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20/08/2016 às 9:06 | Autor: Gabriel Serravale

LITERATURA

"O mundo é cheio de histórias estranhas", Alexey Dodsworth

Alexey Dodsworth
Alexey Dodsworth -

Um planeta habitado apenas por seres de pele negra, iluminado por seis sóis batizados com nomes de orixás, cuja história é narrada por uma mulher lésbica. Esses são alguns dos elementos que o escritor e filósofo baiano Alexey Dodsworth reúne no seu segundo livro de ficção científica, O Esplendor, publicado pela editora Draco.

A segunda obra do autor neste gênero vem depois do sucesso de Dezoito de Escorpião, sua estreia na ficção científica, que lhe rendeu o prêmio Argos 2015 e teve a primeira edição esgotada. Atualmente morando em São Paulo, onde estuda Astronomia e cursa doutorado em Filosofia, Dodsworth se prepara para o lançamento oficial do livro em eventos no dia 27 de agosto, no Rio de Janeiro, e 2 de setembro, em São Paulo. Antes disso, o escritor bateu um papo com A TARDE e falou sobre a mistura inusitada de ficção científica e mitologia iorubá, além de abordar outros aspectos do gênero.

O Esplendor é o seu segundo livro de ficção científica. Fale sobre a sua relação com este gênero.

Eu sempre li muito, desde que era adolescente, em Salvador. Nos anos 80 eu garimpava livros de ficção científica. Eu já gostava do assunto. Tanto que em 2009 eu entrei no curso de Astronomia da USP. E foi a partir desse estudo que disparou em mim a vontade de escrever ficção científica. Porque eu comecei a me deparar com coisas que eu dizia: 'nossa, isso existe?'. E eram coisas tão bizarras e desconhecidas, mas que são realidades científicas, e eu comecei a usá-las para escrever os livros. Como, por exemplo, quase ninguém sabe que quem descobriu uma gêmea perfeita do nosso sol foi um astrônomo carioca. E eu trato disso em Dezoito de Escorpião, que é exatamente o nome dessa estrela descoberta.

E o que te levou a escolher elementos do candomblé e da cultura afro para compor essa nova história?

Uma coisa que sempre me incomodou quando eu lia ficção científica ou literatura fantástica brasileira, em geral, é que a maioria usa elementos da cultura greco-romana e ambienta seus livros nos Estados Unidos e na Inglaterra. E eu penso: 'mas por que uma pessoa escreve sobre uma realidade onde, muitas vezes, ela nem pisou os pés?'. Eu entendo que preciso escrever a partir de uma realidade que eu conheça, aproveitando elementos de nossa cultura. Eu nasci em Salvador e convivi com essa cultura durante 30 anos da minha vida. Então eu acho que estava na hora de fazer uma homenagem à cultura afro, que é tão presente na cidade.

Então acaba sendo uma homenagem à Bahia também?

Sim, é uma homenagem à Bahia. Sou de Salvador, apesar de meu nome ser absolutamente esquisito. Não é pseudônimo, é meu nome mesmo [risos]. Vivi a minha vida quase toda aí. A minha família é estrangeira. Eu descendo de italianos e escoceses. Mas ela imigrou para a Bahia no começo do século 20. Eu só vim para São Paulo com 32 anos. Então agora eu achei que deveria contar uma história com elementos que fazem parte dessa cultura, não por um dever ou obrigação, mas por serem coisas que eu conheço e que são minhas referências.

A história se passa no planeta Aphriké, onde todos são negros. Foi uma forma de suprir a carência de personagens de etnia negra nas obras de ficção científica?

No princípio, eu já sabia que todos os personagens seriam negros, mas, enquanto eu fazia o livro, não era nem porque eu achava que precisava ter representatividade negra. Era mais porque o mundo tinha seis sóis e eu achava cientificamente incorreto um lugar assim com pessoas de pele branca. Mas depois eu me toquei que era o meu inconsciente trabalhando. Eu queria que o mundo tivesse seis sóis para que as pessoas fossem negras. E foi ai que eu pensei que o nome do planeta tinha que ser Aphriké [uma alusão à África]. Foi daí que veio todo o desejo de escrever um livro com essa temática e características.

Isso foge do modelo convencional de criação de personagens nas ficções científicas, certo?

Foi também o que me levou a fazer isso. Inclusive, tem um grupo de escritores de fantasia daqui do Brasil que se reuniu em 2015 para assinar o Manifesto Irradiativo. A ideia dele é mostrar que está na hora de usar como protagonistas figuras que não sejam homens brancos, heterossexuais, americanos ou europeus. É muito difícil encontrar uma mulher como protagonista na ficção científica. Apenas recentemente, em trabalhos como Jogos Vorazes, por exemplo, se tem a mulher no papel principal. Até Hollywood já se tocou de que precisa sair do clichê.

Para escrever O Esplendor você se inspirou em Isaac Asimov, um mestre do mundo sci-fi, e na mitologia iorubá. Como foi juntar esses universos aparentemente tão diferentes?

São universos realmente diferentes. O Asimov, que era um russo naturalizado americano, criava mundos que eram representações utópicas dos Estados Unidos. O que fiz em O Esplendor foi justamente uma contraposição ao Asimov. Não por não gostar dele. Pelo contrário, é como se eu tivesse feito o que ele fez, só que dentro da minha realidade. E eu acho que, quando eu resolvi colocar os elementos da cultura ioruba, ficou mais fácil porque é próximo de mim. Apesar de eu não ser adepto da religião, tenho muito mais amigos da umbanda do que de outras.

Você trata de outras questões bem atuais, como a diversidade de gênero. A história, inclusive, é narrada por uma mulher lésbica.

Isso foi totalmente proposital porque eu já estava de saco cheio de homem hétero protagonizando as histórias [risos]. A Tula 56 tem uma namorada, mas em Aphriké isso não é um problema. Isso porque é um lugar onde a civilização é toda telepática. Desde que nascem, as pessoas já sabem o que se passa na mente umas das outras. Não há o que entendemos como momentos íntimos porque tudo é transparente. Mas é uma sociedade com outros problemas.

A ficção científica sempre foi uma ótima ferramenta para abordar temas sérios num contexto imaginário. Sob este aspecto, o mundo atual é um prato cheio de fontes de inspiração, concorda?

Concordo. Eu costumo dizer que não tem como um escritor, seja ele de ficção científica ou não, concorrer com a realidade. O mundo real é tão cheio de histórias estranhas e que muitas vezes as pessoas não conhecem. Em 2003, por exemplo, a Nasa se deparou pela primeira vez com a questão ética de lidar com a possibilidade de vida alienígena e, ao mesmo tempo, proteger essa vida. Quando a sonda Galileu chegou na lua Europa, de Júpiter, eles se deram conta de que lá tinha um oceano três vezes mais volumoso do que o da Terra. Então os cientistas piraram. Eles disseram: 'poxa, se esse oceano tiver vida e a sonda cair ali, o aparelho está cheio de bactéria terrestre e a gente pode causar um desastre ecológico'. Acabaram destruindo a sonda para proteger eventuais vidas alienígenas. Isso até parece parte de um filme.

Sem contar outras questões da sociedade que também servem como tema, certo?

Eu costumo concordar muito com uma coisa que o Arthur Clarke dizia. Para ele, a ficção científica tem uma característica de alertar as pessoas, não só sobre o futuro, mas também sobre o que está acontecendo agora, através de metáforas. Então o gênero surge como uma possibilidade de se discutir vários assuntos. A função primeira dela é o entretenimento, mas é muito difícil você encontrar uma boa obra que, além de entreter, não nos faça pensar e traga questões morais e éticas.

E como você vê a produção brasileira atual do gênero?

As obras brasileiras são muito boas e abundantes. Mas um problema é o complexo de vira-lata do brasileiro, que recusa o livro porque é de um autor nacional. Por exemplo, uma vez uma grande livraria de São Paulo entrou em contato comigo dizendo que meu livro vendia como água. Então me chamaram para conversar sobre a possibilidade de um evento. Quando nos encontramos, disseram surpresos: 'você não tem sotaque estrangeiro'. E eu respondi: 'eu não sou estrangeiro'. Por causa do meu nome, colocaram o meu livro na seção de literatura estrangeira. A partir desse encontro, trocaram para a seção nacional. A venda caiu imediatamente. Então nós temos grandes nomes, como Roberto Causo, Cristina Lasaitis e André Carneiro, mas que ficam restritos àquele nicho de alguns brasileiros que dão uma chance.

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