MÚSICA
Criolo regrava primeiro álbum e lança nova edição de 10 anos
Por Daniel Oliveira

O rap brasileiro talvez seja o estilo mais autobiográfico da música no país. As consequências da problemática desigualdade social, denunciadas em parte considerável das letras, se confundem, em geral, com as histórias dos seus compositores e do próprio gênero. É uma fala potente, um grito. Mais do que isso, uma afirmação de dignidade e desejo de transformação.
Afinal, a escolha entre dois caminhos - arrumar um trampo na biqueira ou batalhar para fazer o seu som ser ouvido - é amiúde colocada para os MCs em início de carreira nas periferias dos centros urbanos.
A faixa É o Teste, que abre o primeiro álbum de Criolo, Ainda Há Tempo, é um exemplo. No refrão: "É o teste, é a febre, é a glória / Não se corromper para nós já é vitória". Dez anos após o lançamento, em 2006, o trabalho foi regravado em versão reduzida, com oito músicas e direção de Daniel Ganjaman, e chegou no início do mês às plataformas digitais.
"Quando eu falo que tinha que procurar emprego a pé por não ter o dinheiro da condução e tantas outras ideias que estão ali, é tudo real. E, infelizmente, é uma realidade que não se distancia do que acontece hoje", diz Criolo.
Do palco para o estúdio
Há alguns anos, o decênio do disco é assunto entre Criolo, DJ DanDan, DJ Marco, o produtor Daniel Ganjaman e outros companheiros de estrada. "A gente pensava em fazer algo para celebrar não apenas a data, mas também toda a energia que estava em volta. E sempre alguém falava: 'está chegando'". Foi então que Ganjaman teve a ideia de realizar shows e, em seguida, convidar beatmakers e produtores da nova cena do rap para contribuírem na recriação dos arranjos.
"Tudo estava acontecendo de modo natural e pensamos em registrar esse momento e a energia de 2016. É uma vez só que ele faz dez anos".
As gravações originais de Ainda Há Tempo sumiram no antigo estúdio. Portanto, tudo foi refeito. Das 22 faixas de 2006, somente oito ganharam outras roupagens e foram incluídas na produção recente. "Rolou um lance assim na seleção: 'vocês fiquem aqui, amo vocês, já já vocês vêm também!'", conta Criolo, sem revelar preferência. O show do álbum tem rodado o Brasil e o exterior, no entanto, ainda não tem previsão de chegar a Salvador.

O rapper (C) e os colaboradores DJ DanDan e DJ Marco
Novos caminhos
O músico paulista navega pelas águas sacudidas do rap desde os anos 1990. Porém, nos últimos dois álbuns, Nó Na Orelha (2011) e Convoque Seu Buda (2014), trilhou caminhos menos ortodoxos do hip hop e mais brasileiros. Agregou samba, reggae, funk e afrobeat, enquanto promovia a mistura da entoação quase falada com melodias da canção popular.
Na atualização de Ainda Há Tempo, Criolo retoma as músicas do primeiro registro ainda focadas no rap, mas transpostas ao seu contexto contemporâneo. Para isso, contou com o auxílio de um time de produtores, como o duo Tropkillaz, Nave, Papatinho e Sala 70.
Apesar das mudanças nos trabalhos recentes, ele diz que continua viajando pelas mesmas ondas sonoras do início de sua trajetória. "Quando fiz o álbum ouvia o que escuto até hoje. Muito rap nacional, música brasileira, nordestina e bandas de outros países", revela.
"O que acontecia antes era o seguinte, você falava: 'rapaz, eu canto rap, grave um som aqui comigo!' e a pessoa ria da sua cara. Ninguém queria fazer. Então não é que em um período eu fazia rap e depois outra coisa. As músicas sempre estiveram na minha mente, mas não tinha tido oportunidade de dar vazão", explica.
Urgência
Um dos aspectos que emergem na audição das faixas é a atualidade dos versos. Eles parecem escritos na urgência do presente. Ao falar da letra de Chuva Ácida, que trata do descaso ambiental, Criolo ainda se espanta com a semelhança conjuntural. "Que louco, fiz essa música há 20 anos. Eu gostaria de falar: 'olha só o que acontecia, que bom que mudou'. Mas não é essa a nossa realidade, infelizmente", comenta.
Essa constatação também ocorre em Tô Pra Ver, que tem a participação do rapper Rael, arranjo dançante e mensagem positiva. A quarta, Breáco, é uma espécie de rolê pela quebrada. A música visita diferentes temas, desde o tráfico até a ostentação do consumo. Já Até Me Emocionei é um elogio ao rap, ao passo que Demorô afirma o valor da livre expressão.
A indústria de bebidas alcoólicas é alvo de crítica em Vasilhame. "Falo do quanto ela destrói vidas. Desde que o mundo é mundo, nações e tribos têm seus rituais, o seu modo de vida e de entrar em contato com as suas crenças. Isso é uma coisa, outra é essa banalização da ideia de que você só é feliz se estiver chapado de álcool. Um pacote de ilusões se você beber tal mercadoria".
No desfecho, em Ainda Há Tempo, homônima ao disco, a mensagem é de esperança: "De que o mundo pode estar caindo, mas lembra que tem você e um monte de gente, mano! E tem sempre alguém mandando energia boa".
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