LITERATURA
Revista Laroyê reúne artistas baianos de várias linguagens
Por Tailana Cruz*
Para saudar Exu, o orixá da comunicação, o termo usado é “Laroyê” – e ele é o primeiro orixá a ser reverenciado no candomblé, pois é o guardião do caminho, das aldeias, cidades e casas de axé. Para traduzir a ancestralidade e a familiaridade de Exu a partir de elementos artísticos e urbanos, um grupo de cerca de 20 profissionais se reuniram para criar a Revista Laroyê.
O projeto tem como foco fortalecer a cultura, reunir as diversas manifestações culturais e convergências simbólicas entre os movimentos das ruas e o culto afrorreligioso. O projeto é dividido em três edições digitais, que estão disponíveis gratuitamente no site do projeto (www.laroye.com.br).
A revista é fruto de um trabalho coletivo no qual a equipe trabalha materiais que se complementam e colaboram para a construção do discurso. As publicações são inspiradas numa convergência de elementos artísticos, religiosos e digitais, e também é inspirado na Revista Exu, publicada pela Fundação Casa Jorge Amado a partir de 1987.
“A proposta do projeto é unir artistas, escritores e poetas para mostrar seus trabalhos. Tem muitos projetos interessantes na Bahia, e a revista vem para fazer esse encruzilhamento dos artistas e seus trabalhos”, contou o jornalista Tom Correia, responsável pela criação, curadoria e edição da revista.
Por conta da pandemia causada pelo coronavírus, o projeto não pode ter um lançamento presencial nem uma revista física, como era pensado, mas fez com que o projeto se tornasse uma nova versão dele mesmo.
“O virtual nos traz outro alcance, é outra pegada. A Laroyê chega num momento de desafogo, somos bombardeados com muitas informações o tempo todo, e a revista traz literatura, fotografia, artes visuais para ajudar a dar uma respirada neste momento difícil”, acrescenta Correia.
As três edições
Em todas as edições, a revista tem um apelo visual muito forte, explorando as cores vermelha, branca e preta e elementos como o ogó, cajado/bengala com formato fálico que simboliza o poder concentrador da divindade. Esse contexto ajuda a ressaltar a importância da divindade e tirar do imaginário ignorante a ideia de que Exu é ‘diabo’.
A primeira edição, por exemplo, reúne Álvaro Villela, Amanda Oliveira, Aristides Alves, Coletivo Cutucar, Lázaro Roberto, Marcelo Reis e Shirley Stolze com fotografias que mostram que os trabalhos conversam sobre o olhar para a cidade.
“Salvador é uma cidade paradoxal. A fotografia carrega por natureza uma mensagem, e meu trabalho tenta expressar a potencialidade desse lugar que, mesmo tendo muita gente produzindo ao mesmo tempo, mesmo sendo povoado, também é uma cidade mais silenciosa, mais oculta. Tento chamar a atenção desse significante do estado morto da cidade que ao mesmo tempo é potência visual. Esse projeto é bacana porque continuamos produzindo mesmo com a pandemia e ressignificando as questões ao participar desse projeto que dialoga no contexto e sentido da revista, é uma sensação de estar num fluxo contínuo e assertivo”, conta o fotógrafo e jornalista Marcelo Reis.
A Laroyê II conta com a participação de Mário Cravo Neto, Wendell Wagner, Alex Simões, Nilson Galvão, Sandro Ornellas, Marcelo Frazão, Eliana Falayó, Tenille Bezerra, Wesley Correia, Bauer Sá, Gabriela Palha, Lívia Natália, Mariana David, Matheus L8, Max Fonseca, Clarissa Macedo e Thaís Darzé.
Já na terceira publicação, o capítulo de ‘Padê’ conta com três artigos assinados por Ordep Serra (“Exu em corpo de oriki”), Cidinha da Silva (“Um samba sobre o infinito”) e Cleidiana Ramos (“Uma cidade-passagem que exala o sagrado”).
No capítulo “7 provas” estão os contos inéditos de Marcus Borgón e Gustavo Rios; dos jornalistas Flávio VM Costa, Kátia Borges, Lima Trindade, Rita Santana e Carlos Barbosa. “É sempre bom sacudir a poeira, espantar os medos (ou acolhê-los, como bem disse a poeta Mônica Menezes) e dar ao nosso trabalho a oportunidade de ser visto, lido e apreciado pelo público interessado. E sempre haverá público para a arte, leitores para a ficção, por mais horror que se veja ou anteveja. A Laroyê, como outras publicações virtuais, ocupa espaço vital na divulgação da arte produzida e reprimida por dificuldades muitas e ostensivas”, afirma Carlos Barbosa.
“O momento que atravessamos tem sido tormentoso e cruel para o setor artístico. Para um escritor que preza o que faz, é sempre enriquecedor contribuir para que um projeto artístico se materialize, ainda mais com a excelente qualidade que a Laroyê expôs nessas três edições”, completou o jornalista.
Contribuições preciosas
A terceira edição da revista reúne, no capítulo ‘7 Esquinas’, ensaios fotográficos assinados por Arlete Soares, Christian Cravo, Hugo Martins, Juliana Neri, Thiago Borba, Vinícius Xavier e Hirosuke Kitamura. Além deles, a poeta Mônica Menezes e a fotógrafa Sarah Fernandes assinam juntas um poema e um ensaio, respectivamente.
“A gente observa os trabalhos dos nossos convidados há muito tempo, então, a curadoria aconteceu de forma natural. Temos artistas de várias gerações, tem os renomados, tem os jovens que estão se firmando, tem tudo”, explicou Tom.
Quem assina o projeto gráfico é o designer Junior Pakapym, e a produção da revista foi feita pela Fabiana Pereira Produções, em parceria com a Pau Viola. O projeto foi contemplado pelo Prêmio Anselmo Serrat de Linguagens Artísticas, da Fundação Gregório de Mattos, prefeitura de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, o que trouxe junto uma reflexão sobre a importância de editais de incentivo à cultura para além de pandemia.
“A lei é essencial para incentivar artistas que estão parados por conta da pandemia, e estamos torcendo para a prorrogação dos recursos, mas é uma sensação contraditória pensar no edital. A gente preferia ter Aldir Blanc aqui. Quando a revista foi pensada, nem existia essa lei, ele estava vivo. É meio tristeza e uma celebração com gostinho diferente, mas é importante ter editais de cultura como este promovendo cultura sem a necessidade de um artista como Aldir ter que morrer”, finalizou Tom Correia.
Para conhecer a obra, os artistas e mais informações, basta acessar a revista, que é gratuita e está disponível no laroye.com.br ou no Instagram do projeto (@revistalaroye).
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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