QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
'Literatura pode afrontar e fazer o mesmo nas pessoas', diz Mia Couto
Com teatro lotado, escritor falou sobre “As Pequenas Doenças da Eternidade” em mesa na Flipelô
Por Rafaela Souza
Com mais de 30 livros publicados, o escritor, jornalista e biólogo, Mia Couto, foi um dos grandes nomes a participar da sétima edição da Feira Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), no Centro Histórico de Salvador. A presença do autor arrastou uma multidão na noite deste sábado, 12, ao auditório do Teatro Sesc-Senac Pelourinho.
Por conta da lotação do espaço, a mesa "Uma conversa sobre o livro: As Pequenas Doenças da Eternidade", obra do autor lançada recentemente no Brasil, foi exibida em um telão em frente à Fundação Casa de Jorge Amado, no Largo do Pelourinho, além da transmissão no canal da Flipelô no YouTube.
Na mesa, que contou com a mediação da escritora baiana Luciany Aparecida, Mia Couto tratou sobre temas sensíveis e inevitáveis da condição humana, como o medo, a finitude, entre outras questões da contemporaneidade, incluindo temas atuais relacionados à pandemia de Covid-19.
"É uma honra participar dessa festa que tem como homenageada a ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, que é uma grande intelectual do nosso tempo. Esse é um momento de felicidade e, sem dúvidas, de diálogo e muito aprendizado. Queria falar também sobre a felicidade em ter sido convidada para fazer essa conversa, mediar essa mesa com Mia Couto, que tem uma carreira inspiradora e, para mim, que sou uma romancista estreante, é um momento de muito aprendizado", iniciou Luciany Aparecida ao receber o escritor moçambicano no palco.
Antes de começar o bate-papo sobre o livro, o escritor saudou o público, principalmente os que não conseguiram ter acesso ao teatro, e explicou o motivo de não fazer sessão de fotos e autógrafos no evento. Mia Couto destacou que escreve para estar junto às pessoas.
"Muito obrigada pelo convite, mas eu queria dar uma explicação, fazer um comunicado para as pessoas que não conseguiram entrar na sala. Elas merecem todo o meu respeito e quero pedir também que se houver tempo, eu vou lá fora dar um abraço nelas. É um processo complicado para mim porque eu escrevo para estar com as pessoas, para estar com gente", afirmou.
Em meio a multidão de leitores, Mia ainda revelou que não deseja ter fãs e que prefere ofertar o seu tempo de outra forma. Segundo ele, os autógrafos não contemplam a dimensão do encontro e a história de cada pessoa.
"Eu não quero ter fãs, eu não quero que a simples assinatura de autógrafo seja uma coisa mecânica, quero que essa pessoa que está na minha frente seja como alguém que tem uma história e não só um nome. E é por essa razão que eu não vou dar autógrafos porque seria totalmente contra, eu quero dar o meu tempo para as pessoas de outra forma. E não é porque eu não queria cansar, eu gosto desse cansaço", declarou.
"Peço a Deus que me dê a felicidade das pequenas doenças", assim começa o conto que dá título à coletânea. Nele, uma mãe e seu filho rezam para evitar graves enfermidades e tentam, sem sucesso, postergar o próprio fim. Sobre o processo de escrita diante das dores e medos apontados em "As Pequenas Doenças da Eternidade", Mia detalhou como foi pensada a seleção dos contos, já que o livro é uma coletânea de textos publicados na revista portuguesa Visão.
"Eu posso falar um bocadinho deste livrinho, que é uma coletânea de contos que escrevi para a revista Visão. Eu já faço isso há quatro anos mais ou menos. E, portanto, ao fim de dois anos, digamos assim, eu fiz uma seleção dessas histórias que me perseguiram, que resistiram ao tempo e não eram datadas. E foi publicado em Moçambique, Portugal, um primeiro livro com o nome ‘Caçador de Elefantes Invisíveis", reiterou.
Natural de Moçambique, o escritor ainda falou sobre os percursos de escrita, que definiu como caótico, e a influência do seu país nas escolhas temáticas em sua mais recente obra. Entre os pontos, Mia destacou a necessidade de abordar a realidade que 'precisa ser afrontada e não esquecida' em todo o mundo, a exemplo da violência contra a mulher no mundo.
"Eu escrevi porque houve uma campanha que foi suscitada por uma morte de uma mulher jovem. No Brasil, eu pensei que ia falar de um caso especial em Moçambique, quando fui ler aquilo que são estudos feitos por órgãos internacionais, o Brasil é o quinto com maior índice de violência contra a mulher. Então, eu acho que o Brasil entende quando estou a falar sobre as mulheres que são mortas de forma violenta, agredidas sexualmente. Eu inventei um nome em respeito a essa mulher e eu acho que a literatura pode apaziguar, mas, neste caso, deve incentivar a incapacidade de não aceitar essa realidade que não pode ser esquecida. Não há beleza que se possa aplicar aqui", pontuou.
"Muitas vezes o que me motiva a escrever é o desvalorizar a realidade porque ela é uma mentira quase sempre. Não é que eu dê muita importância ao que eu faço, não é isso, eu sou muito apaixonado pelo que eu faço. O que eu considero muito importante, o que eu não quero é considerar como nos dizem que ela é. Mas essa realidade que eu quero subalternizar, ela tem alguma coisa que de vez em quando a gente tem que afrontar e fazer que as outras pessoas possam afrontar também", acrescentou.
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