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MÚSICA

Caymmi, um clássico popular

Marcos Dias

Por Marcos Dias

30/04/2014 - 13:13 h
Dorival Caymmi e Gal Costa
Dorival Caymmi e Gal Costa -

Parece coisa da mitologia: ao pegar o violão do pai sem permissão, aprendendo a tocar intuitivamente, Dorival Caymmi acabou legando ao mundo uma obra genial. Morto em 2008, aos 94 anos, é como uma onda viva, no infinito mar que é a música brasileira, que suas canções se espraiam.

E é como se fossem de todos. Ele mesmo chegou a dizer que seu sonho era chegar a ser o autor de uma "ciranda, cirandinha", "uma coisa que se perca no meio do povo". Ou seja, uma forma perfeita. Atemporal.

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Em bloco, as cerca de 125 músicas que compôs expressam invariavelmente uma unidade entre letra e música, poesia e melodia, voz e violão. É claro que, quando seu Durval, o pai de Dorival, flagrou o jovem tocando do jeito dele, quis que o filho aprendesse a tocar como todo mundo. Mas foi a singularidade do seu violão que fez e faz a música brasileira ir adiante.

Anos mais tarde, Villa-Lobos e Radamés Gnatalli o aconselharam a não estudar música formalmente, pois poderia perder o ouro da espontaneidade.

O jornalista e crítico Tárik de Souza, que há 42 anos entrevistou Caymmi e lhe perguntou qual era o lugar dele na música brasileira, hoje reconhece: "Dorival Caymmi é figura central na MPB. Sua obra faz a travessia entre o folclore, os pregões de rua soteropolitanos e a vanguarda dos acordes alterados e harmonias preciosas da bossa nova. A consistência de suas composições o situam como um clássico popular, de alcance atemporal".

Foi Caymmi, afinal, quem colheu expressões e modos de viver de Salvador, cidade em que nasceu, e encantou o mundo. Nos 23 anos em que morou aqui, foi funcionário do jornal O Imparcial, se apresentou com um grupo amador em rádios, recebeu seu primeiro cachê como artista e venceu concurso de música carnavalesca com A Bahia Também Dá.

Mais importante: ainda aqui, deu início a um gênero inédito na música popular, as canções praieiras, que teve Noite de Temporal como marca inaugural. Cantando sua terra, cantou estórias de todos os cantos onde há mar e pescadores.

Balangandãs

Quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1938, Caymmi levou mais do que a memória das calçadas e sobrados da velha São Salvador: o mar de Itapuã, a exuberância da vida popular, das festas de largo, dos terreiros, a comida, tudo, tudo fazia Caymmi querer bem e querer cantar.

Naquele mesmo ano, com a lembrança de como as negras se vestiam em dias de festa, compôs O Que é Que a Baiana Tem? A Bahia já era um tema da música brasileira. Mas ali havia muito mais. Balangandãs que seduziram o mundo.

Foi conquistando quem o ouvia até que, com a recusa do já célebre Ary Barroso de participar da trilha do filme Banana da Terra, produzido por Wallace Downey e estrelado por Carmem Miranda, foi convidado a substituí-lo.

Como a neta e biógrafa Stella Caymmi conta no livro O Que é Que a Baiana Tem - Dorival Caymmi na Era do Rádio, lançado no ano passado, marcando o início das comemorações do centenário do avô, um ano após chegar ao Rio de Janeiro ele já estava gravando com Carmem Miranda e foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga.

Em resumo: o imenso sucesso da música levou Carmem Miranda aos EUA e abriu caminho para o reconhecimento de Caymmi que, além das canções praieiras, lançou vários "sambas sacudidos", como Você Já Foi à Bahia, Rosa Morena e Vatapá, dentre outras.

"Caymmi trouxe boa parte de seu repertório da Bahia, mas no Rio também compôs a partir da saudade de sua terra (Saudade da Bahia, Milagre, Maracangalha, João Valentão), já situada num patamar de utopia e sonho de lugar", diz Tárik.

A produção tipicamente carioca, para o crítico, foi influenciada pelo samba-canção modernista, em ascensão na década de 1950 na cidade, pontuada por temas como Sábado em Copacabana, Nem Eu, Rua Deserta, Marina, Você Não Sabe Amar e Só Louco.

Para o também crítico e professor da Universidade de São Paulo Lorenzo Mammì, num artigo para a coletânea Música Brasileira Hoje, Dorival também "baianizou" o Rio ao introduzir o gosto da paisagem e do mar. "Com isso gerou muito do que hoje julgamos ser tipicamente carioca. Sem ele, não haveria barquinho, cantinho nem violão. Se essa parte de sua produção parece menos pessoal, é porque o Rio a incorporou totalmente".

Na opinião de Mammì, ele antecipou a bossa nova, porque desde cedo utilizou harmonias que, então, só existiam na música erudita e no jazz.

Para Danilo Caymmi, 65, irmão mais novo de Nana e Dori (filhos de Dorival e Stella Maris, com quem foi casado por 68 anos), quando o pai chegou no Rio já tocava um violão absurdamente diferente de tudo.
Ele lembra, a propósito, que, quando tinha por volta de 11 anos, a casa era frequentada por João Gilberto e Baden Powell, interessados na forma que Dorival tocava, mas ressalva: "É difícil enquadrá-lo em algum movimento".

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Melodia

O próprio Caymmi, aliás, se considerava um homem sem escolas. Mas fez questão de passar para o filho a importância de se apostar na força da melodia: "Todas as músicas dele têm um segredinho, um temperinho, uma pimentinha e sempre com uma simplicidade muito grande, uma simplicidade sofisticada como era o violão dele".

Em casa, a família ouvia não só música brasileira, mas discos de jazz, muitos deles trazidos pelo amigo do pai, o empresário Carlos Guinle. "Ele gostava muito dos clássicos também, dos impressionistas, Ravel, Debussy, Erik Satie, Grieg, as partitas de Bach e todos os compositores russos, que têm melodia muito forte".

Para o compositor Paulo Costa Lima, professor da Escola de Música da Ufba, eleito em janeiro deste ano para a Academia Brasileira de Música, no caso de Caymmi, o melhor conselho que deram a ele foi não estudar música formalmente.

"A qualidade em Caymmi é um assunto muito importante e não é à toa que ele fica tempos pensando numa música e demora a fazer. Tem critérios", considera. Lima acredita que o que caracteriza a obra de Caymmi, de forma geral, mesmo que ele não tenha estudado, por exemplo, a teoria do contorno (que determina, no caso das melodias, o quanto ela sobe ou desce), é um apuro muito grande, uma qualidade nas escolhas, mesmo sendo intuitiva.

No caso da Canção da Partida, por exemplo ("Minha jangada vai sair pro mar..."), ele sente que é como se tivesse uma onda empurrando a jangada, colocando o ouvinte no contexto que está sendo cantado.

"Esse apuro de Caymmi, essa qualidade das escolhas não é distinta daquelas que a gente chama de música erudita. Caymmi se comporta como um compositor da maior qualidade nas suas escolhas".

Daí o nonsense de todo o folclore sobre a lentidão que o baiano compunha. Não à toa, em 1984, Caymmi recebeu o título de doutor honoris causa em música na Ufba, com o discurso de posse proferido por Ernst Widmer analisando O Mar — música que Caymmi considerava a mais emblemática das suas criações.

Numa carta escrita de Salvador ao amigo Jorge Amado que estava em Londres, em 1976, Caymmi conta que fez uma música para Iemanjá e havia terminado de pintar um quadro, outra linguagem em que seu talento se expressou.
"O que me falta é tempo para pintar, compor eu vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí".

E a axé-music nem era um embrião. Mas não é estranho que, na década seguinte, ele tenha declarado que o gênero era música caribenha amplificada.

Talvez achasse que o imediatismo tirasse a verdade da música. Ou, ainda, como crê a neta Stella, como Obá de Xangô do ilê Axé Opô Afonjá ele não gostava de ver um nome sagrado (axé) usado num contexto em que era acrescido de music.

Kai-ee-me

No mercado internacional, teve seu nome soletrado em inglês na capa do LP Caymmi (Kai-ee-me) and the Girls from Bahia, lançado pela Warner, em 1965. Um ano antes, havia gravado com Tom Jobim o clássico Caymmi Visita Tom e Leva Seus Filhos Nana, Dori e Danilo.

Uma das faixas, Das Rosas, também fez sucesso nos Estados Unidos numa versão de Andy Williams. Em 1977, Sarah Vaughan convidou Caymmi para um dueto na versão Roses and Roses no seu álbum O Som Brasileiro de Sarah Vaughan.

Nos EUA, além da gravação para a gravadora Decca que Carmem Miranda fez em 1939, O Que é Que a Baiana Tem? foi regravada por ela em 1944, no filme Serenata Boêmia. E voltou a ser um hit em 1940 com os Mills Brothers.

Além dos discos lançados pelo mundo afora, chama a atenção a recepção que a obra de Caymmi teve em Israel, onde foi traduzido para o hebraico e intrepretado por artistas como Matti Caspi.

É como uma lenda que as canções correm o mundo. E no clássico Chega de Saudade, de João Gilberto, de 1959, lá estava a Rosa Morena de Caymmi. Aliás, nossa.

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