LITERATURA
O livro A Terra em Pandemia, de Aleilton Fonseca, mostra a travessia do poeta pelo Hades
Por Eduarda Uzêda

Imagético, impactante, reflexivo, político e, sobretudo polifônico, a obra poética, A Terra em Pandemia, do ficionista, ensaista e poeta Aleilton Fonseca, professor do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) registra, em mais de 600 versos, a trajetória do corona vírus no mundo, desde janeiro de 2220 até setembro do ano passado.
O autor, membro das Academia de Letras da Bahia (ALB), de Itabuna e de Ilhéus, nesta publicação que tem selo da Editora Mondrongo, através de um poema épico e dramático, pinta em cores fortes o flagelo do vírus que ceifou e continua ceifando várias vidas, mas também fala de outros males como a destruição da natureza pelo homem, a violência banalizada e a desigualdade social.


A obra que convoca muita vozes em citações, textos ou fragmentos a exemplo de Luiz de Camões, Gregório de Matos, Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant'Annna (Que País é Este?) traz na poesia a dor, a desesperança e o sofrimento dos que vivem hoje sem a certeza do amanhã, do porvir, do futuro.
Lançado virtualmente este ano, a publicação, que oferece ao leitor um poema- documento das mazela que afetam o mundo, também traz fragmentos de textos em várias línguas: do latim ao grego, do inglês ao italiano, do árabe ao francês, talvez para nos lembrar que todos nós estamos irmanados na mesma desgraça coletiva, do medo e da desesperança.
O livro é estruturado em cinco cantos: O Enterro dos Mortos, Um jogo de Cartas, A Terra em Pandemia, O desfile das Infâmias e Canto final. Em cena, um viajor, que, como na obra de A Divina Comédia, do poeta italiano Dante Alighieri atravessa o inferno. Aliás a atmosfera é das trevas com seus miasmas e odores, penas, gritos lancinantes e desespero.

Coveiros silenciosos
"Advirtam-se todos: os portões dos cemitérios estão abertos. Os coveiros trabalham dia e noite, sem descanso e, silenciosos. Abrem valas e escavam a terra seca, removem pedras e raízes. E depõem nas velas todos aqueles que foram, em vão silenciados."
"Os mortos indagam: por que nós?. Não aceitam preces nem lamentações. (...) A ninguém é dado inocentar-se persignado diante das tumbas. Não há repouso em paz para cerca de 1 milhão de mortos que se revolvem, inconformados, no coração dos entes queridos.", afirma o poema em determinado trecho.
A Terra em Pandemia dialoga com o famoso poema The Waste Land (1922), de T.S. Eliot, ao descrever a terra devastada pela doença e pela dor. O enredo deste poema de Eliot consiste na viagem empreendida por um moderno cavaleiro do Graal através da terra a que se transmitiu a esterilidade do Rei Pescador. Nessa viagem ele pode ter êxito se tiver a coragem de formular as perguntas certas, a "libertar as águas", curando deste modo o Rei e restituindo a vida à terra.

A publicação de A Terra em Pandemia traz ilustracões internas e de capa assinadas por Silvio Jessé , artista visual que publicou em parceria com Aleilton Fonseca, o livro Belo Monte/ Canudos: a Terceira Margem, com textos e cerca de 80 pinturas, desenhos, aquarelas e xilogravuras de temas canudenses.
Na atual publicação, além do maravilhoso posfácio da ensaista, pesquisadora e professora, Maria Thereza Abelha Alves, a obra traz mais de 30 comentários críticos de especialistas do naipe de Edilene Matos, Evelina Hoisel, Ordep Serra, Rita Santana, Carlos Ribeiro, Luiz Antônio Cajazeira Ramos e Adeítalo Pinho, acrescidos de dados sobre o autor, indice e agradecimentos.
Confinamento em massa
"Dividido em cinco partes, este longo poema comunica aos leitores a experiência do que tem sido os desafios de nosso tempo. O caos, a morte, os eventos, os lugares, o confinamento em massa, a falta de cura e a esperança na ciência atravessam seus versos com detalhes que nos remetem à tentativa de Boccaccio e Camus de capturar temas similares em suas obras"
"E se o que todo autor escreve é um registro do seu tempo, Fonseca o faz de maneira marcante com sua pena afiada", depõe na obra Itamar Vieira Junior, contista, romancista, autor do premiado romance Torto Arado.
Já a ensaísta, pesquisadora e professora aposentada, Maria Thereza Abelha Alves em análise sobre a obra – um presente a mais para os leitores pois amplia a compreensão da obra de Aleilton– destaca: "Tal como o poema matriz (o de T.S. Eliot), o brasileiro apresenta cinco cantos, conformados por inúmeras citações de cariz erudito e popular, abarcando literatura, música, mitologia e história, numa escrita plural" Até as cartas do tarô e o I Ching estão presentes.
E é exatamente isso que encanta nesse poema. Está pluralidade de vozes, de diálogos, o que resulta em obra polissêmica, que não se furta à crítica à política do país: " O passageiro das trevas, homiziado no Palácio da insânia, Gabinete do ódio e da insídia, que exala o poder obscuro, acena à multidão ignara que controla. E a gosma do ódio escorre de sua boca horrenda. 'Mito, amo e senhor!'– grita e aplaude a turba insana".
A Terra em Pandemia, obra de fôlego sobre uma dos piores momentos passados atualmente pela humanidade é um livro para prêmios pois o longo poema épico de farta erudição consegue documentar de maneira muito viva e popular. o rastro do Coronavírus sobre a terra. A travessia do viajor ao Hades (inferno, submundo) é a travessia de todos nós.




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