MÚSICA QUE TRANSCENDE
Armandinho recebe título de doutor honoris causa pela UFBA
Autodidata, músico é homenageado na semana em que completa 70 anos
Por João Guerra
Dois dias depois de completar 70 anos, um homem que vestia as cores da Bahia no corpo e até no cabelo entrou no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA) para ser homenageado com o título de doutor honoris causa na mesma instituição de ensino na qual ele não conseguiu adentrar décadas antes, no curso de Música, por ter tirado zero na prova de aptidão musical.
Isso não seria inusitado se o recém setentão fosse um contador, um jornalista, um advogado, ou mesmo um pintor. Mas esse senhor de cabelo azul e chapéu vermelho com faixa branca que chegou no espaço de comemoração da UFBA, acompanhado pelos irmãos, era Armando da Costa Macedo ou, como alguns milhões de pessoas que o admiraram em cima de um trio elétrico ao longo de seis décadas passaram a chamar: Armandinho.
Enquanto estava sentado assistindo aos professores que discursavam explicando o motivo da honraria concedida a ele, Armandinho, emocionado, ouviu algumas vezes o “ainda bem que ele não passou no vestibular”. O músico aquiescia com a cabeça, olhava para baixo, com uma mistura do que parecia ser timidez com o orgulho de ter sido reprovado e das consequências do que vieram a partir daí.
A timidez talvez se desse pelo fato de a companheira dele não estar ali nas suas mãos, como costuma estar quando ele fica diante de uma plateia: a guitarra baiana. Já o orgulho se dava pelo fato de ele, desde pequeno, ter entendido que não se dava bem com uma formação musical formal e não fazia ideia do que estava escrito em uma partitura quando alguém mostrava a ele, como descreveu ao longo do seu discurso na cerimônia.
“Meu aprendizado consistia em ouvir meu pai tocando. Apenas na escuta”, diz o músico que, quando criança, desafiado pelo pai a ter que estudar para aprender músicas mais eruditas, descobriu que, ao baixar o RPM da vitrola, conseguia aprender a solar qualquer música, só de ouvido, decorando cada nota, e depois era só tocar no tempo certo. “Minha resistência de estudar música de maneira formal era enorme”.
Com esse método, Armandinho conquistou a Bahia e o Brasil ainda criança. Contratado pela TV Tupi como um prodígio da música, seu pai foi firme em dizer que ele precisava voltar a Salvador para terminar os estudos, onde ficou até ter a tal experiência de reprovar no vestibular de Música, mas foi aprovado para o curso de Belas Artes da Universidade.
“Eu era zero em teoria musical. Eu não sabia nada do que estava escrito ali [na partitura]. Eu tentava ler as ‘bolinhas’, mas não conseguia traduzir em música o que estava escrito. Era o Hino Nacional”, disse enquanto a plateia gargalhava.
“Eu fui aprovado em artes plásticas, mas que pintor o mundo perde. Tranquei a matrícula e me piquei pro Rio de Janeiro (...) Minha faculdade foi as ruas da Bahia”, disse o músico, lembrando a partir daí da consolidação da sua carreira ao lado dos irmãos, com Moraes Moreira, em A Cor do Som e tudo o que fez Armandinho ser o que é.
Mas, de fato, o que Armandinho é? O reitor da universidade, Paulo Miguez, o classifica como o mantenedor “da melhor expressão da alegria baiana”: o trio elétrico - mas isso não o faz a ficar preso a um recorte geográfico em um mapa. “Celebramos trajetória de um grande músico cuja importância transcende as fronteiras da Bahia e do Brasil. Armandinho é um dos maiores instrumentistas do mundo, não tenho a menor dúvida disso. Mas ao fazer essa homenagem, ao conceder-lhe o título de doutor honoris causa, nós certamente ultrapassamos a figura de Armandinho e alcançamos a genialidade da criação e do trio elétrico, de quem Armandinho é o grande mantenedor da tradição. Desenvolvendo essa tradição e fazendo com que sempre ela seja a melhor expressão da alegria baiana”.
Já o maestro Alfredo Moura, professor da Escola de Música da UFBA e um dos proponentes do título a Armandinho, justificou a honraria ao filho de Osmar Macedo apontando que ele “um baluarte da nossa cultura e da nossa música”.
“É uma pessoa respeitadíssima pelos músicos e pelos amantes das músicas no Brasil e internacionalmente. É uma pessoa fundamental na vida de muitas pessoas e eu me incluo nisso. Também e é uma pessoa que inovou mudou, é uma pessoa que entende a diversidade, é uma pessoa que que trabalha pela cultura da Bahia, com muito respeito pelas suas raízes afro-brasileiras e pela cultura afro-brasileira, divulgando a música por onde vai. É uma pessoa íntegra que tem dado um bom exemplo de como a arte pode mudar e transformar o mundo pra melhor”, enumerou o maestro.
Nesse mesmo sentido, o professor da Faculdade de Direito da universidade baiana, outro proponente do título a Armandinho, explica que a ideia nasceu a partir da união de três escolas da UFBA: Música, Medicina e Direito - e foi abraçada pelo reitor.
“A faculdade de Medicina tem essa fama de só ser voltada para as questões da saúde, eu acho que quando a saúde a arte caminha juntos, o mundo fica bem mais interessante, mas havia uma outra razão. Eu conhecia o pai dele e ele desde pequeno, porque eu sou da mesma tribo dele lá de Itapagipe. Então me fez remontar a minha infância a uma memória que eu guardava com muita alegria”, justificou o diretor da Escola de Medicina da Ufba, professor Luis Fernando Fernandes Adan, sobre a sua adesão à proposta de reconhecimento de Armandinho como doutor da universidade.
Abriu caminhos
Também presente no evento, o presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), o jornalista Ernesto Marques, falou que Armandinho é quem abriu caminhos para tanta coisa que se vê atualmente no carnaval de Salvador. “Armandinho é imortal”, diz Ernesto.
“Acho que mesmo a turma mais jovem que curte o Baiana System deve saber que teve gente que veio antes para abrir caminho. Pra gente ter condição de uma banda, um grupo, um artista, dar uma virada e fazer alguma coisa diferente, acho que Armandinho, no embalo do que fizeram os grandes pioneiros, o pai dele e o velho Dodô, virou uma referência pra tudo que veio depois. Acho que tem pedaço de Armandinho em cada música que sobe no trio e deixa a gente que fica de baixo na pipoca hipnotizado”.
Se Armandinho é imortal, como Ernesto disse, esse capítulo da história dele, da música baiana e do ensino superior baiano foi mais um passo na confirmação disso.
E é assim que parece, a imortalidade do carnaval da Bahia se materializando em todos os espaços que ocupa, seja em cima do trio ou no Salão Nobre da Reitoria da UFBA, quando enfim, já condecorado como doutor pela universidade, Armandinho, enfim, pegou sua guitarra baiana. Aí já não havia mais espaço para timidez. Era só orgulho, folia, “um verdadeiro chame gente”.
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