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LITERATURA

'Mussum tinha temas mais adultos, era mais malandro'

Por Gabriel Serravalle

02/09/2014 - 12:32 h
Mussum, Didi, Dedé, Zacarias
Mussum, Didi, Dedé, Zacarias -

Foi numa mesa de bar, tomando cerveja e batendo papo com um amigo, que o jornalista paulista Juliano Barreto despertou para a necessidade de escrever a biografia de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o eterno Mussum. E não foi como muitas daquelas ideias que surgem em mesa de boteco e se desvaem a cada gole. Ele levou o projeto a sério e hoje o livro Mussum Forevis: Samba, Mé e Trapalhões, publicado pela editora Leya, já está nas prateleiras de livrarias de todo o Brasil. A biografia chega 20 anos após a morte do trapalhão que, depois de uma infância pobre no Rio de Janeiro, ganhou o coração dos brasileiros. Juliano traz relatos inéditos sobre a vida de Antônio Carlos, passando pelos seus dramas e alegrias. Em entrevista ao A TARDE, o autor fala da experiência de imergir nessa história e de como Mussum se tornou, hoje, um personagem cult no Brasil.

Como despertou em você a ideia de escrever a biografia do Mussum?
A ideia nasceu num boteco. Eu estava tomando cerveja com um amigo que tinha acabado de escrever um livro. A gente estava conversando e, de repente, surgiu essa ideia de que faltava um livro sobre o Mussum, que é um cara tão comentado, mas não tinha uma biografia sobre ele. Então levei o projeto na editora [Leya], que gostou. Depois apresentei para a família dele, que também gostou. É um projeto que tem a missão de resgatar coisas legais que o personagem tinha feito.

Por que o Mussum? Ele já era o seu trapalhão favorito?
Agora é até difícil de falar isso, porque foram três anos de pesquisa e ele acabou se tornando muito presente pra mim. Mas durante esse processo de apuração, acabei me deparando com brinquedos e filmes dos Trapalhões que fizeram eu me lembrar muitoda minha infância. E, naquela época, para mim era uma coisa só. Eu não tinha um preferido. Mas, com certeza, na adolescência era o Mussum disparado. Porque ele tinha temas mais adultos, era mais malandro. Ele usava temas que agradavam a quem era um pouco mais velho. Mas o grupo todo era mais forte junto.

Ele morreu em 1994. Você não acha que demorou para alguém escrever uma biografia dele?
Acho até que não só dele. Tem muita gente legal que merece um livro. E acho que não é por falta de gente disposta a escrever, mas sim por falta de gente disposta a publicar. Falta também um maior entendimento sobre as bibliografias autorizadas e não autorizadas. O mercado editorial também é muito pequenininho. Então, somando tudo isso, realmente a do Mussum demorou, mas a de outras pessoas também.

A pouca quantidade de material sobre a vida dele dificultou a pesquisa?
Sobre as informações relacionadas à infância e juventude dele, não posso culpar ninguém, porque uma pessoa que é pobre tem poucos registros. Mas se você pegar um cara rico ele vai ter álbum de criança, quadro da família, toda aquela coisa. Mas o cara pobre tem a certidão de nascimento, só. No caso de Mussum, a primeira foto dele só foi feita no colégio interno. Não tem fotos nem muitos registros daquela fase da vida dele. Agora, pra ter acesso às coisas referentes aos Originais do Samba, o conjunto dele, eu tive muita dificuldade porque as gravadoras não lançam o catálogo. Então tive que ir atrás de vinil e outras coisas antigas. Tem muita coisa também escondida nas emissoras de TV.

Então foi preciso conversar com muita gente em busca de informações?
Eu tinha uma lista inicial de pessoas, que acabou triplicando ou quadruplicando. Isso aconteceu por causa das descobertas que fui fazendo. Eu, por exemplo, já sabia que, por algum tempo, ele tinha tocado com o Jorge Ben. Aí depois eu descobri que ele foi tocar com a Elza Soares, que fez uma peça com a Marília Pêra. Descobri que o Castrinho era muito amigo dele. Até pessoas que não têm coisas gravadas com ele acabaram fazendo algum trabalho, conhecendo os bastidores. Ele era um cara de muitas amizades, muito aberto e social. O Zeca Pagodinho, por exemplo, é um cara que eu não fazia a mínima ideia de que tinha alguma ligação com o Mussum, até pela idade e geração que é diferentes. Ele gravou uma das primeiras músicas do Zeca. Então, no meio musical, falei com muita gente, como o Arlindo Cruz, Almir Guineto, Jorge Aragão, Jair Rodrigues, Elza Soares, Beth Carvalho, Martinho da Vila. Na televisão, também. Falei com o Milton Gonçalves, por exemplo, que trabalhou com o Mussum no início da carreira. teve muita gente que eu não esperava falar. Como, por exemplo, o Milton Gonçalves, que é um ator mais conhecido pelo drama. Mas no começo da carreira o Mussum trabalhou com ele. Durante os anos dele na TV, ele trabalhou com muita gente. Então, além da família e do pessoal da Mangueira, que conheciam mais a vida privada dele, conversei com muita gente que conviveu com ele profissionalmente.

No livro, você traz imagens de documentos e escritos pessoais dele. Como foi o acesso a um material tão particular?
Talvez o maior tesouro dessa parte do livro são os cartões postais. Ele estava viajando pela Europa e America Latina e mandava para a esposa dele. Esse material estava guardado com a família. Eles têm um acervo com correspondências e outros objetos pessoais, como credencial do Carnaval e crachá dele na Rede Globo. A família guarda algumas recordações. Muitas coisas também foram encontradas com amigos, outras em arquivos de jornais. Foi um garimpo muito grande. O boletim escolar dele, por exemplo, deu um trabalho enorme para conseguir. Foram uns seis ou oito meses para localizar aquele registro e, depois, pedir autorização e ter acesso. É algo pessoal e a instituição escolar não permite que qualquer pessoa pegue. Nem a família sabia daquele documento.

Muita gente conhece o Mussum, mas talvez poucos conheçam o Antônio Carlos. Contar essa história pouco difundida é o ponto alto do seu livro?
É uma das coisas legais. A parte artística do Mussum a maioria das pessoas acha que conhece. Eu também achava que conhecia. Ele também fez muitas coisas boas que muita gente não conhece, principalmente na música. Mas, realmente, a parte pessoal é uma surpresa muito legal porque ele é uma figura tão próxima de todo brasileiro. Todo mundo gosta dele. Ele passou por dramas pessoais. A primeira esposa dele perdeu o filho no sexto ou sétimo mês de gravidez. É até uma surpresa ver que ele era feliz e um palhaço apesar de ter passado por coisas tristes. A vida dele não foi uma comédia, foi bem dura.

O Mussum, hoje, ganhou uma áurea cult, estampando camisetas e artigos da cultura pop. Na sua opinião, a que se deve isso?
Primeiro porque ele é um personagem bom, tem qualidade, humor e muito carisma. Mas houve outros com tanto carisma quanto ele que não viraram essa febre toda. Então a explicação que eu encontrei para isso é a de que ele fazia um humor que hoje se encaixa muito bem na cultura dos memes: uma informação curta, fácil de entender, de passar pra frente e que, quando dita de uma forma simples, vira um viral. Uma piada para o Mussum podia ser só uma palavra. "Cacildis", por exemplo. Os quadros dele nos Trapalhões às vezes duravam um minuto. Então é muito bom esse formato para você ver de uma forma rápida e a coisa vai se espalhando. E o tipo de humor dele combina muito com a internet. Então acho que isso deu um novo gás a ele. Mas também não dá para ignorar que Os Trapalhões nos anos 80 e 70 chegaram a ter 80% da audiência. Já tinha muita gente que gostava dele.

Para muitos, se ainda existissem, Os Trapalhões já não fariam tanto sucesso pois sofreriam as imposições do 'politicamente correto'. Como você vê isso?
Todo mundo fala que eles eram politicamente incorretos, mas esquecem que boa parte da vida dos Trapalhões foi com ditadura. Eles não tinham essa liberdade toda que pareciam ter. Eles mandavam o roteiro para o departamento de censura, que riscava tudo. E na hora de gravar o programa tinha um censor olhando. Acho que hoje eles fariam sucesso da mesma forma. Até porque a fórmula deles não era fazer humor com preconceito, baseado em racismo ou querendo diminuir as pessoas. A fórmula deles era fazer humor baseado nas ruas. Imitar o jeito de falar, o jeito de agir das pessoas. Hoje eles não fariam algumas piadas que faziam antes. Por exemplo, chamando o nordestino de "Paraíba" ou o negro de "negão". Talvez eles não fizessem isso, mas com certeza usariam as gírias ou piadas que a gente faz nas ruas e levariam para o programa. E fariam sucesso sim, porque eles tinham uma sintonia muito grande com o povo .

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