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LITERATURA

HQs adultas traçam trajetória de três mulheres

Chico Castro Jr.

Por Chico Castro Jr.

07/04/2021 - 6:08 h
O belo traço P&B à mão livre de Matthias Picard, a serviço de contar a história de Jeanine, pioneira prostituta ativista feminista francesa | Foto: Arte: Matthias Picard | Divulgação Veneta
O belo traço P&B à mão livre de Matthias Picard, a serviço de contar a história de Jeanine, pioneira prostituta ativista feminista francesa | Foto: Arte: Matthias Picard | Divulgação Veneta -

Três mulheres em situação de invisibilidade: uma prostituta, uma junky (drogada) e uma que está, de fato, desaparecida. Estas são as protagonistas (menos a última, que é o mote para a trama) de três HQs muito interessantes lançadas há pouco tempo.

Jeanine, de Matthias Picard, é a prostituta. Sabrina, de Nick Drnaso, é a desaparecida. E Megg, a bruxa depressiva protagonista de Mau Caminho, de Simon Hanselmann, é a drogada. Sem nada em comum entre si, as três juntas formam um painel bastante instigante e provocador dos quadrinhos adultos contemporâneos.

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Comecemos pela única que existe de fato na vida real, Jeanine Spenato. Vizinha do cartunista francês Matthias Piccard na cidade de Lyon, esta prostituta de 64 anos (quando a HQ foi produzida, em 2008), então ainda em atividade(!), fascinou tanto o jovem artista que este resolveu contar a história de sua vida em HQ.

A razão do fascínio é muito simples: em suas conversas na mesa do café, Piccard descobriu que Spenato (ou Isa, A Sueca, por causa da peruca platinada que usa para trabalhar), teve uma vida absolutamente incomum, cheia de aventuras e que, ainda por cima, foi uma das precursoras do movimento feminista e da luta por direitos entre suas pares.

Argelina, Jeanine e seus pais tiveram de se mudar para a França (junto com toda a população francesa local) após a guerra de independência. Se na Argélia não eram bem vistos por serem “colonizadores”, na França se tornaram pied- noirs (pés-pretos), ou seja: argelinos de ascendência europeia que foram corridos de lá após o recuo francês.

Ainda jovem, após sair tarde da noite do cinema em que trabalhava como lanterninha, Jeanine foi abordada por um homem na rua que lhe perguntou “quanto é”. Conversa vai, conversa vem, ela aceita o trabalho inesperado – e acaba fazendo carreira no ramo.

Anos depois, já uma profissional experiente, Jeanine se envolve no movimento pioneiro que ocorria na França nos anos 1970. Como uma das líderes do movimento, foi recebida e ouvida em universidades e na ONU (Genebra).

O posfácio escrito pela escritora brasileira Monique Prada – ela própria trabalhadora sexual e autora do livro Putafeminista (Veneta, 2018) – é um adendo precioso à HQ, contextualizando a luta das mulheres e relembrando um episódio surpreendente, a Revolta de Lyon, “(...) quando as prostitutas, em protesto contra a perseguição policial, entre outras questões, ocupam a Igreja de Saint Nizier”.

Além de uma resposta violenta da polícia, as mulheres ainda foram ameaçadas pelo Estado com a perda da guarda de seus filhos. Resultado: os protestos se espalharam pelo país, com as outras mulheres, não-prostitutas, se engajando em sua defesa e fazendo o governo desistir da ideia. Sororidade é isso aí, o resto é conversinha mole de Instagram.

De leitura leve e envolvente, Jeanine exala o carinho e o respeito do autor pela sua biografada a cada página. Leitura adorável e muito instrutiva.

Imagem ilustrativa da imagem HQs adultas traçam trajetória de três mulheres
A arte “fria” de Nick Drnaso ilustra bem o clima opressivo de Sabrina, um olhar apurado ao mundo caótico de hoje | Arte: Nick Drnaso | Divulgação Veneta

A desaparecida

Nada leve é Sabrina, a HQ da moça desaparecida, do norte-americano Nick Drnaso. Primeira graphic novel indicada ao Man Booker Prize, um dos mais conceituados prêmios literários da língua inglesa, Sabrina é um olhar apurado para estes nossos tristes tempos, quando nos debatemos para manter alguma sanidade entre a paranoia generalizada, fake news e desinformação.

Um mês depois de Sabrina desaparecer, sua irmã, Sandra, e seu namorado, Teddy, lidam cada um à sua maneira com a situação. Teddy se muda para a casa de um amigo, oficial da Força Aérea dos EUA, onde passa o dia todo de cueca na cama, ouvindo um programa sensacionalista de rádio.

Sandra luta contra a depressão. Enquanto isso, sites de fake news e fóruns de incels (celibatários involuntários, os maiores propagadores de ódio e teorias de conspiração absurdas da internet) fazem a festa com o caso, piorando tudo. Até que um vídeo do suposto assassinato de Sabrina aparece nas redes sociais.

Ainda assim, há quem duvide de tudo, até da existência de Sabrina. Teddy e Sandra passam a ser atacados nas redes sociais. Tudo só piora e piora, um horror – e muito parecido com o mundo (cão) da vida real. Enfim, Sabrina é uma leitura da pesada. Desagradável, porém necessária.

Imagem ilustrativa da imagem HQs adultas traçam trajetória de três mulheres
A arte de livro infantil para os personagens amorais de Mau Caminho, de Simon Hanselmann | Divulg. Veneta

A junky

Já Mau Caminho é um fenômeno: consegue ser engraçada e deprimente ao mesmo tempo. Protagonizada por Megg, uma bruxa verde, depressiva e viciada em substâncias várias, que namora Mogg, um gato maconheiro e sexualmente pervertido, a HQ lembra muito certos materiais dos anos 1990, como a animação Beavis & Butthead e os filmes Kids (1995, de Larry Clarke) e Trainspotting - Sem Limites (1996, de Danny Boyle).

Aqui não há redenção possível: todos os personagens são jovens perdidos, sem rumo e sem visão de futuro além do próximo baseado, da próxima suruba, da próxima bebedeira. Mas quem nunca, né?

Ao conjugar a vidinha miserável dessas pessoas tristes e suas encrencas ridículas com desenhos que remetem à arte de livros infantis de antigamente, o quadrinista australiano Simon Hanselmann acaba criando uma obra bem interessante e de identidade muito própria – não à toa, tem sido bastante premiado em festivais de quadrinhos mundo afora. Evidentemente, Mau Caminho não é para todo mundo, podendo causar “gastura” em sensibilidades mais frágeis. Mas certamente não é para esses que Hanselmann trabalha. Felizmente.

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