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16/08/2021 às 6:00 | Autor: Osvaldo Lyra

LITERATURA

'O brasileiro redescobriu o livro e o prazer pela leitura', diz presidente do Sindicato dos Editores

'A livraria tem que ser um ponto de encontro. Esse é o modelo do futuro', diz Marcos da Veiga Pereira | Foto: Divulgação
'A livraria tem que ser um ponto de encontro. Esse é o modelo do futuro', diz Marcos da Veiga Pereira | Foto: Divulgação -

Criado na década de 40, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros tem como finalidade o estudo e a coordenação das atividades editoriais, bem como a proteção e a representação legal da categoria de editores de livros e publicações culturais em todo o Brasil. Segundo o presidente da entidade, Marcos da Veiga Pereira, o “brasileiro redescobriu o livro e o prazer pela leitura” durante a pandemia. Uma prova disso é que a venda de livros no país subiu quase 50% no primeiro semestre de 2021. Um resultado positivo, que mostra a pujança do setor. Para o dirigente do sindicato, pouco importa se o livre é físico ou digital. “O mais importante é que as pessoas leiam”. Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, Marcos da Veiga Pereira analisa ainda a mudança no mercado e o fechamento de livrarias físicas em todo o Brasil. De acordo com ele, o modelo atual está passando por mudanças, sobretudo, devido ao fortalecimento do e-commerce. “A livraria tem que ser um ponto de encontro. Esse é o modelo do futuro”. Confira:

Foram vendidos 28 milhões de livros só no primeiro semestre desse ano, o que representa uma alta de quase 50%. A que você atribui esses números?

Eu acho que o brasileiro redescobriu o livro e o prazer pela leitura. Esse período dificílimo que a gente vem vivendo na pandemia, de alguma maneira, trouxe esse benefício para as pessoas terem mais tempo, estarem em casa e, a partir de setembro do ano passado, a gente começa a sentir uma recuperação forte e essa recuperação não parou. A gente continua vendo esses números, números desse ano em relação a 2020, que são muito parecidos, quando a gente olha os números desse ano em relação a 2019, que é um período pré-pandemia, a gente também percebe que o mercado está em evolução. As pessoas estão lendo mais e é muito bom ver que a venda de livros no Brasil subiu quase 50% no em 2021.

Esse aumento na venda de livros mostra que o mercado está pujante ou esse é um efeito da pandemia, onde as pessoas foram obrigadas a ficar em casa e tiveram a leitura e os livros como companhia?

Eu acho que essa pergunta define o nosso futuro. A gente não pode mais ficar olhando uma oportunidade dessas e não agir. Se o brasileiro se reconectou com o livro, se reconectou com a leitura, se o hábito da leitura está voltando... a gente precisa estimular isso, precisa fazer com que isso continue. Acho uma coisa que também mudou é o varejo, eu acho que o varejo online assumiu um protagonismo enorme, evidentemente, porque as lojas estavam fechadas. O varejo online tem uma característica diferente, porque ele bate na nossa porta todo dia. Todo dia você recebe uma mensagem, todo dia você está sendo provocado a consumir, você está sendo provocado a conhecer um novo lançamento, e isso é muito positivo. Ao mesmo tempo, a gente teve uma crise muito forte do varejo físico, um fechamento enorme de lojas da Saraiva, Cultura, aí em Salvador você tinha lojas excelentes que infelizmente fecharam... Mas, enfim, paulatinamente esses espaços vão sendo substituídos por novas lojas, você tem novos investidores querendo participar, abrindo livrarias. E isso também é muito positivo para o futuro.

Ao analisar os números, vemos que essa é uma tendência de crescimento. O brasileiro tem redescoberto realmente o prazer pela leitura?

Olha, só posso acreditar que sim. São muito consistentes os números. O crescimento é permanente a cada mês, a cada período de 4 semanas. A gente, inclusive, passou a medir o comparativo de um período contra o outro, justamente para entender o que está acontecendo agora. Porque comparar 2021 com 2020 às vezes é uma comparação injusta. Você pode estar comparando momentos muito diferentes da vida do país. Então é você ter um olhar mais próximo. E o que a gente tem visto é um crescimento constante. Então se as vendas estão crescendo, evidentemente que a leitura está crescendo, que o interesse das pessoas continua muito forte.

O faturamento das editoras brasileiras com o conteúdo digital também cresceu. Foi 36% só em 2020. A tendência é manter também esse crescimento com o pós-pandemia?

Eu acho que sim. Porque o consumo digital é para as pessoas que são leitores ávidos. As pessoas sempre falam, quando a gente conversa sobre livro digital “ah, eu gosto de folhear, gosto do cheiro”... Eu amo o cheiro, eu amo o folhear. Mas é muito conveniente o consumo digital. A gente poder estar conversando aqui sobre determinado título e você em 5 minutos estar com esse livro disponível no seu aparelho para começar a ler. Então essa conveniência não pode ser desprezada. E eu acho que os formatos se somam. Acho que a gente aprendeu ao longo dos anos, quando o e-book – o livro digital – apareceu, pareceu uma grande ameaça. Não é de jeito nenhum. Não importa se o livre é físico ou digital. No final do dia, o mais importante é que as pessoas leiam. Não importa se elas estão comprando na livraria, se elas estão indo na biblioteca, enfim. O hábito da leitura é o que forma nossa indústria.

Muito se fala, inclusive, que o livro impresso pode perder espaço para o digital pela mobilidade, pela praticidade. Qual a tendência do mercado?

Olha, aí é interessante porque a gente tem essa experiência do exterior. Não sei se você lembra, acho que o brasileiro não sabe muito isso, mas quando surgiram o Kindle e o livro digital, toda vez que surge uma coisa tecnológica dessas, as pessoas começam a apostar em quanto tempo isso vai dominar o mercado. E nos Estados Unidos, que provavelmente foi o lugar onde o livro digital teve maior penetração, ele chegou aí a 30% do total das vendas e foi declinando aos poucos e o livro físico foi crescendo. Eu acho que o espaço do livro digital, eu não saberia precisar qual o tamanho que ele vai ocupar dentro do mercado brasileiro, se ele vai ocupar 20%, se ele vai ocupar 25%... A gente daqui a alguns anos vai estar falando de audiolivros. Como eu te falei antes, eu acho que todas essas mídias se somam, elas não concorrem. Porque no final das contas, o mais importante é contar as histórias. É contar as histórias, divulgar as ideias, e isso é o que define o livro.

Já que não há como projetar o que vai acontecer no futuro, como esse mercado é distribuído hoje? Qual a distribuição de livros físicos e digitais?

A gente tem nessa última pesquisa que a gente fez a informação de que há ainda uma penetração muito pequena, variada, inclusive em relação ao tipo de categoria. Quer dizer, um livro de ficção tem uns 90% físico e 10% digital, um livro técnico/científico essa proporção é menor, o livro religioso é menor ainda. Depende um pouco do tipo de livro em geral. Mas, na média, hoje, eu acho que é 94% físico e 6% digital.

Pelo painel do varejo de livros no Brasil que foi divulgado nos últimos dias, percebemos uma alta nos três cenários analisados pelo estudo. Quais as principais categorias consumidas pelo país hoje? O que o público brasileiro gosta de ler?

Olha, o público brasileiro em 2021 está lendo muita ficção, que é uma coisa que me deixa muito feliz, porque eu acho que a ficção no Brasil veio perdendo espaço para o streaming, para as séries. O brasileiro está consumindo ficção nacional, o Torto Arado é um grande fenômeno e é uma oportunidade para a gente contar histórias brasileiras. Eu sou neto do José Olympio, da Editora José Olympio, e meu avô publicou os 13 autores dos anos 30, 40, 50, quando a tônica era falar sobre o Brasil, falar sobre o Nordeste... Meu avô publicou Jorge Amado no começo. Jorge Amado é um autor que fala das coisas da Bahia. E a gente passou a ler uma literatura estrangeira que fala de um outro mundo. Quer dizer, a gente precisa falar do Brasil. Então eu fico feliz de ver o brasileiro lendo mais ficção, o brasileiro está lendo muitos livros de negócios, livros de autoajuda... Esse momento da pandemia é um momento também de reflexão, livros de meditação, enfim. Eu diria que esse crescimento é generalizado.

Há uma tendência de aumento para o segundo semestre? É possível manter esse otimismo?

Eu acho que a gente começa a entrar num momento de uma base de comparação, porque a partir de setembro do ano passado, as vendas aceleraram muito. Então eu acho que vai se um grande desafio a gente continuar crescendo na comparação como a gente vem crescendo nesse primeiro semestre. Eu vou ficar muito feliz, como a gente falou no início da nossa conversa, a gente estar num comparativo aí próximo a 50% de crescimento. Eu vou ficar muito feliz se a gente conseguir fechar o ano acima de 25%. Quer dizer, eu acho que as nossas taxas de crescimento vão começar a desacelerar um pouco, acho que a gente continua crescendo, mas não da mesma maneira que a gente vem crescendo no primeiro semestre, mas se a gente terminar acima de 25% vai ser um resultado fabuloso.

Muitas livrarias físicas foram fechadas. Elas estão perdendo espaço ou essa é uma mudança que acontece por conta do fortalecimento do e-commerce, do digital?

Eu acho que é uma mudança que já vinha ocorrendo, quer dizer, o modelo mega store ele já tinha meio que falido, digamos. Essa ideia de que você tem que ter uma loja com um acervo imenso, isso não se sustentou. E pelo digital, no final do dia, é isso mesmo. Você não precisa ter um espaço todo pra ter um acervo tão grande. A livraria tem que ser um ponto de encontro. A loja tem que ter uma curadoria muito bem feita pra que o leitor encontre bons livros e, principalmente, novidades. A loja tem que ser um lugar com que as pessoas se encontrem, tem que ser agradável. A loja tem que promover eventos culturais, eu acho que esse é o modelo de livraria do futuro. E temos os novos empreendimentos se movimentando nesse sentido. Mas, principalmente, as livrarias precisam conhecer os seus consumidores. Porque isso é uma coisa que o varejo online, evidentemente, com todos os algoritmos, com toda a tecnologia, ele consegue fazer. Mas a ideia, você entrar numa livraria, como qualquer estabelecimento comercial, e ser reconhecido, isso cria uma relação de vínculo muito forte. E a livraria pode perfeitamente ser um espaço assim.

Percebemos um declínio de marcas e livrarias que eram muito fortes no país, como a Saraiva, como a Cultura, mas há um movimento no mercado para novos empreendimentos, novas empresas despertando o interesse por essa fatia de mercado?

Sim. Particularmente a rede Leitura. Eu acho que eles já estão com uma livraria em Salvador. É uma rede que começou em Belo Horizonte e vem se expandindo pelo Brasil. Eles estão chegando provavelmente daqui a um ano com mais de 100 lojas. Uma empresa muito pé no chão, com valores muito fortes, e eu espero que eles invistam. Quando você falou da Saraiva e da Cultura, eu conheci essas empresas a vida inteira. Eu me lembro do processo de expansão da Cultura, de conversar com a família dona e dizer: gente, vocês estão perdendo uma coisa fundamental que é a qualidade do time de vocês, vocês sempre foram excepcionais em atendimento. O vendedor da Cultura era um cara que conhecia livro. E num processo de expansão, você tem que tomar muito cuidado com isso porque você tem que recrutar muito mais gente, você tem que treinar muito mais gente, e você precisa manter isso. Você precisa manter, é um pouco redundante, essa cultura viva.

A gente percebe nos livros essa consolidação do impresso, do livro físico. Mas percebemos uma mudança grande no contexto do mercado da comunicação, da revista física para o digital, do jornal impresso para o digital. São mundos e públicos diferentes? Como você analisa essa mudança?

É curioso isso, porque eu acho que livro é a mídia mais resiliente nessa transformação. Sem dúvidas o desafio da imprensa, o desafio da notícia é fazer essa transformação... Eu acho que o formato do livro é como o conjunto da obra... Talvez você leia um livro em partes se for um livro técnico/científico/didático. Mas o romance, o ensaio, ele é uma ideia que se empacota de uma maneira inteira. Então, nesse sentido, o digital não tem essa disrupção em relação ao físico. Eu sempre faço uma comparação, por exemplo, a indústria da música. Quer dizer, quando se lançava um álbum, você tinha um empacotamento de 17, 18 músicas que você tinha que comprar aquelas 18 músicas mesmo que você gostasse de 3 músicas. Mas você tinha que comprar as 18 porque era assim que você fazia um CD. Quando você começa a ter o MP3 e o streaming e depois você vai ter o iTunes, é uma maneira de você dizer assim: eu quero comprar essa música, não quero comprar o álbum inteiro. O livro não tem essa característica. O livro é um conjunto único. Como eu te falei há pouco, só não se aplica realmente ao livro técnico/científico, ao livro didático, em que você tenha talvez interesse por um capítulo e mesmo assim a indústria também atendeu a esse tipo de demanda de você ter as bibliotecas de conteúdo. Mas como aqui a gente está tratando desse livro de leitura, do livro de interesse geral, eu acho que esse objeto, não é nem um objeto, é um conceito. É o livro no sentido de conteúdo, não na forma. Eu acho que o conteúdo dele se preserva sempre e não sofre tanto essa disrupção.

E talvez a questão de um livro físico trazer uma história, um contexto que talvez valha a pena se tornar mais permanente, diferente da notícia que se tornou muito rápida. Uma notícia daqui a meia hora pode estar velha, ultrapassada. Isso acaba tendo reflexo também nesse tipo de consumo, já que as pessoas querem ter notícias hoje na palma da mão?

Linda essa pergunta, espetacular. Até porque temos que pensar o seguinte: a gente usa livro como objeto de decoração e como conteúdo mais perene. A gente não se apega a notícia. Você não pega uma manchete, uma capa de jornal e guarda. O livro não. Você guarda, você estabelece uma relação amorosa, uma relação emotiva com o livro. Você estabelece uma relação estética. Quer ver um outro lugar em que o livro foi extraordinariamente divulgado? Nas lives. Aliás, todo dia o Merval Pereira muda a estante dele, acho que ele fica fazendo por semana, acho que deve tirar alguns livros, colocar outros porque estão mais bonitos... A gente tem essa relação com o livro na nossa vida, uma relação visual, uma relação tátil e sentimental. Eu acho que isso é muito bacana, o que você falou agora, faz todo o sentido.

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