disse Jean.
A exposição esteve por uma temporada no Palau de La Virreira, em Barcelona. Agora, para sua chegada no Brasil, Jean pensou em três possibilidades de cidades para dar o pontapé inicial. Na sua cabeça, precisava ser em locais que tinham relação com seu ativismo político ou com sua trajetória profissional. A decisão final foi tomada com a influência de um dos curadores da mostra, Daniel Rangel.
“Quando voltei do exílio, a exposição seria inaugurada no Rio de Janeiro. Eu queria que fosse ou no Rio, ou em Brasília ou em Salvador, que foram as cidades em que eu atuei mais fortemente. Mas Daniel Rangel argumentou que precisava ser em Salvador, a cidade em que eu dei início à minha trajetória. Porque não é só a coisa pública, tem muito de pessoal nesse trabalho”, relatou o artista visual.
Apesar de admitir que seu trabalho poderá ser adquirido por pessoas mais abastadas para mera decoração de ambiente, Jean deixou claro o que pensa de suas obras: elas não foram feitas para decorar a sala da burguesia.
“Minha arte não passa por decorar casa. Por mais que muita gente tenha comprado minha arte para decorar sua sala, a minha arte não passa por isso. É um trânsito meu entre o ativismo e a arte. Como eu sou um consumidor de arte visual há muito tempo e sou herdeiro disso tudo, é óbvio que meu trabalho em arte visual tem um conceito. Não é um desenho só pelo desenho. Desenhista tem muitos. Mas o meu trabalho não é esse. Meu trabalho é a arte contemporânea”, definiu Jean, que também alertou para os detalhes de sua exposição.
“Não dá pra ver meus desenhos sem ler os títulos. Os títulos integram meus trabalhos. O meu trabalho é arte política e eu faço isso sem medo de ser feliz. Não é trabalho para decorar sala. A princípio. Os burgueses podem fazer isso, mas meu trabalho não é feito para isso”, concluiu.
“Desexílios: Passado Presente” terá acesso livre no MAC Bahia, que ficará aberto à visitação de terça a domingo, das 10h às 18h. A exposição abordará o contexto político do Brasil e do mundo atualmente, com foco crítico na fake news e na desinformação que foram promovidas nos últimos anos.
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