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ENTREVISTA

Armandinho teme por carnaval na BA: “artistas nada a ver puxam trio"

Músico fará show histórico hoje na Concha para celebrar os 50 anos da banda Armandinho, Dodô & Osmar

Por Franciano Gomes*

10/01/2024 - 7:00 h
Portal A TARDE conversou com o músico, que trouxe detalhes do show, curiosidades e falou sobre preocupação com a perda da tradição e cultura baianas
Portal A TARDE conversou com o músico, que trouxe detalhes do show, curiosidades e falou sobre preocupação com a perda da tradição e cultura baianas -

Da invenção do trio elétrico para cá, a Bahia vem passando por transformações técnicas, harmônicas e rítmicas no cenário musical. A criação de Dodô e Osmar inspirou outras pessoas a darem seguimento a sua obra e trazerem novas criações baseadas nela. Foi o caso de Armandinho, filho do próprio Osmar, que se juntou aos seus irmãos, Aroldo, Betinho e André Macedo para formar a banda Armandinho, Dodô & Osmar, nome dado em homenagem aos autores do equipamento musical.

Neste ano, a banda celebra 50 anos. Tanto tempo de história, claro, merece uma grande comemoração e o grupo decidiu reunir o público, que é o grande responsável pelo sucesso, e artistas com um papel muito importante no cenário da música baiana, para apresentar um show na Concha Acústica nesta quarta-feira, 10, às 19h.

A apresentação histórica vai levar nomes como Ana Mametto, BaianaSystem, Bell Marques, Carlinhos Brown, Durval Lelys, Daniela e seu filho Gabriel Mercury, além de Gerônimo, para um passeio pelas raízes do trabalho dos irmãos Macedo.

O Portal A TARDE conversou com o músico Armandinho Macedo, que trouxe detalhes do show de celebração e curiosidades da carreira dele, do pai e da banda. No papo, o artista também mostrou estar preocupado com a diversidade musical no Carnaval de Salvador, alertando sobre a perda da tradição e cultura baianas, incluindo a falta de visibilidade para blocos afro.

“Quem contrata artistas de fora para fazer o carnaval não tem a menor consciência de que está acabando com uma festa, com uma tradição, e acabando com o lado cultural do carnaval”.

Acompanhe:

Qual a diferença entre os projetos “Armandinho, Dodô e Osmar” e “Os irmãos Macedo”?

“Os irmãos Macedo" foi a forma que a gente achou de contar a nossa história, a história da gente, a história das nossas modificações, da evolução que a gente criou em cima do trio, tirando aquele formato que ficou estabelecido por Dodô e Osmar, o cavaquinho, o violão e a percussão de charanga de Carnaval. Porque toda a nossa história é dedicada, na verdade, a Dodô e Osmar, aos inventores do trio. A partir de 1974, nesses 50 anos, fomos nós, os irmãos Macedo, mas toda a consideração é levada a Dodô e Osmar. Então, a gente fica meio fora, de certa forma, da história. Eu fiz o primeiro disco de trio elétrico que foi gravado por mim como solista, porque meu pai e Dodô não eram profissionais da música, eles tinham outros trabalhos, e eu fui pro Rio de Janeiro gravar, fazer a história, botar em disco o nome Dodô e Osmar. Meu pai que reclamou no segundo disco, disse: 'tem que botar o seu nome' e então, botou meu nome no trio elétrico de certa forma. Pra mim, a importância maior era divulgar os criadores do trio elétrico. Mas quem tocava eram os irmãos Macedo, na verdade. Era eu no cavaquinho, o Aroldo na bateria, o Betinho no contrabaixo e André na percussão. Então, a gente começa a sentir necessidade de contar a história a partir dos irmãos Macedo, independente da história do Osmar, que já é uma história sacramentada, não tem mais o que se discutir. São os inventores, são os caras que começaram essa mudança de comportamento total de um carnaval que se transformou no que é hoje graças ao trio elétrico.

Qual a expectativa para o show de hoje na Concha Acústica?

Queremos fazer um dos melhores shows do nosso trio elétrico, porque a gente está contando com os maiores seguidores da nossa história musical. A gente está com as pessoas que seguiram tudo o que a gente delineou de 70 para 80. O canto, as músicas cantadas, as variações rítmicas, inclusive. Então a gente está aí com a Ana Mametto que é um lançamento mais novo, tem o Gerônimo, que começou com a gente em 74 na percussão, e a gente tem o Durval Lelys, que foi um seguidor, inclusive, de guitarra baiana. Todos eles quando começaram, na verdade, até a Daniela Mercury, tinha guitarra baiana no trio. Todos eles ainda são do tempo da história da guitarra baiana. Tanto é que a Daniela fez música homenageando a guitarra de Armandinho. Então, essa é a relação desses convidados com a nossa história. É uma ligação, que é o que construiu a música de Carnaval dos anos 80. O BaianaSystem, com o Roberto Barreto, que cresceu meu vizinho aprendendo em todos os meus ensaios, ouvindo os ensaios, aprendendo guitarra baiana, tem uma relação muito forte, muito forte com o que a gente faz, tanto é que lançou o BaianaSystem. O Bell Marques diz que se apaixonou quando viu o nosso trio do Pombo Correio: ‘poxa, quero fazer parte disso’. E entrou pra história. O Carlinhos Brown, sabe todas as minhas músicas. Eu fico impressionado! Então, é por isso que eu digo que vai ser um grande show. A gente está com os maiores continuadores da história. Será um show histórico.

Além da banda, a apresentação da Concha reúne ainda BaianaSystem, Bell, Brown, Durval Lelys, Daniela Mercury e Ana Mametto
Além da banda, a apresentação da Concha reúne ainda BaianaSystem, Bell, Brown, Durval Lelys, Daniela Mercury e Ana Mametto | Foto: Felipe Oliveira | Divulgalção

São cinco décadas de trajetória musical. Pode citar uma lembrança especial desses anos?

Momentos que me dão saudade, na verdade, são os momentos com meu pai, ele era uma pessoa muito atuante. Ele criou um número “desafilho”: desafio de pai com filho. Ele prendia plateias enormes com esse desafio, tirando camisa, cobrindo instrumentos, botando as contas, fazendo um malabarismo. Isso é uma das coisas que mais eu tenho saudade do trio elétrico, é do meu pai fazendo desafio comigo. Muita saudade dele, por toda a presença dele em tudo, principalmente na construção dos trios elétricos. Ele inovou em 1988. Se você pegar o "Trio Espacial", ele fez uma engenhoca, uma passarela giratória com toda a banda em cima, que até hoje, não fizeram nada igual porque ele trabalhava na construção civil, inventando maquinários.

Queremos fazer um dos melhores shows do nosso trio elétrico, porque a gente está contando com os maiores seguidores da nossa história musical.

O Carnaval de Salvador está mais plural do que nunca. A cada ano a festa ganha ritmos que antes não eram vistos como sendo da festa como sertanejo e piseiro. O que você acha desta mistura?

Eu tenho uma advertência, que eu venho falando. Eu não gosto de sair, ficar brigando e reclamando e falando, mas a advertência é que carnaval é uma festa cultural, é uma manifestação. Cada estado tem a sua cultura, a sua tradição. Uma festa no carnaval, como o Rio de Janeiro, Pernambuco, que por exemplo, proibiu no Galo da Madrugada, tem que ser metais, frevo pernambucano, é maracatu a história deles. E o carnaval da Bahia não tem esse compromisso. Aqui na Bahia, quem dirige faz completamente errado, pega coisas que não tem nada a ver com o carnaval e coloca pra puxar trio. Aí um carnavalesco bom, que tá aí na ativa, perde o espaço. A gente perde o espaço, a gente vai lá pro final da fila. É incrível isso, porque tem uns poderes econômicos que controlam isso. Então, ficam botando o que é da Bahia, da terra, e que fez essa festa ser o que é. Eles ficam em função de artista e mídia para trazer gente do interior, para encher o carnaval de gente, só porque é sucesso. Todo mundo quer ver o sucesso. Eles acabam estragando, atropelando a cultura, as tradições.

Não precisa botar artista de mídia para chamar gente, isso aí é uma “trairagem” que fazem, quem faz isso, quem contrata em função de mostrar um carnaval com 2 milhões de pessoas. Nós temos blocos afros maravilhosos, que refletem a nossa cultura, a nossa história, eles ficam pra escanteio em função de artista contratado que vem, não sei de onde, puxar trio elétrico no lugar de quem podia estar mostrando a arte baiana, a cultura baiana, a música baiana, tudo que se mostrou aí quando se deu oportunidade. Então, isso aí é a minha advertência, não pode ser um espaço de trio elétrico ser alugado para qualquer um, não pode. Isso aí não representa a Bahia para lugar nenhum do mundo se firmar isso aqui.

E falando em mistura, vocês vão trazer rock no repertório do show, com sucessos de Guns e Roses e Queen, também. Como a guitarra baiana se conecta a esse gênero?

O rock está na cabeça, está na mente, está na forma de pensar da pessoa. Você pode fazer um rock até no violão. Você pode fazer um rock no piano. Você pode estar no impulso que você dá pra música. A tua mentalidade é roqueira, você vai ser roqueiro. Com qualquer cavaquinho que você pegar, você vai fazer um rock. Da forma, da sonoridade, do cavaquinho. Tem gente que toca guitarra baiana, que tem essa mentalidade roqueira. Tem gente que tem um toque mais tradicional, como o toque do meu pai, que tinha outra mentalidade. Então, muita gente absorveu e aprendeu com ele. Essa linguagem do rock eu trago comigo porque eu curti o rock, eu quis reproduzir determinadas sonoridades do rock, bends [técnicas] da guitarra, a forma de tocar, de vibrar o som da guitarra. Então, toda essa forma que você concebe, é que você passa para o instrumento. Na verdade, o instrumento pode ser para qualquer estilo, para qualquer música. Isso aí tá na cabeça musical de cada um, mesmo. Mas independente do estilo que estejam tocando, dentro da linguagem que a gente desenvolveu, quando alguém ouve, percebe logo que é guitarra baiana.

Ainda falando do carnaval, culturalmente falando, qual você acha que é o grande desafio da festa atualmente?

Para o carnaval, o desafio é sempre botar um trio elétrico na rua e botar um trio elétrico na rua quando você não é oficializado no circuito, ou quando você ainda tem que se conversar muito com a organização porque carnaval mexe com um monte de negócios, é uma loucura. É negócio para todo mundo, então, ninguém abre mão do seu espaço. É uma situação de disputa de espaço, disputa de som, de patrocínio, se fossem disputas artísticas, até mereceria um crédito, mas não são disputas artísticas. É um espaço de negociação muito feroz, muito acirrado. Tem gente que fechou determinado negócio para abrir o negócio do carnaval, então, a pessoa mata e morre pelo negócio dele, pelo lucro dele, e ninguém quer saber, neste momento não existe história. Existe ali a esperteza. Carnaval é isso. Quem contrata artistas de fora para fazer o carnaval não tem a menor consciência de que está acabando com uma festa, com uma tradição, e acabando com o lado cultural do carnaval. Então, falando do lado cultural, eu diria, em primeiro lugar, aqui estariam os blocos afro, a maior manifestação baiana do carnaval, mais representativa, e todos aderindo ao trio elétrico. Então carnaval tem sido isso, eu espero que essa mentalidade vá mudando.

Aqui na Bahia, quem dirige [o carnaval] faz completamente errado, pega coisas que não tem nada a ver e coloca pra puxar trio. Aí um carnavalesco bom, que tá aí na ativa, perde o espaço. A gente perde o espaço, a gente vai lá pro final da fila.

*Sob supervisão de Bianca Carneiro

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Tags:

Armandinho, Dodô e Osmar guitarra baiana

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