DIA DA BIBLIOTECA
Mesmo com a internet, bibliotecas ainda atraem grande público
Além de obras raras, espaços ainda oferecem cursos e eventos culturais
Por Franciano Gomes
Como uma casa para os amantes dos livros, as bibliotecas continuam a receber diversos visitantes em Salvador. Além de oferecer obras impressas e edições que, em muitos casos não estão na internet, os espaços proporcionam interações sociais, através de cursos, atividades culturais e da troca de experiências entre os frequentadores. Interagindo com a internet, os espaços disponibilizam também links para empréstimo de livros e até encontrar versões em e-book.
Mesmo com a facilidade que a tecnologia traz de ler um livro no mesmo smartphone onde temos as nossas redes sociais, muitas pessoas ainda preferem os livros físicos. Indo além do gosto pessoal, estudantes e pesquisadores também encontram nesses espaços edições raras de livros e até revistas e jornais que ainda não tem versões online.
Nesta terça-feira, 9, Dia da Biblioteca, para saber um pouco mais sobre a relação do povo de Salvador com esses locais de leitura e interação social, o Portal A TARDE visitou duas das principais bibliotecas do município, começando pela Biblioteca Central do Estado da Bahia, primeira biblioteca pública da América Latina. Localizada nos Barris, seu acervo é composto por 600 mil arquivos, dos quais mais de 150 mil são livros, sendo distribuído entre nove seções (Braile, Infantil, Pesquisa/Referência, Empréstimo, Periódicos, Obras Raras e Valiosas, Documentação Baiana, Artes e Audiovisual).
Segundo o diretor da instituição, Marcos Viana, há a falsa ideia de que as bibliotecas não são mais tão relevantes, no entanto, os ambientes continuam sendo bem frequentados, por públicos de todas as idades.
“Há essa falácia de que hoje você encontra tudo na internet. Isso não é bem assim. Claro que hoje a internet facilita a vida. Como toda tecnologia, ela vem para facilitar. E o facilitar não é resolver todo o problema”, iniciou.
“Você hoje consegue fazer pesquisas, ter respostas mais rápidas, por exemplo. Antigamente você precisava fazer uma busca em enciclopédia, pesquisar verbetes, termos e etc. Você hoje acha isso on-line”, completou.
Para Marcos, embora haja várias enciclopédias e muitos conteúdos na internet, nem todas as informações são verdadeiras, e nem sempre as pessoas conseguem fazer esse filtro. Já no acervo da biblioteca, as informações são oficiais, registradas em diversos suportes. O diretor ainda aproveitou para citar uma outra falácia social.
“Há também a falácia de que as pessoas não leem muito hoje. As pessoas precisam de acesso. Aqui, por exemplo, nós temos uma quantidade muito grande, tanto de pessoas jovens, como pessoas adultas mais maduras, que buscam aqui o tempo todo para fazer suas leituras.”
Ainda segundo o diretor, a instituição dispõe de um setor de empréstimo com mais de 20 mil obras disponíveis, proporcionando uma vasta literatura, não só local, mas nacional e até, estrangeira. “Recentemente, com a Lei 10.639, conseguimos, fazer uma grande aquisição e temos exemplares dos melhores e maiores autores negros, esses mais famosos, todos à disposição do público, até de forma gratuita”, diz ele, citando a medida federal que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".
“No Brasil, nunca se publicou tanto em papel, como agora se publica”, completou.
No Brasil, nunca se publicou tanto em papel, como agora se publica
Acessibilidade
A biblioteca dispõe de um amplo espaço dedicado à população cega e de baixa visão, onde, além de um acervo diversificado, com livros em braile, há ferramentas que auxiliam essas pessoas, como uma lupa eletrônica, que projeta a imagem do livro em uma tela grande de televisão, e um óculos de uma tecnologia recém-chegada na Bahia, que através de inteligência artificial, transforma imagens em texto.
“São 11 óculos Orcam, que traduzem imagens em texto e você ouve uma voz agradável, não aquela voz robotizada. A pessoa totalmente cega, consegue ler tranquilamente”, afirmou.
"Por exemplo, cédulas de dinheiro, você pode cadastrar todas no óculos e vai poder descobrir quais cédulas ela tem na mão, sem precisar usar o tato, bastando passar a cédula na frente do óculos para saber o valor. Isso para a autonomia da pessoa cega é muito importante." completou.
Ainda segundo Viana, o usuário pode cadastrar no dispositivo também, o rosto das pessoas e ao colocar os óculos, identificar as pessoas cadastradas que estiverem em sua frente.
"Isso facilita o dia a dia da pessoa com deficiência visual. Nós temos aqui pessoas que vêm fazer leitura e que não depende apenas do sistema de braile”.
O espaço ainda proporciona aulas gratuitas de xadrez para cegos, com direito até a competições abertas ao público. Além disso, há eventos também com atendimentos de um grupo de massoterapeutas cegos no local.
Raridade
O acervo da Biblioteca Central do Estado da Bahia tem livros que datam do século 16, raridades que, em muitos casos, ainda não estão na internet e são o “objeto de desejo” de muitos pesquisadores, que têm a biblioteca como uma parceira dos estudos em todos os graus de graduação. Um deles é o professor, pesquisador e historiador Edilon Santos, que começou a frequentar o local ainda na adolescência.
"Aqui eu constituí vida, constituí empregabilidade, conhecimento, e são anos de pesquisas, desde a minha adolescência, até a maturidade. Foi aqui que eu concluí as minhas pesquisas de ensino médio, depois, minhas pesquisas de ensino superior, até chegar ao mestrado. Hoje eu sou professor graças a essa biblioteca".
Edilon ainda ressaltou a relação emocional que criou com a instituição ao longo do tempo e as relações de amizade que cria com as outras pessoas que frequentam o local. "Uma relação de amor, de empatia, tanto que com todo esse avanço digital que existe hoje, a biblioteca continua sendo pra mim a minha maior fonte de pesquisas [...] A gente mantém os encontros. Aqui não é só um local de livros, aqui é um local de contos, de palestras, de rodas de conversas. E é isso que me faz permanecer aqui, mesmo sabendo que a cada dia mais, o mundo digital tem batido à nossa porta com tanta força, mas os livros se mantêm fiéis, as escritas se mantêm fiéis, as bibliotecas se mantêm de pé”.
A arquiteta Brenda Brito lembra de quando frequentava a biblioteca comunitária, ainda na adolescência, reunida com seus amigos, para fazer trabalhos escolares. Mesmo ainda sendo muito jovem, ela conta que os pais se sentiam seguros em deixar ela ir. E foi justamente a mãe de Brenda quem lhe apresentou a Biblioteca Central dos Barris.
"Me mostrou o mundo na adolescência e juventude. Era um espaço onde o tempo passava de forma diferente, programa pra fazer sozinho ou com amigos que compartilhavam aquela paixão. A biblioteca pra mim é a porta de possibilidades outras, sobretudo para crianças e adolescentes na periferia, que podem vislumbrar outros mundos. Esses espaços resgatam, criam alternativas de existência e possibilidades de futuro".
Além do acervo com muitas raridades, a Biblioteca Central do Estado da Bahia realiza eventos para todos os públicos e todas as idades, como lançamentos de livros, cursos que vão além da literatura, contação de histórias que acontecem em um espaço dedicado para as crianças, dentre outras programações, de acordo com agenda e datas comemorativas.
Biblioteca Anísio Teixeira
Saindo do bairro dos Barris, a rota de bibliotecas chega até o Dois de Julho, onde, na avenida 7 de Setembro, se encontra a recém reformada Biblioteca Anísio Teixeira. Segundo a diretora Laura Galvão, o local pertence ao instituto de educação desde 1956, mas foi em 1985, que ela passou a levar o mesmo nome que homenageia o intelectual baiano. Para ela, a instituição é um um organismo vivo.
"Recebemos leitores de todas as idades, um público bastante eclético, tanto para a leitura de jornais e revistas, quanto para atividades culturais".
Com um acervo de aproximadamente 14 mil livros, a biblioteca, que passou por reforma entre o ano de 2019 e 2022, possui setor de empréstimo, na sua maioria, da literatura nacional. Além de literatura estrangeira, há também o setor de pesquisa, e o espaço ainda realiza ações culturais próprias e da programação da Fundação Pedro Calmon.
"Nós recebemos o público em geral, crianças, adultos, jovens. Nós temos também alguns computadores ligados à internet, que é também um atrativo para os jovens virem à biblioteca pesquisar, fazer seus trabalhos de escola, checar e-mails, entre outros".
Além de estar localizado em um roteiro cultural que fica próximo a grandes espaços, como o Cine Glauber Rocha e o Centro Histórico, a biblioteca passou a receber ainda mais turistas. Para completar, a reforma transformou o casarão em um lugar instagramável.
O espaço ainda conta com sala para crianças, acervo infantil, contação de histórias, sala para leitura e reuniões, acervo especializado para pessoas surdas , em LIBRAS e recebe semanalmente pessoas em situação de rua.
"A organização é um espaço de encontros. As pessoas em situação de rua encontram na biblioteca um apoio, não só dos equipamentos que a biblioteca oferece, mas também um apoio humano, que são os funcionários que recebem, que ouvem", afirma a diretora.
Laura ainda ressalta o papel social do equipamento cultural na vida de seus frequentadores, indo além de uma casa de livros, mas se tornando um local de trocas, onde o leitor também pode compartilhar seus anseios e necessidades.
"Muitas vezes, a nossa proposta de programação cultural é voltada para esse público também, os anseios da população, o que é que eles querem encontrar na biblioteca. Hoje nós quebramos esse paradigma de a biblioteca ser somente um local de livros. Ela vai muito além disso, passando pelo fazer humanitário, que é um encontro justamente com o outro".
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