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Câncer, política e música: conheça as faces de Carla Visi

Publicado terça-feira, 07 de agosto de 2018 às 13:45 h | Atualizado em 21/01/2021, 00:00 | Autor: Bianca Carneiro* | Foto: Luciano Carcará | Ag. A TARDE
"Acho que estamos passando por uma crise de identidade", disse a cantora sobre carnaval baiano
"Acho que estamos passando por uma crise de identidade", disse a cantora sobre carnaval baiano -

Foi em uma quinta-feira ensolarada, que a cantora Carla Visi recebeu a equipe do Portal A TARDE. De cabelos curtos, e sorriso largo, a ex-vocalista da banda de axé Cheiro de Amor, demonstrava muita simpatia ao falar das questões que a rodeavam, mesmo na mais dolorosas delas, como o câncer de mama que teve no ano de 2017. Um ano após a doença, o tratamento, que contou com uma quimioterapia, 30 radioterapias e outras tantas sessões de hormonioterapia, hoje já se encontra encerrado, necessitando apenas de acompanhamentos periódicos.

Naturalista, não come carne vermelha ou toma refrigerante há 35 anos. A cantora é militante das causas ambientais desde a década de 90, que foi quando percebeu que poderia contribuir com o meio ambiente também através da música. A experiência rendeu, e atualmente, realiza palestras sobre cultura e sustentabilidade em diversos lugares. Equiparado a isso, só mesmo o seu amor pelo axé, ritmo que até hoje canta em palcos não só nacionais, como também em diversas turnês que vêm realizando em países da Ásia e Europa.

Além de acumular os ofícios de ambientalista, cantora e mãe, Carla também é formada em Jornalismo, possui uma pós-graduação em Gestão Ambiental e em 2019, fará um mestrado em Portugal. E graças a tantas atribuições, chamou atenção na política baiana, chegando a ser convidada pelo candidato a governador José Ronaldo para concorrer como vice na sua chapa. Ao Portal, ela contou como surgiu o convite, e disse que não descarta uma possível candidatura nos próximos anos. A cantora também fez reflexões sobre o cenário musical da Bahia: "Acho que estamos passando por uma crise de identidade". 

Você passou quase cinco anos na banda Cheiro de Amor. O que levou desta experiência?

Foram quase cinco anos, pois saí antes de terminar o contrato, devido a diversas circunstâncias como a volta da Márcia (Freire) e a minha saída para a carreira solo. O que eu considero sobre cada etapa de trabalho que realizo, é que ali, existe uma oportunidade de aprendizado. Da Cheiro, levo boas lembranças, muitos amigos e profissionais que tive oportunidade de trabalhar e que guardo até hoje esses ensinamentos. Além disso, houve a projeção midiática que a banda me deu. Foi uma etapa determinante na minha carreira.

Qual o momento mais marcante que viveu na banda?

Um dos melhores momentos foi a homenagem aos catadores de lata que fizemos no carnaval do ano 2000. Eu sempre vejo a arte e o artista como um elemento transformador e naquele momento eu me senti mais útil. Além de levar o entretenimento, a festa e a alegria através da música, também estava fazendo com que as pessoas ali se conscientizassem de um trabalho tão importante como o deles e os respeitassem mais.

"Acho que o Carnaval de Salvador já não se identifica com o axé das antigas"

As pessoas ainda pedem “Vai Sacudir, Vai Abalar” nos shows?

Pedem e muito (risos). É interessante porque já desenvolvi outros tipos de trabalho como os cds em homenagem a Gilberto Gil e Clara Nunes e, mesmo nessas ocasiões específicas, as pessoas pedem músicas que foram sucesso na Cheiro com a minha voz. Eu vejo isso com o maior carinho, e quando dá para adaptar, eu faço.

Em 2016,  você formou com ex-integrantes da Cheiro de Amor uma banda chamada Simpatia, e fez uma ação chamada “O Amor Voltou”. Ainda pretende fazer algo parecido?

Não. Foi um projeto que teve data para começar e terminar, específico para o sucesso da música “Vai Sacudir, Vai Abalar” e do disco que nós vendemos mais de 2 milhões de cópias. Um encontro, duas décadas depois para celebrar esse momento tão especial em nossas vidas.

Crise do axé?

Durante uma entrevista ao portal Fanf1 você disse que não se identificava mais com o Carnaval de Salvador. Pode falar um pouco sobre isso? O que mudou?

Não é que eu não me identifique. Mas acho que o Carnaval de Salvador já não se identifica com o axé das antigas. A música no trio elétrico é extremamente democrática, tanto que nós artistas sempre cantamos de tudo. Agora, o que a gente precisa tomar cuidado é que o axé, como música do Carnaval da Bahia, precisa ter prioridade dentro de uma grade atrações, e o que está acontecendo é o oposto. A preferência acaba sendo do artista que está no sucesso do momento, e depois, os que sempre fizeram parte do carnaval da Bahia. Apesar disso, tenho grande esperança de ainda haja alguma mudança e que a música carnavalesca da Bahia tenha prioridade no Carnaval de Salvador.

Pretende estar no carnaval de Salvador no próximo ano?

Não tenho planos, mas outros projetos podem surgir. Para mim, é sempre um prazer poder cantar para o meu povo.

Em 2017, os cantores baianos estiveram de fora da lista dos mais ouvidos em aplicativos de música, e alguns especialistas no segmento acreditam que a axé music se encontra em crise. O que você acha sobre isso?

Acredito que seja um momento bom para pensar no modelo de carnaval que estamos fazendo e na gestão empresarial que está por trás destes artistas. O movimento é bom quando consegue abarcar mais e mais artistas, mas o que acontece com o axé, é que existem alguns cantores específicos com uma projeção enorme, enquanto tem uma maioria esmagadora buscando ter um pouco de notoriedade, e isso não é correto, pois a música baiana é muito rica. Acho que estamos passando na verdade, por uma crise de identidade.

Imagem ilustrativa da imagem Câncer, política e música: conheça as faces de Carla Visi
Atualmente, Carla divide o tempo entre palestras, estudos e turnês no exterior

A experiência do câncer

Em 2017 você descobriu que estava com câncer de mama. Hoje, um ano depois, já conseguiu concluir o tratamento. Como foi passar por essa experiência?

Sempre fui uma pessoa extremamente cuidadosa com o físico, mas em um determinado momento, eu me senti impotente, desesperada. O tratamento acabou, mas deixou um ensinamento muito importante. Quando a gente estiver em uma situação difícil, devemos buscar apoio, porque a fraqueza vai diminuir as defesas. Você pode se cuidar e tudo, mas em um determinado momento, pode ser que baixe a guarda. Acredito que em algum momento tive essa oportunidade para aprender mais sobre o viver saudável.

Na época, as suas imagens com a cabeça raspada viralizaram. Foi difícil perder o cabelo?

Foi mais difícil vê-lo caindo, porque você sabe que seu corpo está passando por um processo que você não tem ideia da dimensão. É interessante ver como a aparência é um fator importante nas nossas vidas. Hoje em dia, eu vejo as matérias das pessoas morrendo com a cirurgia plástica e fico triste em como a gente se preocupa só com a casca e não com a essência. O ter não pode ser mais importante do que o ser, e perder os cabelos que faziam parte do meu visual artístico, foi tão importante que eu percebi uma beleza maior em mim que não dependia daqueles cabelos. Continuo cantando com a mesma intensidade e voz ou até mais. 

"O tratamento contra o câncer acabou, mas deixou um ensinamento muito importante. Quando a gente estiver em uma situação difícil, devemos buscar apoio, porque a fraqueza vai diminuir as defesas"

Voz política 

Algumas pessoas se surpreenderam quando viram a sua indicação para ser vice governadora do candidato Zé Ronaldo. Você acabou recusando devido ao mestrado que irá fazer em Lisboa. Como surgiu o convite ?

Entendo a surpresa das pessoas, pois o trabalho que realizo é de formiguinha e normalmente as pessoas não percebem as formigas. Assim que cheguei da viagem que fiz a Portugal e Japão, me convidaram para participar de uma convenção do Partido Verde. Lá, eu me posicionei diante da platéia, e isso deixou Zé Ronaldo impressionado. Ele não me conhecia, como eu também não o conheço, mas diante da minha fala, ele percebeu quem era Carla Visi realmente, e me chamou. Então, o convite partiu dele, a partir de um discurso meu.

Pensa algum dia em concorrer a uma vaga na política baiana?

Talvez. Meu grande sonho realmente é compartilhar meus objetivos, com adolescentes e jovens, pessoas que tem vontade de mudar. Por isso o estudo. Quero ir para universidades e escolas, compartilhar os conhecimentos e aprender com eles. É essa inquietação da juventude que me anima.

Planos para o futuro

Você anunciou que irá para Lisboa fazer um mestrado. Pode falar um pouco sobre a sua pesquisa e o tema dele? Qual a expectativa?

Meu mestrado é em Ecologia Humana, na Universidade Nova de Lisboa. Ele dura dois anos e talvez faça um doutorado. Quero continuar nessa linha de pesquisa sobre cultura e sustentabilidade. Espero poder aprender muito com os portugueses e outros povos que estão mais avançados nessa área ambiental.

Tem planos de voltar ao Brasil após a conclusão?

Sim, claro! Todo o meu conhecimento é para voltar para o Brasil e ajudar a construir um país melhor. Estarei sempre ligada aqui.

Você tem uma agenda internacional corrida com shows na Europa e Japão. Com o mestrado, o que pretende fazer? Vai conciliar as tarefas?

Claro. Já tenho shows em Londres e convites para retornar ao Japão ainda este ano. Espero ampliar ainda mais a minha agenda.

"Ele (Zé Ronaldo) não me conhecia, como eu também não o conheço, mas diante da minha fala, ele percebeu quem era Carla Visi realmente, e me chamou. Então, o convite partiu dele, a partir de um discurso meu"

E como é levar o axé para fora dos palcos brasileiros? Como é a apreciação de povos como os japoneses?

Eles gostam muito e dançam bem, viu? (risos). Além do axé, eu já fiz shows lá de diversos ritmos. Eu levo a nossa cultura baiana e brasileira com a minha música, todas elas em português. Porém, apesar de estar lá, estou aqui em coração, presença e pensamento.

Entre o axé e os outros ritmos que canta, existe um estilo que lhe define?

Música boa é o que me define. Eu gosto da música boa mestiça brasileira. Essa mistura resultante do que existe no Brasil.

Imagem ilustrativa da imagem Câncer, política e música: conheça as faces de Carla Visi
Cantora não descarta concorrer a candidatura na política baiana

*Sob supervisão de Keyla Pereira

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